André Bueno/CMSPSenival Moura, líder do PT na Câmara de Vereadores de São Paulo: bom trânsito com a cúpula do partido e suspeita de envolvimento com o PCC

Precisamos falar sobre o PCC

Inquéritos sigilosos mostram como a facção criminosa se aproximou de integrantes do PT e avançou perigosamente sobre a política. É fundamental que o assunto seja debatido e esclarecido na campanha eleitoral
08.07.22

Há um mês, a Polícia Civil de São Paulo cumpriu mandado de busca e apreensão na casa de Senival Moura, líder do PT na Câmara de Vereadores de São Paulo. Ele seria preso na operação, mas a Justiça negou o pedido da polícia, que o investiga por lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC) e envolvimento no assassinato do empresário Adauto Soares Jorge, presidente da cooperativa Transunião Transportes. A empresa, que teria controle compartilhado entre o vereador petista e a organização criminosa, possui contrato de 100 milhões de reais por ano com a Prefeitura de SP, para prestar serviços na Zona Leste da capital paulista. No inquérito, ao qual Crusoé teve acesso, o delegado Vagner Alves da Cunha relata que a investigação do assassinato enveredou pela política a partir da colaboração espontânea de uma fonte ligada à vítima. Segundo o depoente, identificado apenas como “Guilherme” e cuja identidade real é mantida em sigilo absoluto, Senival seria “figura central” do esquema do PCC no transporte público alternativo em SP. Suas campanhas eleitorais, desde 2002, teriam sido bancadas pelo crime organizado.

De acordo com o colaborador, apesar de ser figura conhecida entre perueiros e “diretamente responsável” por intermediar a legalização da atividade junto à gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2005), Senival precisou de volumosos recursos financeiros para entrar na política. “O crime organizado foi seu primeiro financiador, oportunidade em que dois criminosos alcunhados como ‘Cunta’, já falecido, e ‘Alexandre Gordo’, que está preso há muitos anos, encarregaram-se da tomada de recursos.” Em seu relatório, o delegado identifica “Cunta” como o assaltante Ricardo Pereira dos Santos, morto em 2012 durante uma tentativa cinematográfica de roubo à transportadora de valores Protege, em SP. “Alexandre Gordo” seria o sequestrador Alexandre Ferreira Viana, preso desde 2005. “Como contrapartida ao financiamento, (Senival) criou um modelo de lavagem de dinheiro que permitiu aos criminosos ocultar os valores obtidos a partir da prática de crimes nas cooperativas de transporte regulamentadas.”

Trecho do inquérito que aponta a relação de Senival com o PCC
O colaborador, que parece conhecer por dentro o esquema, disse à Polícia que os alvarás de funcionamento das vans e os veículos em si eram comprados com dinheiro em espécie, de origem criminosa, e cadastrados em nome de “laranjas”, que ocupavam funções de motoristas e cobradores. “O rendimento era encaminhado posteriormente para os familiares dos criminosos e serviam para custear o estilo de vida confortável (…) Senival sempre esteve à frente da cooperativa de peruas, instaladas há muitos anos no bairro do Itaim Paulista (…) as pessoas que o sucederam no comando da cooperativa e, depois, da empresa, foram seus laranjas (…) Adauto era, sim, mais um dos laranjas”, diz Guilherme. A execução do empresário Adauto Soares Jorge teria sido determinada pelo PCC após suspeita de desvios de recursos do esquema. “Descobriu-se que Adauto estava desviando dinheiro da empresa para subsidiar uma espécie de caixa dois para as eleições de 2020, oportunidade em que Senival Moura seria diretamente privilegiado, já que tais valores seriam empregados em sua campanha à reeleição.”

A Polícia Civil afirma ainda que o ‘tribunal do crime’ do PCC sentenciou Adauto e Senival à morte, mas o vereador conseguiu obter o perdão sob a promessa de encomendar o assassinato do empresário e abrir mão de sua participação na Transunião. Antes do assassinato, o grupo criminoso teria nomeado novos diretores para o comando da empresa, um deles chamado Leonel Moreira Martins, integrante do PCC envolvido no assalto ao Banco Central em Fortaleza, em 2005, e também na fuga de 87 criminosos do Carandiru, em 2003. Os investigadores cruzaram as informações fornecidas pelo colaborador com dados extraídos do celular do empresário morto. Imagens das câmeras do estacionamento onde Adauto foi executado apontaram a participação de seu motorista, que manteve contato telefônico com o vereador petista durante o crime, segundo registros de chamadas obtidos junto às operadoras.

Segundo a polícia, o PCC descobriu que dinheiro de seu esquema estava sendo desviado
O IRMÃO TAMBÉM

Questionado sobre a investigação, o gabinete do vereador optou por não se manifestar. Logo após a operação, Senival foi à tribuna da Câmara para se defender. Disse que se afastou da Transunião em fevereiro de 2020 e já não teria qualquer relação com a empresa, muito menos com o crime. “Operamos com a Transunião até o dia 4 de fevereiro de 2020. No dia 5 teria uma assembleia da empresa, e eu e o Adauto Soares Jorge fomos recomendados a não participar. Quando recebi isso, achei melhor ir embora. Nós criamos essa empresa, mas me desliguei. Há muito comentário, conversa fiada e nada de apresentar os fatos reais.” À exceção de uma nota lacônica em que afirma confiar na inocência de Senival, o PT também tem mantido silêncio sobre o caso. O vereador não foi destituído da liderança do partido na Câmara e nenhum processo disciplinar foi aberto para avaliar sua conduta, apesar do histórico relacionado ao PCC. Em 2014, por exemplo, ele entrou na investigação que fisgou seu irmão, o ex-deputado estadual Luiz Moura, flagrado por policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) durante reunião na sede de uma outra cooperativa, a Transcooper, também supostamente associada à facção criminosa. Na ocasião, os investigadores apuravam a onda de ataques incendiários a ônibus em São Paulo. No local do encontro, havia 18 membros regulares da facção criminosa e outros 26 com alguma passagem pela polícia. Moura só não foi levado para a delegacia porque se apresentou como parlamentar.

Os dois irmãos eram até então tratados com absoluta deferência pela cúpula do PT, o que se atribuía externamente à influência junto aos perueiros. O primeiro grão-petista a se dar conta do poder de fogo eleitoral da dupla foi Arlindo Chinaglia, que se beneficiou de votações expressivas nos currais eleitorais dos Moura. O segundo foi Jilmar Tatto, que chegou à Câmara dos Deputados com apoio da turma do transporte alternativo e virou secretário dos Transportes na gestão de Fernando Haddad (2013-2017). Quando a investigação sobre os ataques incendiários a ônibus veio à tona na pré-campanha de 2014, Tatto disse que sua relação com Luiz Moura era institucional. Mas, nas eleições de 2010, ele injetou 200 mil reais para eleger o líder dos perueiros. Não foi o único. Marta Suplicy pôs mais 30 mil reais. Também o ajudaram financeiramente Aloizio Mercadante, José Genoíno, João Paulo Cunha, Devanir Ribeiro, Cândido Vaccarezza, Carlos Zarattini e o próprio Chinaglia. Todos, naturalmente, alegaram desconhecer a ligação do parlamentar com o PCC, mas Luiz Moura, antes mesmo de se filiar ao PT, já ostentava uma ficha criminal com condenação de 12 anos de cadeia por assalto a mão armada — pena que acabou perdoada em 2005.

A partir da esq., Luiz e Senival Moura e o deputado federal Alexandre Padilha
RISCO DE CPI

Três semanas antes da operação contra Senival, em 9 de junho, Jilmar Tatto foi removido da coordenação da campanha de Lula, sob a justificativa de que passaria a se dedicar à eleição de Haddad ao governo estadual. Nos bastidores, o PT tenta evitar a instalação, na Câmara de Vereadores de São Paulo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o transporte alternativo de passageiros. Outra frente, apoiada pelo bolsonarismo, tenta abrir uma investigação na Câmara dos Deputados, em Brasília. Na segunda-feira, dia 4, o tucano Carlos Sampaio protocolou requerimento para instalação de uma CPI para apurar denúncias feitas à PF pelo ex-publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão, reveladas pela revista Veja na semana passada. Sampaio disse que começaria a recolher assinaturas dos líderes explicando a “gravidade da situação”. Ele se refere à delação de Marcos Valério, firmada há 5 anos com a Polícia Federal no âmbito da Lava Jato. Nos vídeos dos depoimentos, só agora conhecidos, Valério diz que Celso Daniel, prefeito de Santo André assassinado em 2002, havia produzido um dossiê detalhando quem estava sendo financiado de forma ilegal pelo crime organizado. “Ninguém achou esse dossiê mais”, afirmou o ex-publicitário. Além de condenado no mensalão a quase 40 anos de prisão, Valério foi alcançado em 2017 na investigação sobre o empréstimo ilegal de 12 milhões de reais obtido pelo pecuarista José Carlos Bumlai junto ao Banco Schahin, para atender ao PT. Metade do valor foi repassado ao empresário dos transportes Ronan Maria Pinto, que, segundo Valério, teria chantageado Lula para não contar detalhes de um esquema de arrecadação ilegal de recursos para financiar petistas, por meio de empresas de ônibus, lixo, transporte pirata e bingos.

As investigações da Lava Jato se limitaram ao crime de lavagem de dinheiro, pelo qual Ronan acabou condenado a cinco anos de prisão. Os autos do inquérito da Operação Carbono 14 (27.ª fase da Lava Jato), porém, são fartos de indícios que podem corroborar as declarações de Valério. O Antagonista revelou, ainda em 2015, que o Banco Schahin havia concedido 24 empréstimos irregulares, incluído o de Bumlai, num total superior a 300 milhões de reais. Entre os devedores, nunca cobrados, estavam justamente empresas de coleta de lixo e transporte público que já se beneficiaram de milionários contratos com gestões petistas em vários municípios paulistas, inclusive na capital, a partir da gestão de Marta Suplicy. Na lista, também havia empresas identificadas pela Receita como veículos para remessa de dólares ao exterior. Duas delas integrariam a rede da doleira Nelma Kodama, condenada no Petrolão e que foi presa em Portugal, em abril passado, na Operação Descobrimento, acusada de integrar esquema internacional de tráfico de drogas do PCC. Nelma é velha conhecida dos escândalos do PT, tendo sido citada na CPI dos Bingos e até nas investigações de corrupção na gestão Celso Daniel — na ocasião, ela mantinha uma casa de câmbio em Santo André. O Banco Schahin, antes de quebrar por causa daqueles empréstimos fraudulentos, foi vendido ao BMG, o mesmo que emprestou milhões ao PT via Marcos Valério, como revelaram as investigações do mensalão.

CONTADOR PREMIADO

Se as declarações do ex-publicitário à PF, que petistas chamam de requentadas, não forem suficientes para a abertura da CPI, o caso de Senival Moura tende a reavivar o debate. Mas o que a cúpula do PT teme mesmo é o avanço de outra investigação deflagrada recentemente contra João Muniz Leite, contador de Lula e também suspeito de lavar dinheiro para o Primeiro Comando da Capital. Uma semana após a operação contra Senival, o Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) pediu à Justiça o sequestro de bens de Muniz Leite e de sua mulher, que, segundo as investigações, ganharam 55 vezes em loterias federais somente em 2021. Em uma das vezes, ele dividiu um prêmio de 40 milhões de reais da Mega Sena com o traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, de quem também era contador. Principal fornecedor de drogas do PCC, o traficante foi morto em dezembro passado, num caso rumoroso envolvendo a lavagem de até 2 bilhões de reais em criptomoedas. Os policiais desconfiam que o dinheiro da loteria foi usado por Cara Preta para comprar, além de imóveis e veículos de luxo, uma empresa de transporte paulista, a UPBus, em parceria com outros cinco integrantes do PCC e 18 de seus familiares.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisJoão Muniz Lima: contador de Lula e suspeito de lavar dinheiro para o PCC
A tese de que o contador Muniz Leite atuaria apenas como “laranja” do líder do PCC é reforçada por uma recente ação de cobrança contra ele, em cujas contas a Justiça paulista nada encontrou. Segundo o delegado Fernando Santiago, do Denarc, ele abriu, a mando de Cara Preta, várias empresas de fachada, usadas para ocultar a origem dos recursos ilícitos. Na operação contra Muniz Leite, Cara Preta e outros criminosos, foram apreendidos vários ônibus da UPBus, que, assim como a Transunião e a Transcooper, mantém contrato (600 milhões de reais) com a Prefeitura de São Paulo. As três empresas supostamente controladas pelo PCC (UPBus, Transunião e Transcooper/Pêssego Transportes) fazem parte do grupo de 14 cooperativas que tiveram seus contratos renovados pela Prefeitura em 2017, de forma emergencial. A contratação se deu por atraso no lançamento da nova licitação, desde que o edital elaborado na gestão Haddad/Tatto foi suspenso por decisão judicial, devido a uma série de impropriedades. 

Curiosamente, o contador de Cara Preta também foi responsável por abrir empresas de Roberto Teixeira, compadre e advogado de Lula, e dos filhos do ex-presidente.  Os mais recentes CNPJs de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, e sua esposa Renata foram providenciados por ele, responsável também pelas declarações anuais de IR do petista há mais de 15 anos. Como profissional autônomo, Muniz Leite pode ter diversos clientes e estes não têm como saber de eventual envolvimento do contador com alguém do mundo do crime. Mas causa surpresa que Lula tenha mantido o profissional, mesmo após sua exposição na Lava Jato. Muniz Leite foi acusado pelo MPF no Paraná de forjar recibos de aluguel para justificar o uso, pelo ex-presidente, de um apartamento contíguo ao seu em São Bernardo do Campo, registrado em nome de Glaucos da Costa Marques, primo do mesmo Bumlai envolvido no repasse a Ronan Maria Pinto. O enredo fica ainda mais complexo quando se descobre que o contador também integrou o quadro societário de uma empresa de Cláudio Rocha Júnior, um dos integrantes da quadrilha de Nelma Kodama que foi preso em abril, em Portugal. De acordo com a Polícia Federal, Rocha Júnior integraria o primeiro escalão do esquema de tráfico internacional e lavagem de dinheiro comandado pelo PCC na América do Sul, na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália. Ele seria um dos donos da carga de quase 600 kg de cocaína apreendida na fuselagem de um jato fretado em Cascais, Portugal. Outra coincidência é que uma segunda empresa de Rocha Júnior, citada na Lava Jato, teve como sócios o próprio Glaucos Costa Marques e o advogado Fábio Haruo Tsukamoto, sócio de Luís Cláudio Lula da Silva, outro filho de Lula.

Coaf: contador de Lula nas movimentações financeiras de ‘Cara Preta’, do PCC
Todos esses elementos podem fazer parte apenas de um grande emaranhado de coincidências, mas é fundamental que tudo seja debatido e esclarecido na campanha eleitoral deste ano, especialmente pela chapa Lula-Geraldo Alckmin. O combate ao PCC foi durante anos uma das principais bandeiras da gestão do ex-tucano, que, em 2006, chegou a insinuar uma conexão entre a facção criminosa e o PT. O que o vice do petista diria agora?

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