ReproduçãoFlávio Dino, em coletiva de imprensa: ele quer tirar do ar potenciais crimes políticos

Liberdades cada vez mais enfraquecidas

Quando a poeira baixar, teremos de nos haver com um governo e um Judiciário armados de poder até os dentes
20.01.23

Após uma das eleições mais polarizadas de nossa história, os Atos de 8 trouxeram o discurso belicoso novamente à boca das pessoas: “essa gente baderneira”, “esse povo”, como se estivéssemos diante de quadrúpedes ignorantes vindos de outra galáxia.

Não seremos, na verdade, nós, que nos informamos por jornais e revistas e nos divertimos com Machado de Assis, os que vivemos em outra galáxia? Num Brasil depredado pela estupidez, os que perambulam fanaticamente pelas ruas e são manipulados por discursos fáceis e sedutores de políticos populistas não são a exceção, mas a regra. Talvez sejam eles os verdadeiros brasileiros, os brasileiros raiz – e nós, os brasileiros nutella.

Entender os baderneiros como pertencentes a um outro mundo, classificá-los como bárbaros ou terroristas, retomar a política do “nós contra eles”, é nada mais do que uma tática retórica para que os excluamos de nosso convívio sem compaixão. É muito comum, nas guerras, os exércitos se valerem dessa técnica para desumanizar o inimigo – nosso semelhante se torna o “outro”, e eliminá-lo se torna essencial para preservação do “nós”.

Os baderneiros do dia 8 serão tratados como inimigos do povo, inimigos do Estado, isso é fato. A política do “nós contra eles”, empreendida por Judiciário e governo, está em pleno vapor: diariamente somos surpreendidos por decisões judiciais que de tão truculentas não estão nem no gibi nem na Constituição. O governo também tem nos abordado cotidianamente com decretos e portarias feitas para esmagar futuras revoltas, mas que também servem convenientemente para controlar a livre manifestação dos críticos.

Esta semana, Flávio Dino defendeu, em entrevista, a criação de uma lei nos moldes da resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vigorou durante as eleições, para retirada de conteúdos que fossem potenciais crimes políticos das redes sociais. Acontece que a tal resolução do TSE foi um dos instrumentos mais questionados de toda a eleição e ministros da Corte chegaram a alertar para a possibilidade de que sua aplicação resultasse em censura.

O leitor já está, decerto, entendendo onde quero chegar. Obviamente sobrarão estilhaços desta guerra para todos “nós”, não apenas para “eles”, não apenas para os baderneiros. Um exemplo: nesta semana, o perfil de rede social de um juiz foi suspenso por decisão judicial; ninguém entendeu a razão, não havia motivo. Ora, o motivo é que se deu poder total ao governo e aos tribunais para combater o inimigo. Dotados desse poder, com apoio popular, quem é o inimigo, qual é o bom combate, passam ao exclusivo e subjetivo critério da cabeça de nossas autoridades.

Quando a poeira baixar, teremos de nos haver com um governo e um Judiciário armados de poder até os dentes, com nossas liberdades individuais enfraquecidas, e com os que excluímos desejando agredir as instituições do mesmíssimo jeito que antes, talvez até mais.

André Marsiglia é advogado. Escreve sobre Direito e Política

andremarsiglia.com.br

@marsiglia_andre

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  1. Excelente análise. Muito poder e vontade anormal de combater opositores e cala-los, totalmente contrário às liberdades constitucionais previstas.

  2. A oportunidade certa caiu no colo de quem já há muito quer cercear liberdades e ter carta branca para perseguir adversários políticos. Tudo em nome da democracia, claro.

  3. Ufaaa.. eu já havia fechado minha carteira de críticas, todas provenientes das estúpidas mudanças da “nova” Crusoé, feitas pelo UOL, quando me deparo com o ressurgir das cinzas desse excelente artigo do advogado aí acima. Brilhante o teu texto, meu chapa. Até parece que a nossa revistinha não morreu. Ela tem salvação..ulalaaa

  4. Ou seja, esses "coitadinhos" não podem ser considerados bárbaros ou terroristas, devemos considerá-los lordes ingleses. Que sejam então premiados por bravura!! Parece advogado de petista falando...

  5. Perfeito comentário e reforça argumentação do senador de direita e não bolsonarista do Val, sobre a desenxabida desculpa de Lula e Dino que, ladinamente, condenam a instalação de uma CPI das manifestações…

  6. Concordo plenamente. Populisras e autocratas andam lado a lado. Quando dão as mãos o cáos é inevitável.Lula e Bolsonaro são autocratas, populistas, autênticos.O pior que poderia acontecer, aconteceu. Resta "sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho".

  7. Tenho a esperança que , tal qual a Lava Jato passou por um "revisionismo", a apuração dos atos antidemocráticos também passará daqui há alguns anos e teremos a imputação de quem se excedeu.

  8. A Censura está aí na porta, o.problena é que poucos ainda a percebem. Isso é só o começo. Vamos sofrer muito pois o atual presidente nunca escondeu que deseja a perda da nossa liberdade e ainda é apoiado pelo pior Supremo de todos os tempos.

  9. Estou aqui tentando entender o que vc quis dizer. Algo como a Act Patriot? Eu, particularmente, entendo que quem criou o “nós contra eles” foi Bolsonaro e seus seguidores. Basta ser divergente pra ser petralha, comunista, pedófilo, satanista. O Brasil se dividiu claramente nos últimos 4 anos. Irmãos brigaram com irmãos. O resultado, combinado com.narrativas de ódio, resultou no maior ataque às instituições E vc acha que os autores devem ser punidos de que maneira? Ou não devem nem ser punidos?

    1. Não, essa polarização começou lá atrás no go erro Lula, que inclusive demônios o FHC,DIZENDO QUE TI HA UM PAIS QUEBRADO, ..

  10. Excelente! Parabéns pela lucidez! Ninguém parece se preocupar com as verdadeiras mudanças que estão acontecendo na sociedade…

    1. Eu idem. Concordo com você. Lula e sua quadrilha desgraça do país.

    2. Estou sentindo vergonha de um país acovardado pelos corruptos de nosso país , tenho horror do lula e seus seguidores

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