Reprodução/redes sociaisBolsonaro exibe caixas de cloroquina: discurso sobre a pandemia em linha com o colega americano

Mudança de protocolo da cloroquina trará insegurança jurídica para médicos

18.05.20 19:52

A mudança do protocolo do Ministério da Saúde para flexibilizar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com coronavírus, prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (foto) para os próximos dias, gera apreensão entre médicos. A maioria dos profissionais e de representantes de sociedades médicas avalia que ainda é precoce a recomendação de uso dos medicamentos para tratar a Covid-19, já que estudos recentes apontaram a falta de eficácia das substâncias.

A determinação do Planalto, entretanto, é para a alteração do protocolo, que hoje preconiza o uso da cloroquina no Sistema Único de Saúde apenas para pacientes graves e hospitalizados. Bolsonaro quer ampliar as possibilidades de prescrição para casos leves. Desde a semana passada, o presidente tem prometido alterar as diretrizes da política pública do SUS.

Os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, conhecidos no meio médico como PCDTs, são documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico de uma doença e definem o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados. O protocolo trata das posologias recomendadas para cada substância, dos mecanismos de controle clínico e da verificação dos resultados terapêuticos. Pelas regras do SUS, os documentos “devem ser baseados em evidência científica e considerar critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas”.

As principais entidades médicas brasileiras apontam que não há evidência científica para a recomendação da cloroquina e da hidroxicloroquina. A Sociedade Brasileira de Infectologia, por exemplo, manifesta “preocupação que um tratamento experimental possa trazer mais danos do que benefícios para o paciente”.

A definição de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para o Sistema Único de Saúde não obriga o médico a seguir as terapias indicadas pelo Ministério da Saúde. Mas, para o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Eder Gatti, a fixação de diretrizes em desacordo com evidências científicas vai gerar insegurança para a atuação dos profissionais da saúde.

“A Covid é uma doença muito nova, a gente tem aprendido a tratá-la no dia a dia, a partir de novas publicações que vão saindo. A definição de um protocolo tem caráter de recomendação e não significa que haverá penalidade para quem descumpri-lo. Mas é claro que isso vai gerar insegurança. O protocolo é um documento técnico que pode ser usado como fonte para eventuais questionamentos da atuação do médico”, diz Eder. “Outra consequência é que, com o protocolo, o governo terá que comprar e fornecer os medicamentos na rede”, acrescenta.

“Pessoalmente, eu não prescreveria a cloroquina. A gente não tem evidências cientificas de que funciona. Para pacientes graves, a gente já percebeu que não traz benefícios”, acrescenta Eder. Para o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, o mais importante neste momento seria investir na compra de testes. “O governo subestima a doença e, com isso, estamos trabalhando com uma quantidade insuficiente de exames”, acrescenta.

Nesta segunda-feira, 18, a Sociedade Brasileira de Imunologia também divulgou nota técnica para recomendar “fortemente” que sejam aguardados os resultados de estudos randomizados em andamento. “Baseada nas evidências atuais que avaliaram a utilização da hidroxicloroquina para a terapêutica da Covid-19, a Sociedade Brasileira de Imunologia conclui que ainda é precoce a recomendação de uso deste medicamento, visto que diferentes estudos mostram não haver benefícios para os pacientes que utilizaram hidroxicloroquina. Além disto, trata-se de um medicamento com efeitos adversos graves que devem ser levados em consideração”, diz a entidade médica.

No dia 23 de abril, o Conselho Federal de Medicina divulgou parecer que estabeleceu critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina a pacientes com Covid-19. A entidade autoriza os médicos a prescreverem o medicamento desde a aparição de sintomas leves. Mas, em todos os contextos, os profissionais ficam obrigados a explicar ao doente que não existe, até o momento, nenhuma comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina.

A mudança no protocolo do Sistema Único de Saúde para flexibilizar o uso dessas substâncias como política pública foi a causa da saída de Nelson Teich do ministério, na semana passada. O oncologista defendeu que o governo deveria seguir as evidências científicas e argumentou que os estudos mais recentes apontam a ineficácia da hidroxicloroquina. Mas o presidente Jair Bolsonaro transformou o remédio em uma bandeira e, diante da resistência de Teich, demitiu o ministro. O secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, assumiu interinamente a gestão.

Cruosé questionou o Ministério da Saúde como será feito o trabalho de elaboração do protocolo de tratamento da Covid-19, se serão realizadas audiências públicas e se o trabalho contará com o apoio de um comitê de especialistas, como orienta a pasta na definição de diretrizes terapêuticas, mas não teve retorno.

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