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Terror midiático

Em vez de se guiar pelos fatos, a imprensa festiva é arrastada por narrativas sensacionalistas afoitas pela audiência e agora turbinadas por milícias digitais de sinal trocado
20.01.23

As imagens do 8 de janeiro ainda vão ecoar por nossa história política por muito tempo, mas com que legendas? Naquele fatídico domingo, veículos de mídia adotaram posturas diferentes para interpretar as cenas de vandalismo brutal contra as sedes dos Três Poderes. Os histéricos logo classificaram como terrorismo, outros viram na invasão bolsonarista um ato claramente golpista. Os mais cautelosos optaram por chamar os radicais de vândalos, comparando-os aos black blocs. Já os simpatizantes ‘da causa’ relativizaram a violência, tratando de questionar pela enésima vez o processo eleitoral e a descondenação de Lula pelo Supremo. Para estes, tudo seria ilegítimo, menos a barbárie decorrente da insatisfação dos que se postaram por meses diante dos quartéis.

Simplificações se tornaram um vício da comunicação moderna via redes sociais e apps de mensagens, mas são um perigo para a compreensão de fatos complexos. Elas interditam o debate, contaminam o ecossistema político, influenciam decisões judiciais; erodindo a democracia, enquanto fortalecem governos populistas. Como demonstra a reportagem de capa desta edição (Dano Colateral), assinada pela repórter Vanessa Lippelt, essa dinâmica perversa também afeta a vida cotidiana de pessoas simples, humildes, que são arrastadas a um debate para o qual não foram preparadas. Tornam-se massa de manobra para táticas de enfrentamento político. São os “ignorantes com iniciativa” de Napoleão Bonaparte, jogados aos leões para sacrifício em nome do líder, do mito.

O dano colateral do 8 de janeiro é o exército de pedreiros, cozinheiras, professores, lavradores que caíram na lábia do golpismo e tiveram suas vidas interrompidas, deixando famílias devastadas — um rastro de destruição praticamente invisível, só que bem mais profundo que o visto na Praça dos Três Poderes.

Nesta semana, Alexandre de Moraes liberou 60 detidos pelo 8 de janeiro, mas outros 1.399 permanecem na Papuda. Não será fácil individualizar condutas sem provas robustas dos crimes cometidos por cada um, mas a Procuradoria-Geral da República começou a denunciá-los. Devem responder pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União; além de deterioração de patrimônio tombado. Crimes que serão combinados com os artigos 29, caput (concurso de pessoas), e 69, caput (concurso material), do Código Penal, o que pode agravar as penas.

Nenhum foi acusado de terrorismo (artigo 2 da Lei 13.260/2016), pois a lei exige que os atos sejam praticados “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Os que defendem uma interpretação mais ampla precisam lidar com o direito penal, que não permite analogia em detrimento do réu, como ressaltou o advogado Fabio Tofic Simantob, em entrevista a mim no Papo Antagonista. Para o criminalista, “a melhor resposta que a gente pode dar, inclusive em termos de pacificação nacional, é a resposta da legalidade, sempre dentro do estrito cumprimento do figurino legal, o enquadramento das condutas tem que obedecer os princípios do direito penal. Por isso, não consigo enxergar terrorismo”.

Tofic, que defendeu Lulinha e outros réus do petrolão, mantém a coerência e a serenidade que têm faltado a colegas do Grupo Prerrogativas e à imprensa festiva — a mesma acusada por Lula e Glenn Greenwald de se associar à força-tarefa da Lava Jato em tempos não tão remotos. Barbaramente criticada pela espetacularização do combate ao crime, que inflou egos de agentes da lei e desvirtuou a operação, parece ter esquecido a lição deixada por outro episódio marcante da cobertura nacional: o caso da Escola Base. Em vez de se guiar pelos fatos, é arrastada por narrativas sensacionalistas afoitas pela audiência e agora turbinadas por milícias digitais de sinal trocado, espertamente usadas pelos populistas de plantão, repetindo o ciclo vicioso que nos trouxe até aqui. É um terror!

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  1. Me pareceu que isso ocorreu/ocorre aqui mesmo, tem sido bastante festivas as reportagens sobre isso desde 08/01. Uma tentativa bem mequetrefe de dizer que somos imparciais, mas o que eles fizeram não foi assim tão... veja bem, a imprensa odiosa... então mas essa revolta se produziu...

  2. Parabéns, Claudio! Perfeita análise, como sempre. Hoje vi numa emissora que trata o fato do dia 8 como "terrorismo" se referindo às manifestações peruanas recentes como "protestos violentos". Ué?!?!

  3. Complementa o artigo de capa desta Crusoé. Uma multidão de ingênuos se misturando aos profissionais da baderna. As funcionárias do salão de beleza que frequento estavam atônitas e felizes com o que iria acontecer no Domingo, só que não tinham ideia da burrada que estavam se metendo. Mocinhas achando que iriam defender a Pátria

  4. Em parte pode haver simplismo da mídia, mas numa proporção significativa há método, motivado pelos interesses! Os bobos da mídia são raros!

  5. Exato! Matou a cobra e mostrou o pau. Fiquei decepcionado com Bolsonaro logo no primeiro ano de governo, mas temos que reconhecer que boa parte da imprensa e da justiça foram odiosas nos últimos quatro anos. Esta é a razão principal da ira Bolsonarista. Não concordo com o que estão fazendo, mas entendo as razões. Houve enorme assimetria na maneira com que os dois candidatos à presidência foram tratados nos últimos anos.

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