Divulgação"Bolsonaro foi um presidente tão improvável do Brasil quanto Trump foi dos Estados Unidos ou Gabriel Boric, do Chile."

Resiliência democrática

Economista venezuelano Moisés Naím elogia autocontenção dos militares após invasão dos Três Poderes e diz que maior desafio agora é exigir que todos respeitem a Constituição
13.01.23

O economista venezuelano Moisés Naím é um dos maiores entendidos em América Latina. Ex-ministro de Desenvolvimento no governo de Carlos Andrés Pérez, ele teve uma longa carreira como editor-chefe da revista Foreign Policy e é autor de diversos livros. Em O Fim do Poder, lançado em 2013, ele mostra como os avanços tecnológicos e a fragmentação do poder dificultam a vida dos chefes de governo, os quais contam com poucos recursos e um raio reduzido de ação. “Nos tempos modernos, ficou mais fácil conquistar o poder, mais difícil usá-lo e mais fácil perdê-lo”, disse ele em entrevista a Crusoé, em agosto de 2021. “Os governos hoje precisam lidar com múltiplos problemas, como a pandemia, a economia, a fome, a desigualdade e a pobreza. Ao mesmo tempo, eles têm um poder limitado para lidar com tudo isso. Então, é muito difícil que algum governo consiga se manter forte por muito tempo, em uma situação como essa”, segue.

Agora, Naím volta a conversar com esta revista para falar de seu novo livro, A Vingança do Poder, que será lançado no Brasil em abril. A obra complementa a anterior, escrita dez anos antes. Segundo ele, os autocratas que estavam em uma situação periclitante reinventaram a política para permanecer mais tempo no cargo. Com esse fim, eles usam três instrumentos principais, os três “Ps”: populismo, polarização e pós-verdade. Políticos se colocam como os únicos representantes legítimos do povo contra uma elite corrupta e egoísta, dividem a sociedade e espalham histórias simplistas e irracionais sobre o mundo. Dessa maneira, manipulam a população e enfraquecem seus opositores. Para Naím, tanto Jair Bolsonaro como Lula fazem uso desses três “Ps”, e a invasão dos prédios públicos por golpistas no domingo, 8, está relacionada a esse fenômeno.

 

O sr. vê alguma relação entre os métodos narrados em seu livro A Vingança do Poder e a invasão no Planalto, no STF e no Congresso no domingo, 8?
Ao dar palestras na Ásia, na Europa e na América Latina, é muito comum que uma pessoa da plateia levante a mão para dizer que a dinâmica política que descrevo ocorre somente em seu próprio país: Indonésia, Israel, Peru, Filipinas, Brasil, México, Itália ou Estados Unidos. Todos sentem que o populismo, a polarização e a pós-verdade — que no meu livro eu chamo de três “Ps” — estão criando situações únicas em seus respectivos países. Eu então explico que as táticas políticas podem ser diferentes nos detalhes e circunstâncias nacionais, mas a realidade é que em todos eles vemos a utilização dos três “Ps“. A invasão do Capitólio em 2021 e as cenas de distúrbios em Brasília são as manifestações mais extremas das tendências que aponto no meu último trabalho. Esses atos são alimentados pelos comportamentos de alguns governantes, que usam os três “Ps” para aumentar o poder deles, diluir os controles sobre o Poder Executivo e — o mais importante — não ceder o poder nem sequer quando perdem as eleições. 

Pode descrever melhor esses três “Ps“?
O populista se apresenta para o mundo e para os seus seguidores como o único representante legítimo do povo contra uma elite corrupta e voraz. O objetivo é fomentar a discórdia e a divisão da sociedade. Ele também difunde histórias que não têm relação com a realidade, que simplificam tudo e carecem de matizes ou de lógica. Dessa maneira, eles manipulam a população e conseguem destruir os controles, freios e contrapesos, que têm a função de limitar a concentração de poder. Quando eles fracassam e são derrotados, lutam para continuar no poder. Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos, com Donald Trump, e no Brasil, com Jair Bolsonaro.

Ficou muito complicado para qualquer um se manter no poder, correto?
No meu outro livro O Fim do Poder eu já pontuava que o poder ficou mais fácil de se obter, mais difícil de usar e mais fácil de perder. Isso está acontecendo no mundo todo. Bolsonaro foi um presidente tão improvável do Brasil quanto Trump foi dos Estados Unidos ou Gabriel Boric, do Chile.

DivulgaçãoDivulgação“Os militares não podem se envolver em negociações políticas”
A democracia americana superou a invasão do Capitólio porque é muito tradicional e está bem estabelecida. Como o Brasil se sairá dessa?
Depois do fim da ditadura, a democracia brasileira tem dado mostras de muita resiliência, mesmo com todos os seus defeitos e dificuldades. As leis, apesar de toda a corrupção e das tentativas de manipulação, seguem vigentes. E o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais eficientes do mundo.

Há o risco de o Judiciário e Executivo cometerem abusos em defesa da democracia?
Esse perigo é sempre presente. A solução para os atos de vandalismo que assistimos é o aprofundamento da democracia e o respeito às leis. Não há luta mais importante no Brasil agora do que exigir o respeito à Constituição. Não se pode permitir que os Poderes de fato criminalizem aqueles que diferem politicamente dos poderosos. Ao mesmo tempo, é imperativo que aqueles que seguem ativos em muitos lugares paguem pelas consequências, mas que sejam submetidos a processos justos, não manipulados. É muito importante que os delitos não fiquem impunes. Mas também é importante que esses distúrbios não sejam usados pelo governo ou pelo presidente para concentrar poder político.

Lula está à altura desse desafio?
Não importa se ele está ou não à altura. O que importa é que ele tem o dever constitucional de fazer isso. A lei o obriga a identificar, acusar e a condenar os responsáveis, se for necessário. Essa será uma prova importante para a democracia brasileira, e acho que há força suficiente para levá-la a cabo.

E se Lula usar esse poder para atacar seus inimigos partidários?
Isso seria inaceitável e teria consequências graves para ele. Lula jogaria um bumerangue, que o golpearia de volta.

Como o sr. viu a inação dos militares nesse episódio em Brasília?
Os militares não podem se envolver em negociações políticas. Somente devem velar pelo cumprimento da Constituição. E sempre devem estar submetidos às decisões do setor civil. Eu celebro e fico muito contente que, nesse momento em que a democracia foi atacada, as Forças Armadas não sejam as protagonistas desse processo. Na América Latina, a crença de que os militares devem interferir na política deixou uma história longa de desgraças.

Esse erro foi cometido na Venezuela, correto?
Em meu país, os militares tomaram o poder e ocuparam milhares de cargos públicos. Eles então se associaram aos cartéis internacionais do narcotráfico. Por causa disso, a Venezuela deixou de ser um petroestado para ser um narcoestado.

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  1. Tão importante como punir os vândalos é investigar o que os levou a este ato insano. Minha tese é de que tudo, mas tudo mesmo, teve início com a anulação da lava-jato.

  2. Avisa o senhor Naim que as FFAA não embarcaram no plano de tomada do poder pelo Bolsonaro, não porque não desejam, mas porque se o fizerem, sabem e já foram avisadas, que o Brasil sofrerá um boicote nos moldes que Putin recebeu por parte das mesmas nações. O Brasil é muito importante para o mundo no que tange alimentos, clima e amazônia e não irão entregar o país para essa turma.

  3. Sinceramente? Desisto..que passe logo esse rididículo prazo pra nenver esta infelicidade de ver morrer a revista mais impottante que este païs ja teve..

    1. E pq tu nao vai t.n.c chatonildo?

  4. É imprescindível e urgente que os freios e contrapesos funcionem no Brasil neste momento. Os radicais que invadiram as sedes dos três poderes devem ser apenados e o stf deve ser contido nos seus arroubos pelo Senado Federal. Um processo de impeachment é o remédio. Estou ansioso p ver o novo Senado em ação a partir de 01/02/2023.

  5. Infelizmente vai demorar muito para que se cure nossa democracia principalmente pela trama que fizeram para expurgar o indigesto Bolsonaro do poder, a verdade do passo a passo do plano da soltura do Lula para concorrer às eleições por ser o único que venceria B nesse pleito, embora a trama na obscuridade das trevas seguiu o seu curso até o final de seu objetivo deixou subrepiticiamente em uma grande parte da sociedade uma desconfiança de um ato anti-democrático executado pela elite corrupta

  6. Sempre Brilhante, Obrigada...."Não se pode permitir que os Poderes de fato criminalizem aqueles que diferem politicamente dos poderosos"

  7. Exemplo começa de cima, se nosso Gestapo Xandão, não abandonar deu Estado MONOCRÁTICO de Direito, baseado na ideologia ABSOLULISTA, este país nunca terá paz e sempre estará com está polarização em grau mil.

  8. Lamento pela Venezuela, que tinha tudo para ser um grande país. Por aqui vamos torcer para que os três poderes respeitem a Constituição e para que voltemos à normalidade democrática com a brevidade possível. Se o novo governo não voltar à prática do Petrolão já ajuda.

    1. Torcer não é o suficiente. Não é um jogo de futebol. Precisamos mostrar que nossa existência não se restringe a um ou dois dias a cada quatro anos, quando somos obrigados a votar num cardápio de políticos que prometem mudanças e tudo permanece como sempre esteve.

    2. Dizer que “estamos numa normalidade democrática” é entrar em estado letárgico de resiliência (o famoso relaxa e goza) indecentemente propagado neste milênio para não combater o bom combate de exigir o respeito humano. Estamos, sim, num estado beligerante dividido em uma polarização personalista entre combatentes estupidamente egocêntricos. e suas quadrilhas fanáticas. A frase citada, é na realidade, um enorme paradigma ao acomodamento do poder para os supostamente menos (?) ruim.

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