Bastou eu escrever — não na minha coluna anterior, mas no Facebook — que Jair Bolsonaro era página virada e só havia alguns patriotários enchendo o saco, que as referidas figuras resolveram passar um aprazível domingão em Brasília quebrando tudo. Só pode ser pessoal, tenho absoluta certeza: eles queriam dar um golpe E fazer a minha coluna ficar mais velha que o primeiro espartilho da Sarah Bernhardt apenas dois dias depois de publicada, não necessariamente nessa ordem. No pasarán, inclusive porque Xandão está vigiando e punindo adoidado (vamos falar bem, né, porque apenas sugerir que o ilustre ministro anda fazendo umas interpretações criativas da Constituição já basta para nos transformar em cúmplices dos badernistas. Pelo visto, nossa época de exceção justifica excessões, excessos grandões; só espero que esse tipo de trocadilho hediondo ainda não dê cadeia. Fim da divagação e do parêntese).

A invasão dos prédios dos três Poderes foi o que tivemos de mais próximo de um apocalipse zumbi no Brasil, com aqueles toques de A Praça É Nossa que só o Bananão pode proporcionar. Digo “zumbi” porque é muito fácil imaginar qualquer um daqueles conservadores-depredadores gritando CÉÉÉREBRO, PRECISO DE UM CÉÉÉREBRO: o que mais saltou aos olhos foi a burrice extraordinária dos vândalos. Além de os imbecis festejarem a intervenção de Lula na segurança do Distrito Federal como se fosse a “intervenção militar” que eles queriam, todos instagramavam tudo, faziam videozinho pra jogar no TikTok e no Telegram e produziam, alegremente, um monte de provas contra eles mesmos.

(Os gênios devem ter achado que, no máximo, seriam banidos das redes sociais, o que explica o choque de alguns por terem sido presos pela PF sem direito a nem um pedacinho de nuggets com Coquinha gelada. Quem diria que a direita bandido-bom-é-bandido-morto ficaria preocupada, pela primeiríssima vez, com condições humanitárias dos presos no país e que a esquerda fã de “abolicionismo penal” se tornaria punitivista? Mundo dá volta, camará.)

Mas o que mais me impressiona no chamado Capitólio à brasileira — Capim Tólio, como já escreveram por aí — é a luta dos golpistas contra a chamada “ditadura da realidade”, expressão usada numa charge publicada pelo jornal francês Le Monde. Reportagem do G1 com os acampados na frente do QG do Exército em Brasília conta que, entre outras coisas, a turminha acreditava que Lula estava no Egito e tinha sido substituído por um sósia com os cinco dedos da mão esquerda; que Augusto Heleno estava no Palácio do Jaburu já ocupado por Geraldo e Lu Alckmin (talvez escondido embaixo de algum banquinho); e que Bolsonaro voltaria para perdoar as dívidas dos patriotários que fizeram doações para os acampamentos. É uma galera que se divorciou da realidade e mudou de mala e cuia para o universo paralelo 100% alimentado por teorias conspiratórias do WhatsApp; o chato é que a realidade insiste em bater à porta, e ela assume a forma do barbudo que tem quatro dedos na mão esquerda ou do careca do STF.

Eu já nem digo mais que burrice deveria doer ou que deveriam substituir todos os pedágios das estradas brasileiras por mata-burros. Embora possam fazer (e façam) muitos estragos sérios, Bolsonaro e os bolsominions talvez sejam estúpidos demais para implantar de modo bem-sucedido um regime fascista no Brasil — tanto que tiveram as manha de ressuscitar o PT, esse partido cuja resposta certa à pergunta “burrice ou safadeza?” é invariavelmente a segunda. Em certas circunstâncias, assim como acontece com a gambiarra e a incompetência, a burrice pode ser a salvação do Bananão. Deus nos livre de gente inteligente: o Brasil não pode nunca correr o menor risco de dar certo.

***

JEFF BECK (1944-2023)

“Guitarrista de guitarristas”, diz o clichê sobre Jeff Beck, que morreu na terça (10). Ele de fato não obteve o sucesso comercial de Eric Clapton e Jimmy Page, os outros dois gênios ingleses da guitarra que passaram pelos Yardbirds; mas pode ter sido o mais inovador de todos. Foi o guitarrista mais criativo do rock antes da aparição de Jimi Hendrix; no fim da década de 1960, revelou Rod Stewart e antecipou o que seria chamado de heavy metal; gravou álbuns excepcionais de jazz-rock nos anos 1970 e, na virada do milênio, experimentou até com techno em faixas que não soariam deslocadas no repertório dos Chemical Brothers. Deixou muita música excelente e merece todas as honras. Rest in peace.

Jeff Beck, o grande guitarrista inglês que morreu na última terça (10), aos 78 anos