Falta Estado no Equador para garantir a paz
A crise de segurança no Equador teve início porque o presidente Daniel Noboa (foto) anunciou, no final do ano passado, a construção de prisões de segurança máxima, onde ficariam detidos os chefões do tráfico de drogas. A origem do conflito, assim, guarda muita semelhança com o ano de 2006, quando o Primeiro Comando da Capital,...
A crise de segurança no Equador teve início porque o presidente Daniel Noboa (foto) anunciou, no final do ano passado, a construção de prisões de segurança máxima, onde ficariam detidos os chefões do tráfico de drogas.
A origem do conflito, assim, guarda muita semelhança com o ano de 2006, quando o Primeiro Comando da Capital, PCC, paralisou todo o estado de São Paulo atacando delegacias, pontos de ônibus e agências bancárias.
Nos dois casos, um grupo de criminosos que lucra com o tráfico de drogas declarou guerra contra as forças de segurança e a sociedade, em resposta ao aumento do controle nas prisões.
Em São Paulo, a resposta das forças de segurança levou a um combate intenso com os criminosos, que deixou 564 mortos.
No Equador, até esta terça, quase trina edifícios tinham sido atacados, incluindo cinco hospitais e uma estação de televisão.
Em São Paulo, a reação do Estado e das forças de segurança levou o PCC a se arrepender em afrontar diretamente as instituições. A organização entendeu que declarar guerra contra o Estado não é uma boa ideia, porque atrapalha os negócios. Programas colocados em prática pelos sucessivos governos estaduais conseguiram a cooperação da população no combate à criminalidade e tornaram São Paulo o estado com a menor taxa de homicídios do país.
No Equador, as perspectivas de que o Estado será capaz de retomar o controle não são muito animadoras.
A fuga de Adolfo Macías, o Fito, de uma prisão no domingo e as rebeliões em seis cadeias no dia seguinte mostram que o país não tem controle das suas prisões.
Para o tráfico de drogas, é extremamente fácil subornar carcereiros mal remunerados.
Mas o Equador, a exemplo de diversos outros países da América Latina, não tem dinheiro para fazer um investimento extra em segurança neste momento.
Em 2017, o país precisou de um empréstimo do FMI de 4 bilhões de dólares, mas não tem como pagar o que deve. Medidas de austeridade, como um aumento no preço da gasolina, levaram a protestos entre grupos indígenas em 2019. A capital do país, que fica em Quito, teve de ser temporariamente transferida para Quayaquil.
Na pandemia de Covid, o Equador foi um dos países mais afetados, por falhas no atendimento à população. O sistema de saúde nacional está em frangalhos, assim como outras instâncias estatais.
Na Colômbia, a guerra contra o narcotráfico só foi resolvida, em parte, com ajuda americana. Pelo Plano Colômbia, de 2001, os chefões do tráfico passaram a ser enviados para prisões nos Estados Unidos. Era a única forma de impedir que eles fugissem, como ocorreu com Fito, ou tivessem uma vida de marajá nas celas. Até domingo, Fito tinha tanta liberdade para agir nas prisões do Equador que gravou até um clipe de música com sua filha.
Para que os Estados Unidos entrem nessa história, seria necessário que os americanos fizessem uma parceria com o Equador, para atenuar a preocupação com o consumo de cocaína nas cidades americanas.
É algo que até pode acontecer. O Equador fica espremido entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo, a Colômbia e o Peru. A cocaína e a heroína entram no país pelas fronteiras porosas e embarcam pelos portos equatorianos para a América do Norte e para a Europa.
Mas os americanos hoje estão mais preocupados com o consumo de opioides do que de cocaína. O país também não é mais o principal destinatário das drogas.
O último relatório da Agência da ONU para o Crime e as Drogas (UNODC na sigla em inglês) afirma que a cocaína produzida nos países que integram a Amazônia alcançou 65 países, sendo que os principais destinos foram Itália, Uruguai, Hong Kong, China, Portugal, Bélgica, África do Sul e Líbano.
Para os americanos, portanto, talvez o Equador não seja uma prioridade atualmente.
A ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, afirmou em entrevista que poderia enviar forças de segurança para ajudar o Equador. Mas uma ação desse tipo só poderia acontecer sob a vigência de um acordo internacional, uma vez que todos os países são ciosos da própria soberania. Além disso, é preciso lembrar que a Argentina vive sua própria crise e que a população poderia não concordar com essa ajuda para outras nações.
Se não puder contar com ajuda externa, o Estado equatoriano, endividado, terá muita dificuldade para controlar o crime organizado.
A chance de que esse pequeno país se transforme em um Estado quase falido e dominado pelos cartéis da droga, como a Venezuela, é grande.
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