‘Boa parte dos bolsonaristas já está procurando o PT’

Ex-jornalista esportivo, Jorge Kajuru, do Podemos, é um senador que diz abertamente o que pensa e não se encerra no calculismo político. No início do ano passado, ele se meteu em encrencas ao divulgar a gravação de uma conversa com Jair Bolsonaro. Na fita, o presidente lhe recomendava expandir o objetivo da CPI da Covid, para incluir na investigação os governadores e o seu principal desafeto no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes. Em outubro daquele mesmo ano, em entrevista a Crusoé, Kajuru disse que o senador Eduardo Gomes (MDB), líder do governo no Congresso, tinha lhe oferecido 100 milhões de reais em emendas para votar com o governo. Kajuru diz ter recusado o dinheiro por ser contra o Orçamento Secreto. “O Bolsonaro está copiando o Lula em várias ações. Até na questão da corrupção eles se assemelham, dizendo que não sabem”, disse ele para a revista.

Na segunda, 7, dia em que foi anunciada a escalação da seleção brasileira, Kajuru voltou a conversar com Crusoé. Esperançoso com a equipe montada por Tite, ele também comentou as negociações entre o PT e membros do Centrão. “O problema é que se Jesus Cristo for eleito presidente, ele vai ter que negociar com o Centrão. Senão ele não vai ter maioria na Câmara. Essa é a realidade. Existe o corrupto porque existe o corruptor”, disse ele. Segundo o senador, até mesmo alguns bolsonaristas estão se dispondo a sentar com os petistas. “E isso inclui até bolsonarista doente”, afirma Kajuru que, por sua vez, atendeu aos pedidos do baiano Jacques Wagner, seu amigo, para conversas. “Eu falei que ele pode contar comigo, evidentemente. Só que eu vou continuar crítico.” Segue a conversa.

O que o sr. acha da PEC da Transição, que pede 200 bilhões de reais para cumprir promessas de campanha de Lula?
Em primeiro lugar, isso terá de passar pelo governo Bolsonaro. Mas ele não quer cumprir com nada disso para deixar um pepino na mão do Lula. Não vejo esse governo de transição com boa vontade e com responsabilidade. Agora, Bolsonaro deveria se espelhar no Fernando Henrique Cardoso, que deu um exemplo ao fazer a transição para Lula, em 2002. Mas isso já é querer demais dele.

Essa verba de 200 bilhões de reais é necessária?
Parte dela, sim. Sobre a questão do auxílio emergencial, não há o que discutir. E o governo do Bolsonaro ficou quatro anos sem reajustar o salário mínimo. Enquanto isso, gastou dinheiro com o Orçamento Secreto, comprando o voto de deputados e senadores. Foram bilhões e bilhões para evitar impeachment, para anular investigações de familiares, para aprovar a PEC dos Precatórios. Gastou-se uma fortuna.

O Orçamento Secreto deve ser abolido?
Totalmente. Fui rigorosamente contra isso na Comissão Mista de Orçamento. Eu entrei com uma emenda para acabar com a prática. Subi na tribuna para defender o meu ponto de vista. Sou rigorosamente contra usar o dinheiro da saúde, da educação, na compra voto. É um montante que a gente nem sabe quem pegou, quanto pegou. No meu estado, Goiás, os senadores levaram 100 milhões por ano. Eles declararam isso em entrevistas. Espalharam como se fosse uma coisa maravilhosa. Eu não aceitei, embora o líder do governo no Congresso, o governador do Tocantins, Eduardo Gomes, tenha oferecido a mim algo entre  100 milhões e 150 milhões de reais para ficar ao lado do governo (essa denúncia foi feita a Crusoé em outubro de 2021).

O sr., que já foi jornalista, viu que após a eleição de Lula alguns veículos trocaram o termo “Orçamento Secreto” por “emendas de relator”?
O Brasil tem muito mau jornalista. O nome disso é Orçamento Secreto. Não tem nada de relator, isso só complica a interpretação da sociedade brasileira. Temos que falar a verdade: é compra de voto. Igual ao mensalão. A diferença é que é muito mais bilhão. Só isso.

Os petistas estão negociando com diversos partidos do Centrão para ampliar a base de apoio no Congresso. O que o sr. acha disso? É um jogo limpo?
Isso é jogo sujo, evidentemente. Agora, o problema é que se Jesus Cristo for eleito presidente, ele vai ter que negociar com o Centrão. Senão, ele não vai ter maioria na Câmara. Essa é a realidade. Existe o corrupto porque existe o corruptor. É inevitável essa negociação. O certo seria a gente viver em um país onde não houvesse deputado corrupto, nem partido que se vende. Por isso o meu sonho é a gente ter só dois partidos, que nem nos Estados Unidos: democratas e republicanos. Enquanto tiver esse monte de partido e de picaretas, todo governo vai ter que negociar. Eu estou tranquilo e de cabeça erguida, até porque ninguém tem coragem de fazer proposta para mim. Quando tem, sabe o que eu vou responder, e eu conto para todo mundo.

Reprodução“Legado, o Bolsonaro? Tá brincando?”

Ano passado o sr. pediu o impeachment do Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal. O sr. ainda acha que ele deve ser impedido?
Hoje, não acho. O governo Bolsonaro perdeu a oportunidade de fazer isso. Eu pedi isso com um abaixo-assinado com 3 milhões de assinaturas. Mas como nem o governo, nem o presidente do Senado quiseram, agora ficou difícil. Neste momento, se você for minimamente honesto, tem que reconhecer que o Alexandre de Moraes fez belíssimo trabalho à frente do Tribunal Superior Eleitoral. Isso é inquestionável. Para pedir o impeachment dele agora não há mais argumentos.

Mas, e os episódios de censura promovidos pelo TSE sob o comando de Moraes?
Eu estava falando do trabalho dele em relação aos candidatos à Presidência. Mas se quiser falar das decisões dele em relação à imprensa, evidentemente eu não concordei. Sou contra qualquer tipo de censura, até porque eu já fui vítima dela. Eu tive a minha rádio, em Goiás, cassada em 2002. Então é evidente que, em relação à imprensa, o ministro Alexandre de Moraes cometeu erros e exageros. Para mim, a melhor maneira de lidar com a imprensa é o seguinte: não gostou, entra na Justiça, processa o jornalista, pede o direito de resposta e acabou. É isso.

Há o risco de a censura crescer nos próximos anos? O que pode ser feito?
Isso precisará ser coibido e fiscalizado por nós, aqui no Congresso. Não podemos aceitar censura de forma alguma. A liberdade de imprensa é o pilar de qualquer democracia. Se um ministro do STF e do TSE continuar atacando a liberdade de imprensa, então a gente precisa voltar a pedir impeachment.

Como será a relação entre Lula e o STF a partir de janeiro?
O Lula é muito habilidoso. Não se pode negar que ele conversa com todo mundo, com Deus e com o Diabo. Para que seu governo tenha sucesso, ele vai falar com qualquer um. Você acha que ele vai querer briga com o Supremo Tribunal Federal? Ele vai ter maioria absoluta lá e, no ano que vem, vai escolher mais dois ministros. A habilidade que faltou ao Bolsonaro de dialogar, sua agressividade, seu ódio… o Lula não tem essas coisas.

O sr. também vai conversar com o Lula ou pretende ficar na oposição?
Eu não sou oposição, nem ao Bolsonaro. Só virei um crítico do presidente na pandemia. Ele foi um irresponsável, um moleque, com aquelas brincadeiras. Eu sou um homem de posição. Converso com qualquer um. No caso do Lula, não tenho nenhuma dificuldade de falar com ele. Já estou conversando com um ex-ministro dele, Jacques Wagner, que é meu amigo. Domingo ele me telefonou perguntando se eu estaria junto neste começo de governo para ajustar a economia, criar empregos, reduzir a fome. Eu falei que ele pode contar comigo, evidentemente. Só que eu vou continuar crítico. Sou brasileiro, quero ver o meu país melhor. Como vou ignorar o Lula e dizer que não vou conversar com ele? Se fizesse isso, estaria traindo a minha pátria.

Qual legado o sr. acha que Bolsonaro vai deixar ao Brasil após quatro anos de governo?
Legado, o Bolsonaro? Tá brincando? Só se for o legado do ódio, do desrespeito à ciência, à cultura, às artes, à educação. Um homem com esse currículo, o que ele pode deixar?

Seu mandato dura até 2027. Vai tentar a reeleição?
Nesse ano eu terei 77 de idade. Sou diabético, tenho problemas de visão. A  saúde e a população de Goiás que determinarão a minha decisão.

O sr. chegou a ver a escalação da seleção brasileira?
Foi bom que convocaram o Pedro (Flamengo). Seria uma injustiça ele não ser convocado.

Em 2002, a seleção foi campeã e depois o Lula venceu a eleição. Este ano, já temos o petista eleito. O Brasil vai erguer a taça?
Para mim, vai. O Brasil tem o melhor time, que é mais completo do que aquele de 2002, do Penta, com Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Cafu e Roberto Carlos. Ofensivamente, eu acho o time atual melhor. Defensivamente, também acho superior. O Neymar tem tudo para ser o Romário de 94 nesta Copa. Estou muito confiante.