AlexandreSoares Silva

Onde só há silêncio, só há acertos

09.12.22

Pessoas falando umas com as outras. A esquerda em pânico.

Por favor, senhor policial, tem umas pessoas conversando naquela esquina. Eu passei por perto e ouvi eles falando umas mentiras. Eram mentiiiiiras! Mentiiiiiiiras!…

Obrigado, cidadão, já daremos um jeito nisso.

A polícia mangueirando um grupo de velhos que conversavam na frente de uma banca de jornal. Sob o impulso do jato da mangueira, velhos deslizam pela calçada, suas dentaduras escorrendo para os bueiros.

Vão para casa, cidadãos! E se informem em fontes seguras, sempre!

Minha bolsa de colostomia!

Núria, pega a bolsa do seu Cláudio aí perto da roda do Monza…

Nos últimos anos grupos perigosos de pessoas conversando entre si se espalharam pelo país. Estão em todas as esquinas, em todos os pontos de táxi, em todos os clubes de bocha. São fascistas? São mentirosos? São o meu tio Armando dono de gráfica de imprimir cartões de visita e convites de casamento? Um senhorzinho bacana, de peito de pomba e gestos enérgicos para a sua idade? Ele quer conversar com os seus amigos. Convenhamos que é sinistro. Conversar o quê? Veja o jornal na tevê, apenas, tio, em silêncio, comendo salgadinho de camarão.

As professoras da USP não gostam. Articulistas de jornais articulam suspeitosos. Algo tem que ser feito. A comunicação humana é o princípio do erro. Onde só há silêncio, só há acertos, só há razão, só há ciência, só há iluminismo, só há Robespierre.

E se cortarmos as cordas vocais de todas as pessoas que não são professores e jornalistas credenciados? É uma ideia. Mas as pessoas ainda usariam os dedos para se comunicar freneticamente nos seus celulares fora de controle.

Um jornalista que era conservador quatro anos atrás berra na tevê:

Gente, eles estão conversando entre eles! E falam mentiras deslavadas!

As assim chamadas fake news, Bertoloni?

Precisamente, Albertoni! Precisamente!

Caras de preocupados. Algo tem que ser feito, algo tem que ser feito. É uma convenção internacional que algo precisa ser feito, neste momento, urgentemente, contra a possibilidade de comunicação humana não-credenciada.

Mark Ruffalo, uma espécie de Marcos Palmeira americano que não produz queijo minas frescal nem de nenhum outro tipo, e portanto não me é de utilidade nenhuma, disse no Twitter, sobre o Twitter:

“Como uma espécie de “praça pública” mundial, este aplicativo devia ser pesadamente regulado para evitar fake news e spam feito por interesses hostis. Se o Elon não consegue fazer isso com a sua “empresa”, ela deveria sofrer supervisão governamental, como algo de interesse público. Esse sistema, sem regulação, vai ser mortal.”

Sim, Mark Ruffalo, não podemos deixar as pessoas conversando na praça Sílvio Romero no Tatuapé sem supervisão governamental de espécie alguma. Acho que isso está bastante claro pra todo mundo. Aparelhos de escuta, policiais e agentes infiltrados usando a camisa da seleção têm que ser colocados em cada praça. É perto das barraquinhas de churros que a subversão mora.

Vocês devem ter acompanhado o pânico causado pela movimentação de Elon Musk em direção à liberdade de expressão no Twitter. Alguns textos da New Yorker dos últimos dias:

“Por que saí do Twitter de Elon Musk”

“Argumentos para sair do Twitter de Elon Musk”

“O Twitter já está um inferno”

Alguns textos do New York Times dos últimos dias:

“Como se preparar para a vida depois do Twitter”

“O Twitter de Elon Musk balança no abismo”

Gizmodo:

“Seis alternativas ao Twitter, caso a rede saia do ar”

Enquanto isso o Twitter continua como sempre, exceto por dois detalhes: um, o problema da pornografia infantil está sendo resolvido com um estalar de dedos de Elon Musk, depois de anos de uma suposta impossibilidade técnica de fazer isso; dois, alguns perfis de amigos meus e de pessoas interessantes de modo geral voltaram à ativa depois de anos de bloqueio. Eis o que eles temiam, a New Yorker, o New York Times, a Folha etc: umas pessoas voltaram a poder escrever bilhetinhos virtuais pra outras pessoas.

O senhor Sulu de Jornada nas Estrelas, por exemplo, tuíta angustiado que está vendo umas mensagens no Twitter com as quais não concorda.

Tudo bem, senhor Sulu. Relaxe. Não é preciso concordar com todas as partes envolvidas em todas as conversas do mundo. É o que se chama uma conversa: a dança de duas ou três ou quatro ideias diferentes.

Não é preciso concordar, aliás, nem com os pensamentos que aparecem na sua própria cabeça. Eu leio os meus próprios tweets e às vezes e não concordo com nada.

Isso já fez com que eu pensasse em chamar a polícia para me monitorar. Mas, no final, fiquei com preguiça de fazer a chamada anônima me denunciando. Melhor conviver com os meus próprios pensamentos conflitantes, como convivo com os dos outros.

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  1. Sensacional Alexandre! "Não é preciso concordar, aliás, nem com os pensamentos que aparecem na sua própria cabeça" Muito, muito bom!

  2. Simplesmente sensacional! Tanto que, se for colocado no Twitter, vai rapidinho pro Index Librorum Prohibitorum da turma moderninha que só "quer defender a democracia"

  3. Coluna irretocável. Agora estamos no aguardo do envio, pelo governo molusco, do projeto de lei de implantação da vigilância chinesa nas redes aqui no Brasil. É só questão de tempo.

  4. As palavras de Niemöller estão mais vivas do que nunca. Quando bater na bunda deles, talvez seja tarde…”primeiro vieram buscar os comunistas.. não me preocupei, pois não sou comunista..Depois vieram e levaram os social democratas.. não me preocupei, não sou social democrata..depois os judeus, não me preocupei pois não sou judeu.. quando vieram me buscar, não havia mais para quem reclamar..”

  5. A própria natureza é fake: uma cobra não venenosa que adota a aparência das venenosas, a infinidade de animais camuflados, etc... Na filosofia, a dialética reconhece que não há verdades a priori, daí o eterno debate entre tese e antítese, que pode ou não convergir para uma conclusão (síntese). Qualquer censura prévia traz em si a violência, supondo existir uma verdade absoluta. Fiquemos com Voltaire:"Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-lo".

  6. Perfeito! Pena não poder compartilhar com o Alexandre de Morais. Acho que faria um bem enorme ao estrelismo dele. Quem sabe baixasse a bola…

  7. A prepotência afeta as pessoas, principalmente quando chegam ao poder. Se não gosto do texto, simplesmente não leio. É péssima a ideia de algum controle de conteúdo das mídias sociais

  8. Alexandre, cirúrgico, como sempre. Que lucidez! Precisamos mais de crônicas como esta toda semana. É o primeiro que procuro quando abro a Crusoé e sempre fico com medo de não encontrar mais, diante da debandada geral dos pensadores da revista. Precisamos deste Alexandre, o Soares Silva, todas as semanas.

  9. É genial! só tenho uma reclamação que faço a cada duas semanas: o artigo tem que ser semanal! é imprescindível, é tão necessário quanto o ar que respiramos neste Brasil varonil .

  10. É!!! Se o Bolsonaro tivesse ficado em silêncio antes das eleições, COM CERTEZA ele teria sido eleito e não precisaria ficar em silêncio agora!!! Espero que suas lágrimas sejam mais sinceras quando for pra CADEIA!!!

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