Fellipe Sampaio /SCO/STFBarroso, Lula e Pacheco retiram grades do STF: talvez seja prudente recolocá-las no futuro

As grades do palácio

A retirada das barreiras que cercavam prédios públicos de Brasília parece passar uma mensagem: “Nós não temos mais medo das massas nas ruas”
01.03.24

Junho de 2013 trouxe vários elementos novos ao cenário político brasileiro, um deles é um detalhe pitoresco: as grades em frente aos palácios de Brasília e outras cidades. Com as tentativas de invadir os prédios públicos – Prefeitura de São Paulo, prédios na Praça dos Três Poderes em Brasília e outros por todo o país – inclusive com depredação, resultando em policiais e manifestantes feridos, espalhou-se um medo genuíno de que a população invadisse os edifícios e até atacasse os políticos que lá estavam.

Resultado direto do medo do povo na rua: um pacote de leis foi aprovado. O objetivo era para aplacar a sanha destruidora das massas. Entre essas leis estava a Lei de Delação Premiada, que possibilitou a Lava Jato e levou ao impeachment de Dilma, à prisão de Lula, à ascensão de Temer e posteriormente de Bolsonaro à Presidência da República (se bem que esse último fato não tem relação direta, mas indireta, com os anteriores).

As grades na Praça dos Três Poderes duraram de junho de 2013 (primeiro provisória, depois definitivamente – o que motivou críticas da filha de Lucio Costa, que argumentava que as grades não faziam parte do projeto da cidade) até 1º de fevereiro de 2024, quando o ministro do STF Luís Roberto Barroso e o presidente Lula as retiraram, posando para fotos.

A mensagem parece ser: “Nós não temos mais medo das massas nas ruas”.

O motivo é o efeito desmobilizador que tiveram os Atos de 8 de janeiro e a prisão de todas aquelas pessoas, com penas totalmente desproporcionais e sem precedentes. Com efeito, Lula mencionou no seu discurso o 8 de janeiro e declarou que as instituições saíram fortalecidas dos acontecimentos daquele dia.

Parecia que o ciclo se havia fechado (2013 – 2024). As massas passaram a ter medo dos políticos (ao menos aquelas de oposição ao atual governo). E não é para menos: vimos recentemente casos de censura estatal, perseguição a órgãos de imprensa, tentativas de regulamentação das redes sociais, projetos de lei para punir quem critica políticos. Tudo com um objetivo: controlar as massas. 

E observe: as massas hoje não se manifestam apenas presencialmente. O livro de Elias Canetti, Massa e Poder, o mais completo sobre os movimentos de massa, não trata naturalmente das massas digitais, pois elas ainda não existiam. Hoje elas existem e mobilizam as massas físicas. Portanto, quem quer controlar o povo na rua precisa controlar as redes sociais. É assim: as massas físicas são mobilizadas digitalmente e, uma vez que elas se encontram presencialmente, produzem imagens que vão ser reproduzidas digitalmente. É um movimento de mão dupla.

Mas no dia 25 de fevereiro um multidão voltou às ruas. Dezenas ou centenas de milhares de pessoas ocuparam a avenida Paulista em apoio ao ex-presidente Bolsonaro, que corre o risco de ser preso a qualquer momento.

A imagem da Paulista lotada, com seus 18 quarteirões, rodou o mundo. Boa parte da imprensa ignorou os atos, mas não faz diferença: todo mundo viu e ouviu a multidão coesa nas ruas. Uma amiga, vendo de cima as manifestações, disse: Isso aqui é com medo, imagina sem medo?”. Referia-se à quantidade de pessoas, que pode vir a ser ainda maior em atos futuros.

O medo é um fator central nos movimentos de massa, segundo Elias Canetti. Ele diz que não há nada que o homem tema mais que o contato com o desconhecido. É por isso que ele constrói muros, portas, usa fechaduras, cadeados e por aí vai. Mas na massa o medo é invertido: é possível libertar-se do medo do desconhecido. Assim, as massas tendem a crescer sempre.

O movimento iniciado em 2013, que configura uma crescente de manifestações antissistema, parece não ter acabado. Talvez Luís Roberto Barroso – aquele que declarou, com todas a letras: “nós derrotamos o bolsonarismo” tenha se precipitado ao retirar com toda pompa as grades dos palácios. Talvez tenha que colocá-las de volta em breve. 

E agora a Suprema Corte tem de lidar com um dilema: se prender Bolsonaro, estimula as manifestações. Se o deixa solto, demonstra fraqueza, e estimula de uma outra forma as massas. É um problema político, resultado das ações de uma Corte que politizou-se muito além do aceitável.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Os Supremos não podem ver uma casca de banana que atravessam correndo a rua pra escorregar. Depois dá nisso! Se tivessem ficado no seu quadrado as coisas estariam mais tranquilas, pelo menos pra eles...

  2. Para mim , Lúcio Costa é o Paulo Freire da Arquitetura. Agora, o problema do medo da população é que está pegando, de fato. Não fosse o medo acho que já teríamos tido muitos outros movimentos como o do dia 25/02

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