ReproduçãoLula com Marina Silva: ministra que saiu em 2008 após pressão por licenciamentos mais céleres está de volta

Sobre a terra arrasada

Lula encontrará um bom clima na COP27 — mas ainda terá de trabalhar muito para achar um caminho entre preservação e desenvolvimento
11.11.22

Lula pousará na próxima semana em Sharm el-Sheik, no Egito, para participar da 27ª Conferência das Partes da ONU para as Mudanças Climáticas, a COP27. Sua presença, na prática, será como uma posse antecipada, pois o petista ocupará o lugar vago deixado pelo presidente Jair Bolsonaro, reunindo-se com vários líderes mundiais. Como o plano de Lula é ficar dois dias na cidade, serão poucos os resultados concretos de suas reuniões, mas sua decisão de realizar a primeira viagem internacional como presidente eleito para um evento sobre meio ambiente e clima já emite um sinal claro de que essas questões terão um papel central no próximo governo.

No Egito, o futuro presidente buscará convencer a plateia de que o seu governo estará comprometido com a preservação do meio ambiente e com a redução das emissões dos gases de efeito estufa. De volta ao Brasil, Lula terá de se articular com diversos grupos de interesse, como os do agronegócio, da mineração em larga escala, da indústria energética, dos governadores, dos prefeitos, dos indígenas e dos ambientalistas — os quais foram tratados de maneiras desiguais em seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010.

Quando Lula iniciou seu primeiro mandato, ele vendia no exterior a imagem de que o Brasil promovia um desenvolvimento sustentável, com fontes de energia limpas e um agronegócio responsável. Internamente, ele e outros petistas entravam em batalhas constantes com os ambientalistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. A demora em aprovar o licenciamento de grandes obras era vista como um entrave ao crescimento. O presidente queria avançar com a construção de usinas hidrelétricas de seu Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, e chegou a se revoltar com os relatórios do Ibama que temiam problemas para a reprodução dos peixes. “Agora não pode (construir) por causa do bagre. Jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?”, disse Lula. O então presidente também via o agronegócio e a mineração industrial como importantes para gerar renda e empregos. “O Lula compartilhava da visão desenvolvimentista do PT, de que a mineração era boa para trazer divisas ao país”, diz Maurício Angelo, fundador do Observatório da Mineração.

ReproduçãoReproduçãoCOP27 no Egito terá “posse antecipada” de Lula
Apesar da grita dos que pediam atenção aos peixes e às populações indígenas, Lula viabilizou as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, e de Belo Monte, no rio Xingu. Outras usinas que estavam previstas no PAC, com a de Marabá, no rio Tocantins, e São Luís, no Tapajós, não saíram do papel. As pressões para que os licenciamentos ocorressem de maneira rápida partiram principalmente de Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia e depois chefe da Casa Civil. Os embates internos foram muitos até que, desgastada com os atritos frequentes, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, preferiu deixar o governo em 2008.

Outra característica que marcou os dois primeiros mandatos de Lula foi o desmatamento. Em seus primeiros anos, Lula foi surpreendido pelo avanço de pecuaristas e plantadores de soja sobre a floresta. A devastação ganhou as manchetes dos jornais e levou políticos, organizações civis e órgãos de imprensa a cobrar uma ação do governo. De início, Lula reagia de maneira parecida com Bolsonaro, colocando em dúvida os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Chegou até a pedir à Polícia Federal e aos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura para fazerem uma avaliação para “tirar dúvida” sobre os dados divulgados. Em seguida, o governo começou a se mexer aumentando a fiscalização e equipando órgãos como o Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Funcionou. No último ano de seu segundo mandato, o desmatamento já tinha caído 75% em relação ao pico de 2004.

O Lula que fez campanha este ano é diferente tanto na questão do desmatamento como na do desenvolvimento. Ao ver o cenário de terra arrasada deixado por Bolsonaro, o petista entendeu que colheria mais votos colocando-se do lado oposto. O presidente eleito promete “lutar pelo desmatamento zero da Amazônia”. A diferença do momento atual para o de 2003 é que, desta vez, as árvores não estão sendo derrubadas por plantadores de soja ou pecuaristas. Para ampliar a produção de alimentos do país, não é necessário avançar sobre a floresta. O desmatamento está sendo realizado por pessoas e empresas ligadas ao crime organizado, o qual tem se expandido na Amazônia nos últimos anos. É por isso que Lula prometeu, em seu discurso da vitória, combater atividades ilegais como garimpo, mineração, extração de madeira e grilagem. “O desafio é fazer com que uma política de desenvolvimento sem destruição se sobreponha à ilegalidade que domina a Amazônia hoje”, diz Adriana Ramos, assessora política e jurídica do Instituto Socioambiental, ISA. “É preciso retirar os invasores ilegais das áreas protegidas e terras indígenas.”

Uma atuação decisiva nessa área, aliás, é apoiada por grande parte do agronegócio. Além de conter as atividades ilegais, seus líderes esperam que a volta de Lula possa amainar as barreiras que outros países pretendem levantar contra produtos brasileiros. Uma proposta aprovada em setembro pelo Parlamento Europeu proíbe a entrada em seu mercado de commodities de áreas desmatadas. O texto ainda precisa ser sancionado pelos 27 países da União Europeia. “A agricultura já está sendo afetada pela imagem ruim do meio ambiente que o Brasil no exterior. A União Europeia colocou essa questão muito forte na mesa, e não está disposta a flexibilizar muito”, diz o diretor-executivo da ONG Amigos da Terra, Mauro Armelin. Nesta COP27, no Egito, fala-se em um acordo para impedir a compra de soja de áreas desmatadas do Cerrado brasileiro a partir de janeiro de 2025. Para empresas exportadoras, Lula é a esperança de reverter essas represálias.

PTPTLula lança o PAC em 2007: “Jogaram o bagre no colo do presidente”
O petista terá de se esforçar muito mais para conquistar a simpatia de outras áreas do agronegócio. A proximidade entre Lula e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, fez com que fazendeiros votassem em massa em Jair Bolsonaro. O campo também e não engoliu estúpida declaração que os produtores rurais são “fascistas“. Nas últimas semanas, Lula tem tentado desfazer o mal estar e estabelecer pontes com o agro. Uma maneira de ele se redimir seria encarnar o garoto-propaganda do agronegócio na COP27. Um discurso desastrado, contudo, pode redobrar a oposição a ele em sua volta ao Brasil. O agro tem hoje força considerável no Congresso.

A Frente Parlamentar Agropecuária, que hoje conta com 241 deputados e 39 senadores, quer liberar a produção agrícola em terras indígenas. Outros grupos querem permitir a mineração nessas áreas. Projetos que aguardam aprovação no Congresso, como o PL 191 e o PL 490, do marco temporal, avançam nesse sentido. O Lula de 2022 tem ido no sentido oposto, pregando em favor dos direitos dos indígenas. Ele até mesmo prometeu criar o Ministério dos Povos Originários, que terá de dividir as atribuições com a Fundação Nacional do Índio, a Funai. O anúncio levou algumas organizações, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Apib, a cobrar participação nas discussões para definir a estrutura da futura pasta. Serão outras negociações complicadas pela frente.

Quanto ao desenvolvimentismo de Lula, a urgência em construir usinas hidrelétricas na Amazônia diminuiu após o envolvimento das empreiteiras em corrupção, a decepção com a baixa produtividade das usinas construídas e o barateamento de outras fontes de energia, como a eólica e a solar. A pressão de dentro do PT para que o Estado seja o indutor do crescimento econômico com grandes obras continua, mas será temperada com o retorno da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que já está em Sharm el-Sheik, ao círculo de Lula. Marina tem dito que ele mudou, que está menos desenvolvimentista e incorporou a questão climática e ambiental ao seu repertório”, diz Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

No Egito, Lula deve anunciar o novo cargo de Autoridade Nacional sobre Mudanças Climáticas, que lhe foi sugerido por Marina. É possível que a deputada eleita por São Paulo seja escolhida para ocupá-lo ou, então, que ela retorne ao posto de ministra do Meio Ambiente.

Se o presidente eleito convencer o mundo de suas boas intenções, empresas nacionais poderão mais adiante se beneficiar de uma possível regulamentação do mercado de carbono. Atualmente, uma companhia aérea, cujos aviões liberam muito desse gás na atmosfera, pode comprar créditos de carbono de outra empresa, que retira essas partículas do ar, por exemplo, plantando árvores. O crédito funciona, assim, como uma moeda, que permite essa compensação. Ao final, a empresa que neutralizou suas emissões pode declarar-se como “carbono neutra“. Em países em que há leis que regulam as emissões, como os da União Europeia, companhias que ultrapassam os limites estabelecidos são obrigadas a adquirir créditos, o que faz com que eles aumentem de valor, como qualquer moeda. No Brasil, onde não há um mercado regulado, as empresas decidem se querem ou não comprar créditos, o que faz com que o preço seja baixo. No final, é como se o carbono retirado da atmosfera pelos alemães fosse mais valioso do que o brasileiro — o que, obviamente, não faz sentido.

A coisa toda ficará mais interessante quando existir um enorme mercado global de carbono, como delineado pelo Acordo de Paris, de 2015. As negociações para tornar isso possível estão ocorrendo nas COPs. Uma parte do acordo, o artigo 6.4, permitirá que uma empresa compre créditos de outra, em outra nação. O artigo 6.2 fala que um país que não consegue conter suas emissões poderia comprar créditos de outra nação. O potencial para o Brasil, como vendedor de créditos, é enorme, desde que consiga manter a floresta de pé.

Lula é um camaleão que pode mudar de cor para agradar a novos públicos ou reconquistar velhos amigos. Equilibrar-se em meio a tantos grupos com interesses diversos para não cair da árvore não será uma tarefa fácil.

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  1. Faltou dizer que a construção de Jirau é BeloMonte foinuna agressao$ao meio ambiente e um saque do nosso dinheiro, além da reconhecida$devastação da Amazônia no seus mandatos . Interessante que a imprensa, a não ser a Crusoe nesta materia, jamais levantou essa devastação. Qto às obras de seu governo sabemos muito bem o que foi: corrupção, enriquecimento dele e de dezenas de empreiteiros. Silêncio da nossa imprensa parcial.

  2. a Europa diz que não compra produtos oriundos do desmamento, como se o Brasil dependesse somente deles. Lula antecipa a posse e diz representar o Brasil nessa COP27 no Egito pra bajular e recolocar rapidamente os europeus na negociata na questão "climática e desmatamento da Amazônia".. Vai criar ministérios e novos cargos pra manter esse "negócio" de fachada em nome do meio ambiente e sustentabilidade.. alguém tem dúvidas que o ex presidiário está voltado aos poucos a cena do crime?

    1. Lula é um picareta incorrigível. Sua viagem ao Egito, para participar da COP27, a bordo do jato Gulfstream, do empresário do setor de saúde José Seripieri Filho já antecipa como será o governo do rei das negociatas.

  3. Caso Lula mostrar que sabe se cercar de gente inteligente, sem ideologia, sem o "nóis contra eles", poderá atrair grandes redes de hotéis, construir aeroportos e estradas e ferrovias que, em vez de poluir, desmatar, atraiam turistas para conhecer a Amazõnia, sua flora e sua fauna e, o mais importante, promover o progresso das nações indígenas, permitindo que cada indígena prospere, e siga livremente seu destino. O Turismo é o maior "handicap" para promover a maravilhosa Amazônia, sem desmatar.

  4. O Brasil, merece e precisa ser gerido p gente competente. Lula precisa parar d fazer conchavos e retrucar c ódio. Para fazer 1 bom governo desta vez Lula tem q usar sua inteligência para colocar gente competente, honesta e trabalhadora em TODOS os órgãos de governo. Nada de chamar os velhos petistas que não conseguiram fazer as coisas certas por ignorância, incompetência e. corrupção. Precisamos d jovens, universitários, experientes e top na matéria q irão administrar. Precisamos dos melhores!

  5. A Amazônia legal compõe 60% do território brasileiro. Aqui as fazendas privadas, por força da lei, devem preservar 80% da sua área total. Não há nada, nem de longe, em país civilizado que tenha uma prática tão insana. Aqueles que nos acusam de destruidores de florestas nada preservam.

    1. O Brasil tem que investir não só na preservação dos biomas, mas tb melhorar a visão do agronegócio: turismo social, arborismo, tours nas áreas preservadas… melhor aproveitamento dos recursos de cada bioma sem a postura predatória que tivemos até agora. As possibilidades são infinitas. Ganharemos muito mais com a valorização de nossa cultura e diversidade do que destruindo o que está ao nosso redor. Pesquisa e inovação vão nos tirar do limbo econômico e dos canalhas de plantão.

  6. Acho muito estranho a revista não colocar nenhum matéria sobre a fala do ex-presidiário, que quebrou a bolsa e fez disparar o dólar. É preciso desenhar porque amanhã peço o cancelamento da minha assinatura? Quem viu a revista quando começou e ver hoje, extremamente parcial.

  7. Não espero muito desse molusco... Nas 2 vezes que votei nele, me traiu... A única certeza é que pior que o mentiroso, incompetente e desumano não conseguirá ser.....

  8. É tempo de se iniciar a construção de uma política civilizada, sem extremismos. Os próximos quatro anos já estão perdidos, como estariam também se o eleito fosse o outro. Ambos têm em comum o mau-caráter. O que temos é o governo que merecemos ...

  9. Hélio bicudo , juíz formado pela USP, homem de conhecimento e estudioso , fundou o PT com Lula, resumiu no final da vida! Lula é um oportunista!!!

    1. Ele vem com a tropa … que tristeza

  10. Acredito que continuaremos ter o desmatamento de sempre,mascarado como de praxe por informações falsas e fiscalizações compradas;e acredito muito pouco em desenvolvimento fomentado pelo governo federal,acredito que a luta para ter esse desenvolvimento será do empreededor,cobtra tudo e todos,apoio zero,deveres mil milhões!É do PT q estamos falando.

  11. Existem bons políticos! Ou seja, pessoas que tem a premissa do pensamento do bem público superior ao status grandeza do Poder que lhe é conferido. Outro fato: somos analisados pelo nosso passado, mas devemos incorporar nessas análises as mudanças que a experiência da vida nos promoveu. Lula é uma pessoa diferente. Mudou com a vida! Esperanço que faça diferente e melhor dessa vez. Bons políticos se destacam com grandes desafios.

    1. Lula ladrao foi solto por ladroes

    2. Lula foi condenado em 3 instancias por 20 magistrados… depois liberado por 6 duzia de juízes socios bandidos deste podre Stf FAA … voces sao bunda mole ! Sorry

    3. Pior do que o pesadelo terrível dos últimos 4 anos, não será. Pelo menos nos livramos do MONSTRO. Agora é cobrar e fiscalizar. E continuarmos nas ruas.

    4. E onde estão esses bons políticos que não se mostram nem aparecem?

    5. Um corrupto, ex-presidiario, julgado e condenado, livre por manobras obscuras de bandidos do STF, nunca terá credibilidade. Futuro sombria nos aguarda. Ter como escolha um ex-militar, ignorante e mentiroso ou um ladrão, cercado de vagabundos, não é fácil..

  12. Os autores escamoteiam os números ao dizer que o meliante em seus governos reduziu o desmatamento em 75% em relação ao pico de 2004. Precisavam acrescentar que este pico, também do governo dele, foi a maior devastação já registrada em todos os tempos: 27 milhões de km2. Para se ter uma ideia, o tão alardeado desmatamento atual é quase três vezes menor (10.781 km2 ). Pergunta inocente: essa vilegiatura mundial para a COP gerará quantas toneladas dos gases de efeito estufa que pretende reduzir?

  13. Não é possível dissociar o cuidado com a natureza, da produção e desenvolvimento. Se acabam com a vegetação das nascentes— como os plantadores de soja estão fazendo no meu estado, Minas Gerais— secam-se as águas. Sem água não há plantas e nem plantio. Por causa da ganância de alguns, todos sofreremos. MS

  14. Eu espero e desejo, do fundo do meu coração, que ele consiga, que faça um bom governo e q nosso país prospere de forma justa e sustentável.

    1. Um ladrão, cercado de corruptos, nunca fará um bom governo. Esse atual presidente, ignorante, mentiroso, cruel, também não fez e nunca fará um bom governo. Vamos jogar mais 4 anos no lixo..

    1. Concordo. Continuo com esperança de melhoras em relação ao meio ambiente e indígenas na Amazônia, entre várias outras coisas que estão analisando enquanto pensam na transição.. Lula já errou, não assumiu, mas também acho que mudou. Vou torcer para o Brasil agora andar no caminho certo. O Brasil merece.

    2. Delei, o pessimismo fala muito forte, principalmente quando relacionado ao grupo petista que até hoje não assume que errou. Mas, como bom brasileiro, espero sinceramente que você esteja errado.

  15. São outros tempos na Crusoé. Como se tivesse ocorrido uma corrida de eleitores para outras publicações, a antiga alavanca de defesa da liberdade de expressão, exercida por esta revista, minguou, quase desapareceu. A iniciativa pioneira pelo jornalismo independente de Mário Sabino e Diogo Mainardi, evaporou-se com a saída deles. Que pena. Quanto a Lula, desses novos tempos, mais uma vez, a nova Crusoé errou. Lula não é camaleônico diante da preservação ambiental. Ele permanece sendo um escorpião

  16. Com está excelente retrospectiva, com tristeza concluímos que o círculo vicioso e próprio do ser humano que não quer evoluir. Sai o trapalhão e entra o camaleão. Salve-se quem puder. 😢

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