Divulgação"Essa estratégia de radicalizar cada vez mais torna-se problemática quando a profecia não se cumpre"

O altar do cercadinho

O autor Diogo Chiuso afirma que a política foi dominada pela fé, com que esquerda e direita vivendo seus apocalipses imaginários
16.12.22

O escritor e editor Diogo Chiuso, de 44 anos, lançou em novembro o livro O que restou da política: ensaio sobre as desilusões ideológicas (Noétika). Para ele, a política tradicional, que “requer um enorme senso de responsabilidade porque sua essência é a justiça e o bem comum” acabou sendo dominada pela fé religiosa, um fenômeno que pode ser observado tanto na direita quanto na esquerda. Com mais de dez anos editando obras de outras autores, Chiuso agora fala sobre o seu próprio livro para Crusoé.

 

O presidente Jair Bolsonaro tem feito discursos em frente ao espelho d’água do Palácio do Alvorada. Ele falou várias frases desconexas e, nesta semana, apareceu com um padre. Como ele consegue mobilizar tantas pessoas, mesmo falando coisas sem sentido?
O padre é o símbolo desse misticismo ideológico que desembocou no bolsonarismo. O fundamento é uma interpretação grosseira da luta espiritual de que fala São Paulo na carta aos Efésios. Grande parte dos apoiadores do presidente acredita que estamos no meio de uma luta entre o bem e o mal, e que Bolsonaro foi escolhido para impedir uma catástrofe iminente com a vitória do PT.

O fato de que Bolsonaro foi derrotado nas eleições e não terá como impedir um governo petista não seria um motivo para seus seguidores deixarem de segui-lo?
Sim, mas esse tipo de coisa funciona como uma seita. Seus líderes usam um discurso radical, dizendo que há um inimigo que precisa ser combatido. Do contrário, virá um apocalipse. A profecia nunca se cumpre, mas a esperança é renovada com outras versões catastróficas. Por exemplo, era preciso que os manifestantes aguentassem 72 horas nas portas dos quartéis. O prazo se esgotou e ninguém saiu de lá. Então surgiram novas orientações e as pessoas seguem à espera de um milagre, seja a anulação das eleições, um golpe militar ou a prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Mas essa estratégia de radicalizar cada vez mais torna-se problemática quando a profecia não se cumpre. Isso faz com que parte dos seguidores comece a questionar se o milagre realmente ocorrerá. Quem ainda tem algum bom senso vai abandonando o barco, mas permanece uma parte cada vez mais fanatizada que pode recorrer à violência, como vimos essa semana em Brasília.

Essa violência pode se agravar?
Sempre há essa possibilidade quando se tem o estímulo. Até então, os manifestantes estavam pedindo uma espécie de golpe delivery, esperando chegar um motoboy com a prova da fraude das urnas ou uma intervenção militar na mochila. Não tomam nenhuma iniciativa porque não têm um objetivo claro, não sabem o que fazer, mas estão sendo estimulados, por alguns jornalistas e influencers vinculados ao governo, a ficar lá tomando chuva, numa espécie de martírio pela pátria. É claro que nem todos são dados a atos violentos, mas sempre surgem pessoas dispostas a levar as coisas às últimas consequências. Acreditam que estão numa guerra espiritual, na qual seus inimigos são infiéis que devem ser castigados.

DivulgaçãoDivulgação“A fé religiosa foi transferida para a política”
Esse comportamento religioso é exclusivo da direita?
Não, porque é algo característico de uma época em que a fé religiosa foi transferida para a política. E todo misticismo tem seus rituais: culto à personalidade, peregrinações ao altar do cercadinho do Alvorada ou a vigília na Polícia Federal em Curitiba, que ocorreu todo o tempo em que Lula esteve preso. Bolsonaro afirma ser um escolhido de Deus para evitar uma catástrofe com a volta do PT. Lula, no seu famoso discurso diante do sindicato, antes de ser preso, disse não ser mais uma pessoa, mas uma ideia. É uma retórica típica de líderes de seita: o guru normalmente diz não falar mais por si porque é o porta-voz de algo maior, diz que é o escolhido para comunicar uma sabedoria celeste. Até então buscava-se isso nas filosofias new age, em doutrinas esotéricas e espiritualistas, mas hoje muita gente está procurando isso na política.

Então podemos esperar um aprofundamento dos conflitos com a eleição de Lula?
Estamos diante de um momento escatológico no qual esquerda e direita vivem seus apocalipses imaginários e toda a cultura ao redor propicia o palco para esse conflito de ideologias, onde a moralidade é suspensa e tudo é permitido para vencer o inimigo. E quando as pessoas se fecham nos seus grupos, negando-se ao diálogo racional, a ação política se torna inviável. E sem a possibilidade de uma mediação racional dos conflitos, resta apenas a repressão por parte do Estado. Isso até pode explicar, de alguma forma, o protagonismo do Poder Judiciário nos últimos tempos.

O que, então, restou da política?
Muito pouco. Eu já me iludi achando que seríamos mais racionais e menos ideológicos depois de todas as esperanças políticas terem naufragado. Mas seguimos fazendo da política uma espécie de jihad. A política é algo fundamental para a vida em sociedade, ela requer um enorme senso de responsabilidade porque sua essência é a justiça e o bem comum, muito diferente dessa coisa de maluco que pede intervenção militar ou de gatunos que vivem perseguindo os “pequenos prazeres vulgares” de que falava o francês Alexis de Tocqueville. Mas seguimos sempre na esperança de recuperarmos a razão e buscarmos uma saída desse abismo ideológico em que acabamos metidos.

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  1. Acho que esse sempre foi o objetivo da religião. Dar esperanças para uma pessoa, ou um grupo que está desesperado, sem ver solução para suas angustias. Só que os deuses aqui são de carne e osso. São vigar.istas, como muitos pastores que estão se manifestando. Os evangélicos apoiam o Messias. Já os lulistas aceitam diversas linhagens, do candomblé ao "Mensageiro da Paz" Paulo Coelho.

  2. Descreveu com maestria a agonia que vivemos. Misturar política e religião, não dão certo. O exemplo pode ser visto nos países do oriente, em que os governantes cometem atrocidades em nome de Deuses

  3. Olá Duda. De quanto da população fala o sr. Diogo Chiuso? Muitos estão ocupados tentando sobreviver neste contexto tumultuado pela surrealidade da política rasteira que nada tem a ver com os interesses das pessoas comuns da rua.

  4. Radicalismo total! Boiada petista X boiada bozonarista. Como fazer para sobreviver sem participar dessas boiadas? Qualquer comentário e lá vem chifrada!! Ser toureiro não é fácil!! Olé!!!

  5. Quando a realidade é muito dura, o ser humano busca a esperança se agarrando ao sonho, seja ele qual for. Aquele que nunca acreditou em uma ilusão, que atire a primeira pedra.

  6. Fantástica a clareza da argumentação como m que Chiuso expõe a imbecilidade tanto da esquerda quanto da direita fanáticas. Emulam ambas o comportamento dos seguidores de Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos.

  7. Ninguem é fanatizado, ninguem está la por religião como afirma este fulano que não se deu ao trabalho de comparecer as manifestações para ouvir o que pensam os que ainda insistem em uma saida para a falta de legitimidade no resultado das urnas. Como participante não admito ter um presidente e uma corja de ladrões tomando o dinheiro que pago de impostos, ou alguem tem duvida ?

  8. Tu tá todo errado meu fie o culpado disto tudo é um tal de Zeus que por sugestão do diabo nomeou até dois sinistros pruma tal suprema corte pensando que os caras eram gente e quebrou a cara, amigo véi pr'este chiqueiro só tem um jeito um incêndio incomensurável e fatal numa terça feira de madrugada que queime todo o galinheiro do planalto central e por descarrego pegar as cinzas e jogar na Argentina prá dar sorte.

  9. Articulado mas equivocado. Fundamenta com a propriedade de um tarólogo. A propósito, quando diz “protagonimo do judiciário” mediante um irresponsável eufemismo imoral, se vê que o autor é parte, e aquiesce a larga ruptura imposta tiranicamente pelo judiciário.

    1. Deve ser mel + ciano, uma nova cor

    2. Bozo foi um lixo de presidente que enganou sua manada bovina de imbecis e só governou para si e sua família. Lula fará o mesmo. E a manada de zumbis bovinos continuará idolatrando esses falsos prefetas políticos ardilosos.

    3. Há pessoas que não consegue se colocar fora do cenário, mesmo que esteja óbvio como a descrição do entrevistado, precisam justificar as suas posições como um torcedor de futebol que está com seu time para o que der e vier. É a síndrome do torcedor.

    4. Marco Aurélio foi certeiro. Texto caricato como literatura de Cordel (equivalendo avariáveis determinantes com as associadas ) pra descrever essa Mixordia do declínio final da moral trans institucional e midiatica do atrazo político latinoamericano!

    5. Marco Aurélio , nos estamos na situação q estamos porque Bolsonaro q nunca foi afeito ao trabalho, se comportou com um meliciano , espalhando todos os dias q ele detinha a força em suas mãos ,sendo assim colheria os frutos q quisesse apena com ameaças , se deu mal e agora temos q aguentar.

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