Foto: Suframa/DivulgaçãoTrabalhadores em Manaus: fábricas na Amazônia buscam tributos mais baixos

Zona Franca: por que eles preferem impostos mais altos

Empresas de bebidas frias superfaturam o custo de insumos para abater outras taxas
03.02.23

Um mal-entendido sobre um possível contencioso tributário da Ambev trouxe à tona uma questão extremamente importante sobre a efetividade e a eficácia da política tributária nacional no que diz respeito a incentivos fiscais, notadamente, na Zona Franca de Manaus, ZFM. A União teria direito, segundo relatórios de fiscalização da Receita Federal do Brasil, a cerca de R$ 30 bilhões em contencioso tributário contra as empresas de bebidas frias que produzem na região.

Durante a semana, uma interpretação equivocada de um estudo produzido pela AC Lacerda Consultores chacoalhou o mercado financeiro atribuindo a possível dívida de R$ 30 bilhões com o Fisco à Ambev. No afã de ligar o trio de bilionários da 3G Capital (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), que são acionistas de referência tanto da Americanas quanto da Ambev, a mais um escândalo, a imprensa fez crer que a cervejeira brasileira estaria envolvida em mais um caso de “inconsistência contábil“. O valor das ações da empresa de bebidas caiu 5% no dia em que a reportagem circulou.

Em que pese o desmentido — uma vez que o volume do contencioso se refere a todas as empresas que atuam na ZFM — a notícia alertou para uma situação tributária no mínimo controversa e que provoca efeitos tão inesperados quanto empresários contrários à redução de tributos. Uma espécie de animal certamente muito rara na fauna industrial brasileira.

Para se ter uma ideia, em maio do ano passado, na esteira das desonerações promovidas pelo governo Bolsonaro às vésperas do período eleitoral, o governo editou um decreto em que zerava a cobrança de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para a fabricação de concentrados de refrigerantes fabricados na Zona Franca de Manaus. A medida foi rapidamente combatida, e o partido Solidariedade entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a alteração. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, emitiu uma Medida Cautelar impugnando, dentre outros dispositivos legais, o referido decreto.

A explicação é a de que isso feriria o equilíbrio competitivo e afrontaria a proteção constitucional à ZFM. Para o presidente da CervBrasil (Associação Brasileira da Indústria da Cerveja), Paulo Petroni, o motivo pode ir além disso, no que diz respeito aos interesses em jogo. “Esse é um imposto que não é pago, ele é recebido“, explica. “A lei é desse jeito mesmo. Mas o problema é que eles (a grandes produtoras de bebidas) avançam o sinal e não seguem a lei“, completa Petroni.

A acusação se baseia em relatórios da fiscalização da Receita Federal do Brasil que apontam que as empresas podem não estar atendendo ao Processo Produtivo Básico (que indica o conjunto mínimo de operações que caracterizaria a elegibilidade para o benefício tributário) ou superfaturando o custo dos insumos para maximizar a geração de crédito tributário.

Uma das artimanhas que seriam utilizadas pela indústria seria a seguinte: o valor correspondente ao IPI devido pela empresa que produz o concentrado de refrigerante é transformado em crédito, que é utilizado para abatimento de outro tributo. Então, haveria um incentivo para as empresas superfaturarem o produto. O concentrado é vendido a outras companhias do mesmo grupo, como engarrafadoras, criando uma bola de neve. “Isso afeta toda a indústria em função de uma compensação cruzada dos créditos, prejudicando setores como o de cerveja que ficou, como resultado, extremamente concentrado no Brasil“, alerta Petroni.

Para se ter uma ideia, cerca de 95% do mercado atualmente está nas mãos de três empresas (Ambev, Heineken e Grupo Petrópolis), enquanto outras 1.500 companhias dividem os 5% restantes. De acordo com um levantamento da AC Lacerda Consultores, a pedido da CervBrasil, o país deixaria de arrecadar cerca de R$ 3 bilhões por ano em função dessa proteção. “Não somos contra os benefícios para incentivar a ZFM, o grande problemas são as práticas anticoncorrenciais que são utilizadas para maximizar esse benefício“, destaca André Paiva, um dos responsáveis pelo estudo. “E a solução é possível, ao se reduzir a alíquota sobre o segmento, o incentivo para o superfaturamento também cairia“, prevê. “Além disso, o resultado social gerado pelo setor, como empregos, não justificaria abrir mão de tanta receita“, completa.

Em tempos de discussão sobre a reforma tributária, há de se levar em consideração a possibilidade de correção de possíveis discrepâncias como essas, relacionadas ao setor de bebidas. Sobre a Ambev, especificamente, a empresa divulgou um Fato Relevante informando que “calcula seus créditos tributários com base na legislação aplicável, estando as demonstrações financeiras da companhia de acordo com as regras jurídicas e contábeis, inclusive no que diz respeito às informações sobre o contencioso tributário“.

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  1. O articulista erra ao dizer que o governo zerou o beneficio do IPI para as empresas da ZFM. Na realidade zerou, ou reduziu, na TIPI o que por vias indiretas afeta a competitividade das empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus pois elas beneficiam empresas correlatas e do mesmo grupo empresarial no que concerne o crédito presumido daquele tributo quando das vendas para fora da ZFM. Menor alíquota menor benefício.

  2. E de que adianta acabar com benefícios fiscais? Arrecadam mais pra ir mais ainda pras bolsas dos larápios e continuar não indo nada pra onde deveria.

  3. A nova turma do Congresso Nacional deveria começar a trabalhar em cima dessas discrepâncias tributárias e aprovar Leis menos flexíveis.

  4. Super ricos nunca pagam impostos , recebem mais incentivos do q é gerado de impostos , POLITICAGEM, nossiva para os brasileiros

  5. qual o sentido de conceder benefícios fiscais para refrigerantes? não tem nenhum valor alimentício e contribuem para inúmeros problemas de saúde, obesidade e diabetes e suas consequências

  6. Nada contra as grandes empresas terem bons lucros. Mas se houver tramoia, esfolem o que tiver para recuperar o rombo contra o país.

  7. Está aí um assunto que precisa ser amplamente discutido e analisado com serenidade e firmeza. Portanto, todo cuidado é pouco na hora discutir exoneração de tributos e outras benesses fiscais. Cuidado com o Lira e sua turma!

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