ReproduçãoAo assinar sua proclamação, Charles pede para funcionário retirar uma bandeja da mesa

Charles, o impaciente

Caso o novo rei não contenha o seu ímpeto de se meter na política, ele fortalecerá o republicanismo e verá seu reinado minguar
16.09.22

Com a morte da rainha Elizabeth II, britânicos e cidadãos do mundo todo concentraram-se nos atos do novo rei para captar sua personalidade e prever como será o seu reinado. A primeira impressão foi alvissareira. Ao chegar ao Palácio de Buckingham, em Londres, Charles III desceu do carro para cumprimentar o povo. Em meio a apertos de mão, ganhou até um beijo na bochecha rosada. No sábado, 10, ele mostrou a outra face. Sentado para assinar o documento de sua proclamação, fez careta para reclamar de uma bandeja colocada à sua frente e gesticulou aflito para que um funcionário retirasse o objeto. Em outra ocasião, errou a data ao assinar um livro e esbravejou. Depois, reclamou da caneta que vazava. “Eu não suporto essa maldita coisa. Elas fazem isso toda vez”, reclamou.

As diferenças de Charles com sua mãe são claras. Primeiro, não há registro de ela ter repreendido algum funcionário na frente do público. Segundo, Elizabeth reduzia o contato corporal ao mínimo possível, seguindo o protocolo de que as realezas não devem ser tocadas — a menos que elas tomem a iniciativa. Foi dessa maneira que Elizabeth reinou por sete décadas, sendo um exemplo de monarca discreta e educada. Com Charles pode não ser igual. Suas características, como a impaciência e o anseio por se aproximar da população, poderão ter um impacto imprevisível em seu reinado.

Dentro do Reino Unido, Charles começou com um repique em sua aprovação popular. Como ele foi o representante da população neste momento de luto, a porcentagem que acha que ele fará um bom trabalho subiu de 35% para 63%. Segundo o instituto Yougov, três em cada quatro acreditam que ele tem sido um bom líder para a nação na forma como reagiu à morte de sua mãe.

ReproduçãoReproduçãoRainha lê cartas de súditos: discreta
Mas o desempenho da monarquia britânica nas pesquisas de opinião das últimas décadas tem sido declinante. Em dez anos, o apoio à monarquia caiu de 80% para 60%. Essa fatia ainda pode cair mais, porque a aprovação tem sido maior entre os mais velhos. Entre os jovens entre 18 e 24 anos, há hoje um empate entre os que prefeririam uma república e os que gostam da realeza. “No atual momento, o apoio ao republicanismo é baixo dentro do Reino Unido, onde só entre 20% e 25% preferem uma república. Mas isso deve mudar ao longo da próxima década”, diz o cientista político inglês Peter Harris, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos.

A situação é mais periclitante nos outros 14 membros do Commonwealth, uma associação voluntária de países que tem os soberanos britânicos como seus chefes de Estado. Desde que Elizabeth foi coroada, em 1953, o número de países que a consideravam como chefe de Estado caiu de 32 para os atuais 15. No ano passado, a ilha de Barbados, no Caribe, tornou-se a nação mais recente a cortar os laços com a rainha, tornando-se uma república parlamentar. Charles, então na condição de príncipe, participou da cerimônia. A Jamaica está a caminho de se tornar uma república. Do outro lado do mundo, na Austrália, o Partido Trabalhista estuda fazer um plebiscito sobre o tema.

Em alguns casos, ainda que boa parte da população queira viver em uma república, sem reis e rainhas, uma quebra de relação com Londres não deverá ocorrer por entraves legais. “De acordo com a Constituição do Canadá, seria necessário o apoio das duas câmaras do Parlamento e de cada uma das dez províncias para eliminar a realeza”, diz o cientista político Daniel Béland, da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá. “Por causa disso, nenhum partido federal defende sua abolição e o Canadá não deverá se desfazer da monarquia por um bom tempo.”

ReproduçãoReproduçãoCharles faz vigília à frente do corpo de Elizabeth
Além de registrar uma subida no apoio ao rei, a pesquisa do Yougov constatou que 53% dos britânicos consideram que Charles deveria se expressar sobre os temas com os quais se importa, enquanto 30% são contra. É esse um dos pontos mais sensíveis, que mais poderia insuflar o republicanismo. Por ser uma autoridade que não foi eleita, o rei não deve interferir na política, permanecendo sempre neutro. Ele não tem qualquer influência, seja na política doméstica ou na externa. Elizabeth cumpriu muito bem o seu papel, a ponto de ninguém saber o que ela pensava sobre as manchetes dos jornais. Os discursos que ela lia na abertura anual dos trabalhos do Parlamento, na companhia de Charles, nunca foram escritos por ela, e sim pelo primeiro-ministro da vez.

O histórico de Charles mostra alguém que nunca se contentou em ser apenas decorativo. Ele já deu diversas declarações sobre assuntos fora de sua alçada, principalmente sobre meio ambiente. Em 2020, afirmou que as maiores ameaças à humanidade eram o aquecimento global, a mudança climática e a perda da biodiversidade. “Para que serve toda a riqueza extra do mundo, obtida com os negócios de sempre, se não poderemos fazer nada com ela, exceto vê-la queimar em condições catastróficas?”, perguntou. Dois anos depois, na COP26, ele defendeu uma “campanha em estilo militar” para realizar uma transição verde para salvar o mundo. Apesar de politicamente corretas, essas posições não agradam a todos, especialmente os que temem perder empregos em setores que poluem ou que acham que o dinheiro público pode ser investido em outras áreas.

Se Charles tentar agradar os ambientalistas, também há motivos para acreditar que ele poderia incomodá-los, pois já defendeu a caça à raposa. Não há escapatória. Em um mundo onde qualquer um pode ser cancelado ao falar de qualquer assunto, o rei poderia tropeçar com facilidade. Ele também já disse ser a favor da arquitetura em “escala humana” e já pediu o envio de mais equipamentos para os soldados britânicos que estavam no Iraque.

Muitas dessas opiniões Charles expôs em cartas que enviou a diversos ministros britânicos, de 2009 a 2015. Os documentos, divulgados pelo jornal The Guardian, foram considerados como intromissões indevidas do herdeiro do trono no governo. Ao ser questionado se voltaria a se meter onde não é chamado após se tornar rei, ele respondeu: “Eu não sou tão estúpido”. De fato, caso não resista à tentação, seu reinado seria bem mais tumultuado que o de sua mãe. “Ele terá que evitar interferência política a todo custo. Se não fizer isso, irá deslegitimar a monarquia e desencadear uma grande crise constitucional”, diz o canadense Daniel Béland. “Os monarcas britânicos modernos devem ficar fora da política e Charles não tem escolha a não ser obedecer.”

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  1. No papel de referência moral de uma nação, a Monarquia até faria sentido, caso não custasse tanto aos cofres públicos ...

  2. Charles, assim como seu tio-avô, parece não ter o perfil ideal… Apesar de, originalmente, não fazer parte da linha sucessória - pois seu pai não era pra se tornar o rei - a Rainha Elisabeth II cumpriu exemplarmente o seu papel !

  3. A impaciência do rei Charles III pode ser motivada pelo momento de muito cansaço, tristeza pela morte da mãe, muita responsabilidade, obrigações que não esperam por ninguém. Quanto ao episódio da bandeja, se verificarmos bem, se ela não fosse retirada, não haveria espaço suficiente para colocar o livro e o braço para escrever. É um ser humano , que também é rei.

  4. Não vi qualquer problema na questão da caneta e tinteiros à sua frente, o protocolo errou, pois dificultava sua assinatura; achei o Charles III mais visivelmente humano do que uma entidade. Seria difícil de qualquer maneira suceder a Rainha e ele tem tudo para dar certo.

    1. Concordo com você! Não houve nada demais em sua atitude! Muito mimimi!

    1. O importante nao é o Nome que se de a forma de governo. O importante e o resultado. Como vive a plebe na monarquía e como vivem em outros sistemas.

    2. Pode ser para o senhor, mas não para britânicos, suecos, dinamarqueses, belgas, noruegueses, espanhóis e pelo menos mais 10 no Oriente Médio !

    3. Ué Avelar por que mesmo? não é aqui no paraíso da dedocracia que impera um rei ladrão que por nomear asseclas para um poder que se comporta como maior o moderador a tutelar o Estado e se portar "ipso facto" curador de um povo idiotizado tão ignorante dividido triste e ridículo algoz de si mesmo em indevassáveis urnas cantadas em prosa e verso pelo donos da vontade da suprema idiotice popular de onde emana o poder maior? maior só mesmo a cauda arriada e a insana esquizofrenia .. póbi Braziu!

    4. Não é não, ele pode destituir o primeiro ministro. Portanto, ultracorruptos, ditadoretes e demagogos como os nossos não sobreviveriam com essa faca no pescoço.

  5. O xadrez político da monarquia britânica é algo complicado, se o monarca da vez não cumprir, à risca, os cânones que a Realeza . Charles III que se cuide!!

  6. Tem mais sentido a Inglaterra sustentar uma monarquia que só dá despesa. Mandem o Charles e demais dá família ganhar a vida com trabalho.

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