"Trump colocou um bode na sala ao aplicar a Magnitsky", diz cientista político
Enrique Natalino afirma que a retirada das sanções fortalece Lula e reflete o uso por Trump como peça de barganha comercial
Os Estados Unidos removeram nesta sexta, 12, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e sua esposa Viviane Barci de Moraes lista de sanções.
Para Enrique Natalino, cientista político e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Trump "colocou um bode na sala" ao aplicar a Magnitsky contra Moraes.
A medida, segundo ele, foi usada como instrumento pelo republicano para obter vantagens comerciais.
"A retirada dela não é algo gratuito, cujos termos não conhecemos ainda. Mas eu creio que se dá em um contexto mais amplo. O Brasil pode ter colocado à mesa o comércio de terras raras, o controle das big techs.", afirma.
Ele destaca também o êxito para a diplomacia brasileira com a revogação da punição econômica.
Leia a entrevista:
Qual foi o custo político para Trump ao revogar a Magnitsky?
É uma prerrogativa do presidente. Não passa pelo Congresso, pela Suprema Corte. Ela tem uma conotação política, é claro que é uma interpretação de uma lei. No governo Obama, tivemos violadores de direitos humanos que foram sancionados. No governo Trump, outros.
Nós, juristas, achamos a aplicação extremamente exagerada naquele momento. Mas, como é prerrogativa do presidente dos Estados Unidos, ele não estava inventando nada.
No momento em que há um processo de negociação entre Brasil e Estados Unidos, nesse contexto das negociações das tarifas, há uma posição em que o Brasil coloca à mesa a necessidade da revogação. Ela viola o princípio da autonomia da soberania, do Estado Democrático de Direito. O Brasil não aceita sanções unilaterais, apenas da ONU, multilateralmente. A aplicação foi algo que violou para a soberania brasileira, mas foi inócua do ponto de vista prático.
Essa reversão pode ser considerada uma vitória para Lula?
Já que Lula estava nesse processo de retomada de diálogo com Trump, desde a ONU e as ligações telefônicas, eu creio que isso é um êxito da diplomacia brasileira e do presidente. Houve uma gestão do presidente Lula e uma tentativa de convencimento.
Para o governo brasileiro, é um trunfo. É um êxito. Não se dão apenas por critérios políticos, mas uma negociação mais ampla do ponto de vista comercial.
O Brasil pode ter colocado à mesa o comércio de terras raras, o controle das big techs... Na prática, creio que Trump colocou um bode na sala ao aplicar a Magnitsky. A retirada dela não é algo gratuito, cujos termos não conhecemos ainda. Mas eu creio que se dá em um contexto mais amplo.
O senhor acredita que Trump devolverá os vistos às autoridades brasileiras?
Isso caminha para uma normalização. Não há mais um ambiente político contaminado por essa dissonância entre os dois governos. Era uma questão política, mas vem se dissolvendo ao longo do tempo. Na prática, isso cria um obstáculo de uma normalização no momento em que o governo Trump passa por dificuldades inflacionárias.
Creio que Trump tem uma agenda para o Brasil de construção de consenso. Como negociador experiente, ele saberá usar isso como trunfo, já que sua diplomacia depende muito das suas decisões pessoais. Ele não delega muito.
A retirada da Magnitsky faz parte de uma estratégia dos EUA para reduzir a influência da China na região?
Sim. Já houve uso desses recursos para exercer pressão sobre Panamá, Venezuela, Dinamarca sobre Groelândia. Pode fazer parte de exercer seu papel do que Trump chama de área de influência. De retomar a influência dos Estados Unidos na América Latina. Nem que custe confrontação com outras superpotências. O desejo de controlar portos, bases militares, o Canal do Panamá... Tudo isso faz parte de estratégia de retomar o poder.
Nos últimos quarenta anos, os Estados Unidos exerceram uma espécie de uma negligência benigna na América Latina, deixaram a área ser explorada por outros interesses. Principalmente aos países como México, Brasil e os EUA estavam mais focados no Oriente Médio e Ásia.
A China se aproveitou do momento da sua influência, fortalecendo os laços com Brasil e Argentina. Creio que sim, na visão de Trump a China é um problema.
Em troca, o governo Trump pode ter solicitado apoio do Brasil para lidar com Maduro na Venezuela?
Esse tema é uma preocupação do governo brasileiro. O tema é central para o Brasil, mas não tem poder para mobilizar opinião pública, chefe de Estado e nada para confrontar os Estados Unidos. Antes, o Brasil já teve um papel de mediação. Isso não acontece mais, pois temos uma dissonância muito grande.
Vejo que Lula não quer criar atritos com os Estados Unidos no momento em que precisa retirar as tarifas e retomar uma negociação. Acredito que Lula não quer estar mais próximo do chavismo, ele recebeu Maduro em 2023 com tapetes vermelhos. Mas não reconhece o último governo e cria um obstáculo.
Para o Brasil, a situação é muito delicada em ver o vizinho, que é membro suspenso do Mercosul, nesse cenário. O país precisa ser muito comedido no tom que usará já que o governo Trump tem o desejo de exercer um poder hegemônico sobre o Hemisfério Ocidental. E todos os meios são utilizáveis.
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