ReproduçãoGleisi Hoffmann, presidente do PT, em assembleia dos funcionários da Ford

O assembleísmo petista

Quando fala em democracia participativa, o PT alega o objetivo de obter sugestões de políticas públicas. Sempre foi clara, porém, a ação de fortalecer a militância do partido
16.12.22

Após dois anos de pandemia, seca na agricultura e crise energética, provocada pela guerra da Ucrânia, a economia brasileira passou a apresentar sinais de recuperação. Para 2022, a taxa de crescimento do PIB é estimada em 2,8%, a inflação deve ficar em 5,7%, a taxa de desemprego em 8% e o saldo da balança comercial em aproximadamente 55 bilhões de reais.

Mas nem tudo são flores. O desequilíbrio das finanças públicas é grave. Uma eventual política expansionista de Lula para atender as promessas de campanha provocará uma política contracionista do Banco Central com elevação dos juros e redução do crescimento econômico. Problema semelhante ocorre no mundo desenvolvido. A disparada da inflação em vários países está provocando a elevação da taxa de juros e uma recessão mundial que pode afetar ao Brasil.

No momento, muitas questões persistem no campo econômico. Em que medida o governo respeitará a Lei de Responsabilidade Fiscal? Como serão acomodadas as várias facções e tensões da coligação que elegeu Lula? Quais os eventuais impactos na áreas trabalhista?

O Partido dos Trabalhadores, fundado em 10 de fevereiro de 1980, nasceu de uma mescla de ideias do sindicalismo do ABC paulista, da doutrina social da Igreja Católica e de grupos esquerdistas que se diziam marxistas.

Apesar de ter contado com a simpatia de grupos intelectuais, o PT mostrou logo um forte enraizamento com os movimentos sociais de base ao se apresentar como defensor das classes destituídas. E nessa defesa, ficou na oposição por muito tempo. Lula e os parlamentares do PT não assinaram a Constituição de 1988 e tampouco a Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano 2000. Contestaram o Plano Real, o sistema de cambio flexível e o de metas da inflação.

O PT sempre foi contra a privatização. Houve época em que movimentos liderados pelo Partido dos Trabalhadores promoveram ocupações e invasões de propriedades rurais e urbanas. Nos dois mandatos de Lula (2003-2010), a média desses eventos na zona rural foi de 246 por ano. Com Dilma Rousseff (2011-2016) caiu para 162. Sob Michel Temer (2016-2018), para 27 por ano e com Jair Bolsonaro, nove.

Ameaças de volta ao passado já foram antecipadas. Vejam o que diz João Pedro Stédile: “Acho que a vitória do Lula, vai ter como consequência natural, um ‘reânimo’ para nós retomarmos as grandes mobilizações de massa”.

O PT nunca escondeu seu desejo de mesclar a democracia representativa com a democracia participativa, dando ampla liberdade de voz, voto e ação para os movimentos sociais de base. Para tanto, o PT praticou intensamente o assembleísmo por meio de inúmeros conselhos locais, municipais, estaduais e Conferências Nacionais sobre o idoso, a mulher, combate à discriminação, direitos dos portadores de deficiência, economia solidária, cidades, juventude, trabalho infantil e várias outros. Algumas iniciativas tiveram caráter internacional como foi a Conferência Nacional pelo Emprego e Trabalho Decente, realizada em 2012, com a participação da OIT.

O objetivo alegado era o de obter sugestões de políticas públicas. Sempre foi clara, porém, a ação de fortalecer a militância do partido. Nas eleições, muitos participantes, nomeados para cargos públicos, atuavam como cabos eleitorais.

As bases sentiam que sua voz era ouvida. Como regra, era exigido que seus pleitos legítimos fossem tratados como pleitos legais. Com isso, o assembleísmo exercia forte pressão junto aos poderes Executivo e Legislativo. Cerca de quatro mil projetos de lei foram inspirados em duas mil propostas das Conferências Nacionais. A maioria não chegou a tramitar.

Até 2014, haviam participado do assembleísmo, mais de seis milhões de brasileiros. As discussões eram infindáveis e, muitas vezes, as conclusões, pasmem, eram obtidas por aclamação. A maioria dos participantes tinha as despesas de viagem, estadia, alimentação, etc. pagas pelo governo. O Estado, que normalmente é lento, com o assembleísmo se tornava ainda mais.

O assembleísmo foi praticado até o final do Governo Dilma Rousseff (2016). De lá para cá, os tempos mudaram. Será que o PT e partidos coligados insistirão no assembleísmo?

As Diretrizes do Governo Lula-Alckmin 2023-26 indicam que sim:

“Estamos comprometidos com a retomada do diálogo com todos os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e representações populares, compreendendo-os como importantes protagonistas na reconstrução do Brasil”.

Lula também já anunciou a recriação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e outros. “No nosso governo”, disse ele em um de seus discursos recentes, “vamos ouvir novamente as bases: vamos trazer de volta as conferências nacionais para propor políticas públicas em cada área: educação, saúde, cultura, habitação…”

Os primeiros sinais do assembleísmo foram notados na criação de 31 grupos temáticos, com mais de 300 participantes, para fazer a transição entre os governos Bolsonaro e Lula.

Há ações que exigem velocidade e competência técnica. É o caso do controle do déficit público, por exemplo, que é crucial para atrair investimentos. Lula terá de implementar uma politica econômica austera no meio de uma coligação de partidos que gosta de assembleísmo, empreguismo e gastança. Muitos dos líderes dos movimentos sociais já deixaram claro que não aceitarão o desprezo às causas sociais. “Vamos ter de combinar pau e prosa”, prometem os dirigentes do MST.

A forte expansão da máquina pública sempre esteve presente nos governos do PT. Entre 2005 e 2006, o governo Lula criou 404 mil postos de trabalho para servidores da administração pública e aumentou o número de carreiras dos servidores públicos federais de 31 para 317.

A partir do governo de Michel Temer, a máquina pública foi gradualmente desaparelhada. Mas o aparelhamento pode voltar. Lula anunciou a criação de mais de 30 ministérios. Os que têm grande capilaridade (educação, saúde, previdência, povos primitivos, cidadania e assistência social) são candidatos à retomada do assembleísmo.

O governo do PT sempre se caracterizou por uma esquerda do tipo burocrático-sindical que almejava ter poder para se perpetuar no controle do Estado. Não se trata de uma esquerda revolucionária. Lula é um homem conservador. Ele sabe que o crescimento econômico é essencial para o fortalecimento do governo e a sobrevida do governante.

É provável que isso venha a criar um ambiente de negócios mais estimulante e expedito no mandato que terá início em 2023. Ademais, com a eleição de parlamentares de centro-direita e simpatizantes da iniciativa privada, o governo pode enfrentar  uma oposição aguerrida. Será que isso reduzirá o assembleísmo? O tempo dirá.

 

José Pastore é professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A chamada "democracia participativa" do PT é uma mera forma de dar um verniz democrático à imposição de políticas públicas desejadas pelo partido já que o PT, ao mesmo tempo que cria esses grupos de trabalho e conselhos responsáveis pela determinação das políticas públicas, tem por meta garantir a maioria nos mesmos. Assim, parece tudo muito democrático mas, no fundo, é apenas o partido arrotando o que quer impor sem consultar mais ninguém.

  2. Não acredito que Lula seja conservador. Ele é um cínico esperto e vai ,pelo currículo de sua gestão desde 2003 a 2010, arrebentar o Brasile ainda vamos enfrentarmuita turbulência pois PT,PSOL, PCdo B são cães raivosos !!!!! Não descarto uma revolução.

  3. Esperando que Bossonaro caisse fora muitos votaram em Lulamesmo sem o querer na presidencia deu errado o que nao se consegue entender dessas urnas que nada ajudaram,conclusao esta ai a derrota,nao queriamoso p.t de volta,deu errado.

  4. Os ptralhas querem o poder pelo poder sem preocupação com o bem estar do povo brasileiro que tanto apregoam ( principalmente o Criminoso Descondenado ).

  5. Pois é, façam um super L agora, povinho que trouxe esses meliantes ao poder.. não merecem outra versão senão da volta da roubalheira e dos atos criminosos de quem sempre viveu disso.. de crimes contra o tesouro nacional, e da gigantesca imbecilidade dos que passaram 13 anos no poder no passado recente e não fixaram outra coisa senão repetir “nunca antes nesse país”… agora curtam a desgraça que vcs mesmos se autoinfligiram..

  6. Excelente análise! Aguardemos mas, os primeiros sinais são indicativos de tudo seguirá igual ao passado da “quadrilha”!

  7. Prof. Pastore tem a lucidez e realismo político e econômico admiráveis. Espero que volte sempre a estas páginas. Obrigado.

  8. Ainda virão os "Conselhos Populares", que opinarão sobre tudo, incluindo se a própria Constituição é "constitucional" em muitas coisas. Aguardem a zona vermelha que esse país vai virar. Vão criar ainda mais faculdades caça-níqueis que as porcarias que já nos infestam, para depois dizer que o pt proporcionou o acesso dos pobres ao "ensino superior". ESTAMOS F E R R A D O S nas mãos dessa gente maldita.

    1. Bastaria ao energumeno limítrofe que está deixando o poder, tem feito 8,7% fo que era responsabilidade dele, com o mandato que a maioria ortogou ao ameba em 2018. Que fez ele? Foi tentar dar legalidade aos crimezinhos contínuos da famiglia. Ou seja é tão bandido, e burro, como o cachaceiro corrupto que ocupou o vácuo que o ex militar preguiçoso deixou ao não trabalhar. Tamo fu.

    2. Se o brasileiro médio gostasse de ler, ao menos para se informar o mínimo possível sobre como funciona o mundo, ou sobre a História do Brasil, ou ainda se conhecesse_mesmo em resumo, apenas o livro "O Chefe", de Ivo Patarra, teria calafrios de terror por ter votado em Lula. Mas, como a ignorância é mãe da felicidade, melhor ser feliz🙄.

  9. O Brasil vai sofrer uma derrocada nunca vista antes! Lula voltou pior, mais velho, mais aguerrido, mais ressentido! E com o apoio de uma mulher deslumbrada e metida - coisa que D Marisa Leticia não era.

  10. Companheiro Pastore, vamos fazer uma assembleia pra saber se gostamos ou não desse texto. E se "a gente aprovarmos", vamos submeter isso ao plenário representativo-democrático-antineoliberal de uma Conferência Nacional. Com diárias, hospedagem e passagem, claro, que a mortadela tá cara!

  11. Desse assembleismo sou protagonista, dinossauro. Da fundação, financiamento e embalo do PT :na Universidade, Entidade Nacional Acadêmica da área da Saúde e nas Conferências de Saúde e pesquisas em todos os níveis . Nao foi uma boa expedição!

  12. O PT vai ter que desviar muito mais dinheiro para comprar essa oposição... Já venderam a alma ao diabo faz tempo. O que importa mesmo é estar (e perpetuar-se) no poder!

  13. Assembléia de PeTralha é assim a quadrilha entra com o Falo XG e os manés entram com o furico e prá uns nem dói.

  14. Esse é um dos problemas do PT, fazem muita reunião para debater problemas que poderiam ser resolvidos com rapidez se os responsáveis fossem técnicos e não apaniguados políticos.

  15. Entre 2005 e 2006 acrescentaram 404.000 funcionários públicos, a maioria parasitas. E sobrou pouco para investimentos. Esses caras do PT tem cabeça de camarão.

    1. Verdade! Onde o PT se instala, os parasitas se acomodam.

Mais notícias
Assine agora
TOPO