Sim, presidente, há fome no Brasil - e ela está mais perto do que o senhor imagina
“Dá dor de cabeça, dor na barriga, tonteira, desânimo, vontade de desmaiar. A fome é muito triste, moço. É dolorida.” A afirmação é de Ana Maria Paiva dos Santos, 39 anos, que mora em uma barraca de lona nos arredores do Palácio do Planalto, a sede do governo, onde na manhã desta sexta-feira, 19, o...
“Dá dor de cabeça, dor na barriga, tonteira, desânimo, vontade de desmaiar. A fome é muito triste, moço. É dolorida.” A afirmação é de Ana Maria Paiva dos Santos, 39 anos, que mora em uma barraca de lona nos arredores do Palácio do Planalto, a sede do governo, onde na manhã desta sexta-feira, 19, o presidente Jair Bolsonaro disse a jornalistas que “passar fome no Brasil é uma grande mentira”.
Ana Maria é uma das dezenas de moradores de rua que passam seus dias perto, muito perto, da Praça dos Três Poderes e vivem de pedir comida e de revirar lixo.
“Muitas pessoas passam fome aqui. Passam muita necessidade. Como ele (Bolsonaro) fala que não tem fome, meu filho? Eu não vejo televisão, não sei ler nem escrever, mas muita gente passa fome no Brasil”, diz ela. Ana Maria mora sob uma estrutura de lona preta esticada sobre pedaços de pau à beira de uma avenida larga de onde é possível enxergar as torres do Congresso e os prédios enfileirados que abrigam os ministérios.
Ela está ali há anos, com um filho e três netos (na foto acima, um deles posa de máscara, a alguns metros da barraca). Todos dormem sobre pedaços de espuma amarela. Grande parte da comida que consomem vem dos prédios que abrigam o poder. Todos os dias, no começo da tarde, ela e outros tantos moradores de rua costumam aguardar os restos que são jogados no lixo por lanchonetes e restaurantes frequentados pelos funcionários do governo.
O lixo preferido, diz ela, é o do prédio que abriga o Comando da Marinha. “Às vezes a gente encontra até prato e garfo lá.” A água também vem das torneiras próximas aos ministérios, mas ultimamente tem faltado. Ana Maria afirma que, justamente para evitar o vai e vem dos moradores de rua por perto, vários dos prédios públicos daquele pedaço de Brasília passaram a cortar a água das torneiras que ficam do lado de fora.
Nesta sexta-feira, na hora do almoço, quando Crusoé circulou por ali e conversou com os moradores, o almoço para uma das famílias se resumia a uma panela de feijão. No café da manhã, eles haviam comido alguns pães velhos que foram doados na véspera por alguém que passou. Em meia hora, dois carros pararam perto da barraca para deixar comida e roupas usadas para a família de Ana Maria.
As doações, aliás, são a razão da permanência da família por ali. Não fosse isso, teriam de encarar a fome que Bolsonaro disse não existir no país. “As pessoas deixam leite, biscoito, fralda, coberta. Mas tem muita gente que tem medo e nojo da gente também", queixa-se Eduarda Silveira, de 42 anos, moradora de um conjunto de barracas montadas sobre o gramado verde de outra área próxima da Esplanada dos Ministérios, do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
“Fome não existe para ele que é rico e tem tudo do bom e do melhor. A realidade nossa é outra”, diz Eduarda, baiana de Barreiras. Pior que sentir fome, diz ela, é ouvir os filhos dizerem que estão com fome – ou pedirem carne quando não tem. “Essa é a pior parte. Ver as crianças pedindo comida e não ter o que dar”, lamenta, ao lado de três sobrinhos com idades entre três e nove anos. Eduarda tem quatro filhos, todos menores. E todos vivem por ali, nas barracas.
Não muito longe está outra família, essa de migrantes pernambucanos. É provavelmente a que vive mais perto do Palácio do Planalto: 500 metros, mais ou menos. O grupo montou seu barraco sob uma mangueira, em um amplo terreno entre a Embaixada da Romênia e a Procuradoria Geral da Justiça Militar, um dos mais novos prédios públicos daquela parte da cidade. Ali, dizem, estão mais protegidos das constantes batidas da temida Agefis, a agência de fiscalização do governo do Distrito Federal.
O cenário lembra o de uma pequena favela. Há cinzas de fogueiras que são acesas tanto para espantar o frio – as madrugadas de Brasília são frias nesta época do ano – quanto para aquecer a comida que catam e ganham. Uma cachorra, Chola, vive amarrada por uma corda ao tronco da árvore. É ela quem alerta o grupo sobre a aproximação de estranhos, especialmente à noite. No barraco mais próximo, também de lona preta, dormem três pessoas. A luta para comer é diária.
“Se não correr atrás, a gente passa fome”, diz Rosimeire da Silva Batista, de 53 anos. Na manhã desta sexta-feira, ela preparava em um balde restos de carne que conseguira na véspera pelos lixos da Esplanada. “Aqui a gente come a hora que der e o que tiver. Não tem horário de almoço e jantar.”
Nem Rosimeire e seus familiares tinham ouvido falar ainda da declaração de Bolsonaro. Quando souberam, todos riram, sem disfarçar o desapontamento. “Para ele não existe fome, né!? Ele tá de boa lá...”, ironizou Alcenor Pereira Damasceno, 65 anos, encostado na “cozinha” da barraca. A “despensa” é uma tábua torta sobre o qual colocam as doações e os restos coletados nas andanças de todo dia.
Já era início da tarde quando Bolsonaro tentou corrigir, em outra declaração pública, o que dissera pela manhã. "Olha, o brasileiro come mal. (É) Um país aqui que a gente não sabe por que pequena parte passa fome e outros passam mal ainda", afirmou. Indagado se estava recuando do que afirmara horas antes, o presidente chiou: "Ah, pelo amor de Deus, se for para entrar em detalhe, em filigrana, eu vou embora. Eu não tô vendo nenhum magro aqui, tá certo? Temos problema alimentar no Brasil? Temos, não é culpa minha, vem de trás, estamos tentando resolver."
Ana Maria, Eduarda, Rosimeire e Alcenor, com seus filhos, sobrinhos e netos, estão há décadas, entra governo e sai governo, esperando dias melhores. Eles em Brasília, bem perto do centro do poder, e outros milhões pelo país afora. Pelas contas de agências da ONU, no ano passado nada menos que 5 milhões de brasileiros estavam subnutridos. Sim, presidente, há fome no Brasil. Para ver, basta olhar lá fora.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
NELMA
2019-07-23 19:25:56Muito triste a realidade dessas pessoas.O que os políticos e o governo pode fazer por eles e não faz? Por que com tanta falta de colocam tantos filhos no mundo para perpetuar essa miséria?A realidade deles está tão próxima ao poder será que não pode haver um programa que possa tirá-los dessa situação dando-lhes alguma formação e trabalho?Um lugar para morar com decência?
Zilma
2019-07-22 11:50:55Enquanto o Rodrigo Maia em seu discurso ao final do Primeiro Round da votação da Reforma da previdência da Câmara declarou-se preocupado porque "..,para cada idoso em condições de pobreza abaixo.da miseria " existem 05(cinco) crianças. o Presidente declara hoje que não existe fome. Qual Presidente, afinal, está faltando com a verdade???!
José
2019-07-22 10:09:45Como assim? O pt e sua organização criminosa comunista, chefiada pelos bandidos lula e fhc não acabaram com a pobreza no Brasil? Será que esses salafrários enganaram você também? O Bolsonaro fez todos os esquerdopatas dizerem o que todos os cidadãos minimamente conscientes sabem a muito tempo, eles aumentaram assustadoramente a pobreza no Brasil e para consertar levará décadas.
Lourival
2019-07-21 23:47:39Por não acreditar mais no PT, votei com o Bolsonaro, mas diante de tantas besteiras deixei também de acreditar no Capitão. Tenho 74 anos, não vou fazer biometria, não voto MAIS.
André
2019-07-21 18:39:34E vai continuar tendo fome por muitos anos mais, enquanto elegerem bandidos para todos os cargos e ficarem de braços cruzados esperando po Deus. Vão passar fome mesmo.
LUCIANO
2019-07-21 18:34:25Não sei quantos de vocês tiveram oportunidade de ver Bolsonaro ajudar um catador de lixo levando na cabeça o fardo. Assim, o que o Bolsonaro quiz dizer era que ele sabe que existem 15 milhões registrados porque procuram empregos, e mais 15 milhões vivendo na informalidade, informalidade essa inclusive como a que vocês relataram. #bolsonarotacerto. Eu fiz de graça, babacas.
José
2019-07-21 17:42:12mas nao foi bolsonaro quem colocou o Brasil nesta situação diga para o povo isto. muitos estão nesta situação por culpa deles mesmos. Drogas preguiça etc . Bolsonaro não vai sair por aí como lula falando da pobreza do Brasil pra depois se gloriar.
João Ribas
2019-07-21 13:11:26Eu fico besta quando vejo uma reportagem igual a esta , onde esta o SERVIÇO SOCIAL, onde se esconde esta politica de miséria " vamos parar de demagogia o Brasil esta assim desde os primórdios " passaram governos e mais governos e nem um resolveu este problema, o PT desfalcou tanto o País de cabo a rabo , se pararem de postar este tipo de reportagem vão para as estrada e vão ver Barracos famílias de sem terras e vocês acham que eles passam fome?
ANTENOR
2019-07-20 22:36:19Então.. Em nenhum momento vejo os famintos procurando trabalho.. E também, nunca li reportagem dizendo o que essas pessoas fazem para mudar dessa vida. Sempre estão em áreas centrais e vivem de pedir?? Cadê as pessoas se oferecendo pra limpar calçada, pintar parede, lavar louça, aprender algum serviço? Conheço muitas pessoas que ofereceram serviço aos famintos que agora nem pedem mais quando os veem... Estranho!
Rodrigo
2019-07-20 20:44:30O analfabetismo eh grande e mais relevante porque afeta uma parcela muito maior da população. 5m de subnutridos são 2.5% da população. Dentro disto, espera-se que a minoria esteja passando fome, ou seja, menos de 1%. Estatisticamente pode-se dizer que eh pouco relevante. Eh lógico que eh um tema importante porque são seres humanos dificuldade extrema que devem ser ajudados de alguma maneira (inclusive entendendo as raizes) mas não se pode, por histeria geral, descaracterizar a discussão.