Leia os principais trechos do depoimento de Sergio Moro
Nas dez páginas do depoimento que prestou à Polícia Federal no sábado, 2, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro não apenas reiterou como detalhou as pressões exercidas pelo presidente Jair Bolsonaro para promover mudanças em cargos estratégicos da Polícia Federal. Moro também mencionou, como prova do que disse ao anunciar sua saída do governo, mensagens...
Nas dez páginas do depoimento que prestou à Polícia Federal no sábado, 2, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro não apenas reiterou como detalhou as pressões exercidas pelo presidente Jair Bolsonaro para promover mudanças em cargos estratégicos da Polícia Federal. Moro também mencionou, como prova do que disse ao anunciar sua saída do governo, mensagens ainda inéditas enviadas a ele por Bolsonaro. Uma delas, disse, trata de um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal.
Segundo o ex-juiz, as tentativas de interferência na PF começaram em agosto do ano passado e já incluíam a mudança do superintendente do Rio e a demissão do então diretor-geral Maurício Valeixo, que acabou exonerado na semana passada e virou o estopim para a saída de Moro do governo.
O ex-ministro diz que em janeiro deste ano foi avisado novamente por Bolsonaro de sua intenção de demitir Valeixo e guindar o delegado e diretor da Abin, Alexandre Ramagem, de quem é próximo, ao comando da PF.
Moro conta que em março deste ano, quando estava em Washington, em missão oficial, recebeu uma mensagem de celular do presidente na qual ele teria afirmado expressamente que "queria" a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. "Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'", relatou o ex-ministro no depoimento. A PF tem superintendências em cada um dos 26 estados e no Distrito Federal.
O depoimento de Moro foi enviado pela PF na tarde de segunda-feira, 4, ao gabinete do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, e juntado ao inquérito aberto pelo decano da corte a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. A defesa de Moro chegou a solicitar nesta terça-feira, 5, ao STF que o depoimento fosse tornado público "com intuito de evitar interpretações dissociadas de todo o contexto das declarações e garantindo o direito constitucional de informação integral dos fatos relevantes".
Abaixo, os principais trechos:
Pressão por Alexandre Ramagem no comando da PF
O ex-ministro Sergio Moro afirma em seu depoimento que o presidente Jair Bolsonaro já havia demonstrado a intenção de nomear o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, para o comando da Polícia Federal em janeiro de 2020. Moro diz que pensou até em aceitar a nomeação de Ramagem para “evitar um conflito desnecessário” com o presidente, mas desistiu porque entendeu que “pelas ligações próximas” de Ramagem com a família de Bolsonaro “isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio governo, prejudicando até o presidente”. Ao abordar essa relação entre o delegado e a família, o ex-ministro elenca fatos como o trabalho do diretor da Abin como segurança do então candidato Jair Bolsonaro. Ramagem, nessa época, ficou muito próximo de Carlos Bolsonaro e teve o nome envolvido nas suspeitas sobre a criação da chamada “Abin paralela”, sugerida pelo filho 02 do presidente.
Após a demissão de Moro, Ramagem, como previsto, foi indicado para o comando da PF, mas sua nomeação foi suspensa por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em seu lugar, Bolsonaro nomeou Rolando Alexandre de Souza, ex-braço direito de Ramagem na Abin.
Troca na Superintendência da PF no Rio
“Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro.” Segundo Moro, esse era o conteúdo de uma mensagem enviada a ele pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 20 de março. Neste dia, o ex-ministro cumpria agenda nos Estados Unidos, ao lado do então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Moro diz que essa foi a segunda tentativa de Bolsonaro de trocar o comando da PF do Rio de Janeiro. A inaugural, que resultou na primeira crise entre os dois, ocorreu em agosto de 2019, quando Bolsonaro anunciou a jornalistas, sem falar com a cúpula da PF e com Moro, que tiraria Ricardo Saad da chefia da PF fluminense. Moro afirma ter concordado com a troca de Saad porque o delegado “havia manifestado interesse de sair, por questões familiares e a sua troca já estava planejada” por Valeixo.
Entretanto, como o nome escolhido para a vaga, Carlos Henrique Souza, não era o defendido por Bolsonaro, o presidente voltou à carga novamente em março com o envio da mensagem sobre a intenção de ter a superintendência do Rio sob sua influência. Em depoimento, Moro contou que a pressão para substituir Carlos Henrique foi um dos episódios que contribuíram para o desgaste de Valeixo. Segundo o ex-ministro, ele e Valeixo chegaram a aventar a possibilidade de atender ao pedido de Bolsonaro para evitar uma crise, mas o então diretor-geral teria dito que 'não poderia ficar no cargo se houvesse uma nova substituição sem causa do SR/RJ por um nome indicado pelo Presidente da República'. As cobranças pela mudança na PF do Rio, diz Moro, se intensificaram até desaguar na reunião ministerial realizada no último dia 22 de abril. De acordo com Moro, na frente de outros ministros, Bolsonaro cobrou a substituição do comando da PF do Rio e disse que “se não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio Ministro da Justiça”.
PF de Pernambuco
Além do Rio de Janeiro, o ex-ministro Sergio Moro afirma em seu depoimento que o presidente Jair Bolsonaro, desde março deste ano, passou a reclamar da indicação para a chefia da Polícia Federal em Pernambuco. “Essas reclamações sobre o superintendente no estado de Pernambuco não ocorreram anteriormente”, disse Moro.
Perguntado se as trocas solicitadas por Bolsonaro, no Rio e em Pernambuco, estavam relacionados à operações policiais contra pessoas próximas da família presidencial ou de seu grupo político, Moro disse que desconhece e pontuou que não teve acesso a essas apurações enquanto elas estavam em andamento.
Pernambuco é a base eleitoral de Fernando Bezerra, líder do governo no Senado Federal e um dos principais articuladores políticos de Bolsonaro no Congresso. Bezerra é investigado pela PF e foi alvo de busca e apreensão em setembro do ano passado.
Falsidade ideológica
O ex-ministro reforçou que o ex-diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, não pediu para sair do cargo e que não assinou nenhum pedido de demissão. A possível fraude na publicação do ato, indicando ter sido uma exoneração "a pedido", é um dos motivos pelos quais o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu inquérito para apurar as declarações de Moro. O ato de exoneração também aparecia assinado por Moro, que diz não ter avalizado a decisão. Caso se comprove a inexistência das assinaturas, o responsável pela publicação pode ser enquadrado por falsidade ideológica.
Segundo Moro, durante sua gestão à frente da pasta, atos do Ministério da Justiça e Segurança Pública nunca foram publicados sem sua assinatura. Moro já havia dito, no dia 24 de abril, quando deixou o cargo, que a portaria de demissão de Valeixo havia sido publicada de madrugada sem o seu consentimento, o que motivou sua saída. Naquele mesmo dia, o ministro concedeu uma entrevista coletiva à imprensa em que acusou Bolsonaro de interferir na PF. Disse ainda que, apesar de constar sua assinatura eletrônica no ato de demissão de Valeixo, ele não teria assinado o documento. O despacho foi corrigido pelo Planalto, em edição extra do Diário Oficial. Segundo o governo, a nova versão, sem a assinatura de Moro, foi publicada para reparar um erro material.
Em seu depoimento à PF, Moro diz que na "manhã do dia 24 de abril de 2020, encontrou-se com Valeixo e ele lhe disse que não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração". De acordo com Moro, "nunca, pelo que se recorda, viu antes um ato do MJSP (Ministério da Justiça) ser publicado sem a sua assinatura, pelo menos, eletronicamente".
Imputação de crimes
Sergio Moro afirmou que, ao relatar as supostas tentativas de interferência política de Jair Bolsonaro na corporação, não imputou crimes ao presidente. “Quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito”, diz um trecho do depoimento.
O ex-juiz diz serem verdadeiras as afirmações feitas por ele no pronunciamento à imprensa em 24 de abril, quando anunciou sua saída do governo. Ressalvou porém, que cabe às instituições competentes a avaliação sobre práticas criminosas.
Os elementos de prova
Ao final do depoimento de quase oito horas, Sergio Moro resumiu os "elementos de prova" sobre as possíveis interferências de Jair Bolsonaro na Polícia Federal. O primeiro elemento, diz Moro, é seu próprio depoimento onde narra todos os fatos relacionados a seu pedido de demissão. Nessa parte final, o ex-ministro indica haver mensagens ainda inéditas sobre as pressões de Jair Bolsonaro. Uma delas, sobre inquérito em curso no STF.
O segundo elemento, diz ele, é a mensagem que recebeu de Bolsonaro no dia 23 de abril. Na mensagem, o presidente envia uma notícia publicada por O Antagonista sobre deputados que seriam investigados por espalhar fake news. Junto com o link da notícia, Bolsonaro diz: "Mais um motivo para a troca".
Um terceiro elemento, no entendimento do ex-ministro, é o "histórico de pressões do presidente" para troca no comando da PF do Rio de Janeiro. Segundo Moro, o quarto motivo é a própria admissão pública do presidente de querer trocar superintendentes da PF e obter acesso a relatórios de inteligência.
O quinto ponto elencado por Moro são as declarações de Bolsonaro na reunião de ministro do dia 22 de abril, quando ele teria cobrado mudanças na PF e, novamente, insistido em ter acesso a relatórios de inteligência. O procurador-geral da República, Augusto Aras, já pediu acesso ao vídeo da reunião no âmbito do inquérito que investiga as declarações de Moro.
O ex-ministro indica como sexto elemento de prova os protocolos a serem requisitados à Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, sobre relatórios de inteligência produzidos pela PF. "Esses protocolos podem também ser solicitados à Diretoria de Inteligência da PF", completa Moro.
O ex-juiz sugere que sejam ouvidos os delegados Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF, Ricardo Saadi, que foi superintendente no Rio, Rodrigo Teixeira, ex-chefe da PF em Minas Gerais à época das primeiras investigações sobre a facada sofrida por Jair Bolsonaro, e os ministros militares Augusto Heleno, Braga Netto e Luiz Ramos.
Como último elemento de prova, Moro indica as mensagens via WhatsApp entregues por ele à PF em que aparecem as conversas mantidas com o presidente Jair Bolsonaro e a deputada Carla Zambelli, cujos trechos já foram tornados públicos. Ele menciona, ainda, uma mensagem
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