Só para tirar logo isso da frente: jornalista é ser humano também, embora geralmente não pareça, e a profissão tem — como qualquer outra, suponho — gente venal, burra e incompetente entre aqueles que a exercem (às vezes as três coisas ao mesmo tempo, o que deveria permitir a esses craques que chutam com as quatro pedir música no Fantástico do inferno). Alguns deles são muito pouco convincentes na tentativa de fingir imparcialidade, e parece que as redações ultimamente não estão exigindo nem português intermediário.

MAS (você já sabe, leitor, que o essencial é o que vem depois do “mas”) está ficando cada vez mais cansativo esse negócio de atirar no mensageiro e transformar o jornalismo em tauba de tiro ao Álvaro, que chega ao ápice a cada vez que o Bananão promove eleições. E não como no samba de Adoniran Barbosa — “de tanto levar frechada do teu olhar” — , mas simplesmente porque não tem mais onde furar esses alvos ambulantes que são os profissionais da categoria. Do Partido da Imprensa Golpista à hashtag #Globolixo, os jornalistas são atacados não pelos erros frequentes, mas pelos acertos, que incomodam muito mais. E, quando os repórteres acertam, suas descobertas circulam por aí, magicamente, como se não tivessem sido resultado de trabalho jornalístico.

Exemplos concretos? Pois não. Já se sabe que “isso a mídia não mostra!” é uma frase que jamais, em toda a história da humanidade, foi dita por alguém que não fosse um idiota completo, daqueles que babam abundantemente na gravata: você vai checar e sempre constata que sim, a mídia mostrou — sem exceção. Outro dia, um desses JÊNHOS que a academia brasileira produz em escala industrial — e que se empenham em transmitir às futuras gerações nosso subdesenvolvimento mental  — escreveu que a diferença entre as repercussões do mensalão, do petrolão e do orçamento secreto foram Augusto Aras, a “elite econômica indiferente à corrupção” e, quem mais?, o “jornalismo brasileiro”.

Vamos deixar de lado o fato de que a elite econômica brasileira SEMPRE foi não só indiferente à corrupção — exceto a dos adversários — como praticante dela e notória por mamar nas tetas do governo da vez. Vamos também esquecer por enquanto que Aras, o engavetador-geral de Jair Bolsonaro, foi reconduzido à PGR com a plena anuência dos senadores do PT. Minha pergunta é uma só: como o sujeito em questão, ou qualquer um de nós, ficou sabendo da própria existência do orçamento secreto? Foi um passarinho que contou? Dica da tia-avó dele? Mortos entregando o esquema por psicografia? “Apuração” feita pelos mesmos débeis mentais que compartilham fake news e memes toscos pelo zap?

Claro: foi uma série de reportagens do Estadão, também um dos primeiros a revelar o Bolsolão do MEC. Os petistas das redes sociais, no entanto, preferem encher o saco dos repórteres do jornal por causa daquele editorial de 2018 sobre a “escolha difícil” (como se os repórteres tivessem algo a ver com isso, como se alguém lesse editorial); ao mesmo tempo, usam à vontade as denúncias do orçamento secreto e da corrupção no MEC como se elas tivessem surgido por geração espontânea, do nada. Os exemplos são vários, em diversos veículos: você, leitor, sabe que Flávio Bolsonaro adquiriu uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília porque O Antagonista descobriu e noticiou. Rachadinha, compra de imóveis com dinheiro vivo, a mansão da ex 02 de Jair, os cheques de Queiroz para Michelle (furo desta Crusoé), a interferência na PF, o investimento em cloroquina enquanto o governo ignorava a oferta da vacina da Pfizer: não há nada nessa lista (resumida) que não tenha sido fruto do trabalho de jornalistas.

Tudo isso para os canalhas de um lado dizerem que a imprensa é “assessoria” de Lula e os do outro afirmarem que Bolsonaro “nunca foi cobrado” por ela. Todos eles querem jogar soltos e espalhar fake news sem serem incomodados, numa campanha que já está batendo recordes de sujeira e mentiras na internet. Espero que vocês aí, que achavam o máximo a “democratização da informação” propiciada pelas redes sociais e pelo WhatsApp, deem a mão à palmatória e admitam que Umberto Eco estava absolutamente certo ao dizer que eles dão voz a uma legião de imbecis e promovem o idiota da aldeia a portador da verdade.

Não tenho nenhuma esperança de que isso mude no futuro próximo, nem no distante. Só peço a Deus que, se Ele for justo, reserve um lugarzinho muito especial no além-mundo para os jornalistas que, sabendo de tudo o que descrevi nos parágrafos acima, se comprazem em apontar o dedo para os colegas para posar de virtuosos — no mínimo, um inferno de quadro do Hieronymus Bosch.

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A GOIABICE DA SEMANA

A produção desta semana foi abundante, mas acho que a melhor é Michelle Bolsonaro num evento em que, pedindo desculpas pela falta de acessibilidade,  disse no microfone para o público: “Levanta a mão quem é surdo!”. É verdade que havia uma tradutora de Libras ao lado da primeira-dama, mas suponho que ela estivesse traduzindo para os cegos presentes. Se eu estivesse no palco, provavelmente faria como o humorista americano Emo Philips — perguntaria se alguém na plateia tem poderes telecinéticos e pediria “levanta a minha mão!”.

Reprodução/redes sociaisNão, Michelle não está fazendo o chifrinho do heavy metal; isso é fake news