20.09.2024 Assinar
Crônica

O judicialismo como rebaixamento da política 

Em vez de trabalhar com o Congresso para fazer política pública, governo fez dobradinha com Flávio Dino, do STF

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Leonardo Barreto
5 minutos de leitura 20.09.2024 01:00 comentários 0
Flávio Dino e Lula: governo tutelado pelo Judiciário - Foto: Adriano Machado/ O Antagonista

Quando Flávio Dino foi indicado para ocupar uma cadeira no STF, não achei que aquele fosse um movimento natural. Explico. Lula é o que se chama de um “líder mangueira”, em uma referência à árvore que, de tão frondosa, não deixa nada crescer embaixo. Traduzindo, o líder petista não é de promover pessoas que possam concorrer com ele por brilho e atenção. 

À época, partidários petistas diziam que levar Dino para o STF era uma forma de retirá-lo da corrida sucessória. Mas já naquela época esse argumento fazia pouco sentido, porque Dino não estava sendo enviado para uma embaixada no exterior, mas para o centro do picadeiro político de Brasília. 

Considerando o papel central do Judiciário no mais amplo leque de decisões políticas, quem disse que um ministro não pode aspirar a disputar a Presidência da República? Lembrando que tanto Nelson Jobim como Joaquim Barbosa já frequentaram o rol dos presidenciáveis, com esse último chegando a ter 10% das intenções de voto. 

Continuando minhas investigações sobre as razões de Lula na escolha de Dino, conversei com um advogado membro do famoso grupo Prerrogativas, com grande ascendência sobre o governo atualmente.

Ele explicou que Lula queria um político que fizesse frente ao poder e à gestão política que Gilmar Mendes faz do corpo de ministros. O presidente estaria, portanto, buscando um reequilíbrio político do STF. 

Será? Gilmar Mendes não milita na oposição e teve articulação importante na reabilitação eleitoral e política de Lula. Além disso, o excesso de independência de Dino, causa de estranheza, continua presente como fator que não se encaixa no perfil de nomeações que o presidente costuma fazer. 

A interferência de Dino na sistemática da distribuição das emendas parlamentares e na questão das queimadas jogou mais lenha nessa fogueira. A saber, o ministro paralisou a execução de despesas ordenadas pelo Congresso até que se ache um balanço mais favorável ao Executivo e ordenou a retirada de gastos para o combate de incêndios. 

Se, no primeiro caso, pode-se argumentar que se trata de um impasse institucional, no qual o STF tenta fazer alguma arbitragem, pode-se admitir que faz parte do jogo. No segundo, no entanto, há uma novidade.

Utilizando-se de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF, ajuizada pela Rede contra Jair Bolsonaro em 2020, para obrigar o então presidente a apresentar um plano de combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, Dino fez política pública, criando crédito extraordinário, tirando despesa da meta fiscal e obrigando recrutamento e ação do governo.

Foi noticiado em Brasília que a ação de Dino foi vista como uma concorrência em relação ao Planalto, uma espécie de crítica velada à incapacidade de gerir esta crise. Além disso, estranhou-se que Lula não tenha pedido esse crédito extraordinário ao Congresso, que não teria problema nenhum em ceder o dinheiro como aconteceu no caso das enchentes no Rio Grande do Sul.

Meu primeiro impulso foi interpretar esses movimentos como uma disposição de Dino fazer um jogo próprio, buscando protagonismo e se colocando, por que não, como uma alternativa na sucessão de Lula em 2026 ou em 2030. No entanto, o envolvimento da Advocacia-Geral da União, AGU, em todo o processo indica uma parceria entre o presidente e o ministro. 

Talvez a maneira correta de ler esse episódio é permanecer na superfície. O Planalto preferiu contar com o STF a trabalhar com o Congresso para fazer política pública. Mais uma vez, criou um fato consumado – tirar uma despesa da meta – para só depois ir buscar uma foto com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Assim, o Judiciário vai esticando a corda e se aprofundando em decisões típicas de governo, vai ganhando know how e normalizando o papel de tomar decisões sem passar pelo controle popular representado pelo parlamento. 

Joga-se luz, portanto, sobre o papel que Lula atribuiu a Dino. Consolida-se um modelo político no qual os poderes são tutelados pelo Judiciário – que recebe uma missão muito maior que qualquer outra inicialmente pensada.

Joguem fora toda a conversa que vira e mexe ministros plantam na imprensa sobre autocontenção. A ordem é avançar num desenho de judicialismo – que sequer é de coalizão – que joga crescentemente as principais decisões do país nas mãos de pouquíssimas pessoas e rebaixa a política. 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

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