Por que a juventude argentina está com Milei
Javier Milei é o candidato favorito dos jovens na Argentina; alguns deles ainda ajudam na campanha
O presidenciável favorito nas eleições argentinas desta semana, o populista libertário Javier Milei, lidera no voto dos jovens. A preferência desse segmento da sociedade pode ser decisiva. Eles representam mais de 40% do eleitorado.
Segundo pesquisa do final de setembro feita pelas consultorias Equis e Proyección, ambas próximas à situação governista, Milei tem 39,5% das intenções de voto dos eleitores entre 16 e 34 anos. O candidato do governo, o ministro da Economia, Sergio Massa, vem em segundo, com apenas 26,9%.
A vantagem do libertário pode ainda ser maior. Afinal, o mais intenso e frequente erro nas pesquisas eleitorais exposto nas primárias, realizadas em agosto, foi a subestimação dos votos em Milei.
O que encanta parte da juventude argentina no discurso do presidenciável são os conceitos de liberdade e de novidade. Essa faixa etária está mais acostumada com a dolarização parcial de facto da economia e nunca viu o país prosperar.
Mais de 1.000 jovens não apenas votarão no candidato libertário neste domingo, 22 de outubro, mas também têm ajudado na campanha. Eles estão organizados em grupos que se diferenciam por origem, associação partidária e ideologia.
Juan Boutet, de 22 anos, é presidente e fundador da Juventude Libertária, criada nas eleições legislativas de 2021, quando Milei se elegeu deputado nacional. Esse grupo integra o partido de Milei, o Partido Libertário. Na campanha, Boutet trabalha com candidatos da coalizão e na organização de eventos e palestras.
O estudante de direito da Universidade de Buenos Aires começou a militar com o confinamento da pandemia e atribui às medidas sanitárias de restrição de movimento a aproximação dos jovens ao discurso de Milei.
“Uma pessoa só aprecia a liberdade quando deixa de tê-la”, diz Boutet em conversa com Crusoé em um café no Teatro Colón, no centro de Buenos Aires. “Não tivemos liberdade de nos mover pelo nosso país em 2020. Hoje, não temos liberdade econômica por causa da inflação”, acrescenta. A inflação acumulada dos últimos 12 meses na Argentina beira os 140%.
A proximidade das eleições, com o pacote econômico Plan Platita, e as decorrentes incertezas dos mercados têm acelerado a inflação no curto prazo. O dólar no mercado paralelo, chamado dólar blue, que é o que as pessoas têm acesso, chegou a uma alta diária de 60 pesos na semana passada. Hoje, o dólar blue beira os mil pesos.
Outra associação colaborando com a campanha de Milei é a Agrupação Enlaces. Ela foi fundada no início deste ano a partir de jovens rompidos com a União do Centro Democrático (Ucedê) quando esse partido decidiu apoiar a coalizão Juntos por El Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, nestas eleições.
Diferente da Juventude Libertária, Enlaces se identifica como liberal. Os quatro integrantes do grupo com quem Crusoé conversou em um café no bairro de Palermo, na zona norte de Buenos Aires, fazem questão de se distinguir dos libertários.
“Não somos a favor da concepção de um mercado sem nenhuma regulação. Acreditamos em um Estado eficiente”, afirma Patricio, de 21 anos, estudante de terceiro ano de administração em Buenos Aires e fundador da Enlaces. Em suma, eles não são tão radicais na crença do Estado mínimo.
Enlaces apoia Milei, mas está mais ligada a um outro candidato nestas eleições, Ramiro Marra, o nome da coalizão do libertário para o governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, equivalente ao Distrito Federal. Marra não é favorito no pleito.
Sobre a preferência dos jovens por Milei, os militantes da Enlaces acreditam nele por representar uma diferença na política. “Milei é algo novo. A juventude gosta do novo”, diz Ignacio. “É uma mudança do status quo”, acrescenta Santiago. Os dois têm 18 anos e são estudantes de primeiro ano de economia em Buenos Aires.
Desconsiderada a última ditadura militar, que durou de 1976 a 1983, o poder na Argentina está concentrado em duas siglas há mais de um século: o Partido Justicialista, de Juan Domingo Perón e dos Kirchners, e os seus rivais, a União Cívica Radical, uma legenda ainda mais antiga e associado à classe média. O macrismo, que chega à Presidência em 2015 e alguns consideram como exceção, é, na prática, uma união de elementos do peronismo e do radicalismo.
Claro, como a principal plataforma de Milei é a economia, e visto a situação da Argentina, a crise econômica é a maior preocupação da juventude que apoia o presidenciável.
“O país não está melhorando. Economicamente, estamos a caminho de uma hiperinflação. A pobreza está chegando a 50% da população”, diz Bianca, de 21 anos, responsável pela comunicação da Enlaces. Nascida nos Estados Unidos de pais argentinos, ela é estudante de Relações Internacionais na Espanha e está em intercâmbio na Argentina.
Tanto Boutet quanto os quatro militantes da Enlaces defendem a proposta de dolarização de Milei, apesar de não se sentirem aptos a explicá-la. Eles acreditam na equipe econômica do presidenciável mesmo que a maioria dos economistas do país reiterem a inviabilidade da proposta.
Isso decorre das suas experiências de vida como argentinos. Está enraizado na sociedade argentina a descrença na moeda local e a valorização do dólar. Historiadores e economistas notam esse fenômeno desde o pós-Segunda Guerra. Sucessivas crises econômicas desde a década de 1970 retroalimentam esse comportamento.
Há motivos para essa cultura ser ainda mais forte nos jovens apoiadores de Milei. Na casa dos 20 anos de idade, eles passaram a maior parte de suas vidas na década passada, quando já havia acabado a festa da alta das commodities.
Mais do que qualquer governante da América do Sul na época, os Kirchners desperdiçaram as condições favoráveis do mercado internacional. O resultado é um Estado ineficiente e inflado, que prejudica a economia. O gasto público na Argentina representa 40% do PIB. No Brasil, esse índice está em cerca de 30%.
“Quando eu tinha uns 15 anos, eu queria comprar um celular. E me lembro de já fazer as contas em dólares, porque sabia que minha moeda valia menos”, diz Boutet. Na hora de pagar a conta, 1.700 pesos por um café cortado, ele chama as notas de pesos de “papel falsificado” pelo seu valor ínfimo.
A juventude que apoia Milei tem divergências com o presidenciável fora da pauta econômica. Por exemplo, os jovens da Enlaces são contra a proibição do aborto, algo defendido por Milei. O aborto é garantido por lei na Argentina desde 2021 para todos os casos até a 14ª semana de gestação.
Nenhum dos representantes dos dois grupos também quer se associar aos militares, uma classe quase inexistente na política na Argentina, a diferença do que se passa no Brasil. “Graças a Deus não há governos militares, nem possibilidade de governo militar”, diz Santiago.
Milei, em si, não fala muito sobre a ditadura militar. Quem o faz é a sua colega de chapa, Victoria Villaruel, filha e neta de militares. Entretanto, Milei tem questionado o número de desaparecidos da ditadura. Ele fala que haveria apenas 8 mil, em vez de 30 mil.
Apesar da importância imprescritível da memória da repressão, algo que os argentinos reconhecem muito melhor que os brasileiros, os jovens apoiadores de Milei não consideram esse tema tão relevante.
A menos de três semanas do primeiro turno, os militantes estão otimistas. Milei tem cerca de 35% das intenções de voto, enquanto Massa tem 30%. Em terceiro lugar, a candidata de Macri, Patricia Bullrich, tem 25%.
Boutet acredita em uma improvável vitória em primeiro turno, enquanto os membros da Enlaces apostam em um segundo turno. Para ganhar direto, um presidenciável precisa de 45% dos votos ou 40% e uma diferença de dez pontos percentuais do segundo colocado.
Uma eventual vitória de Milei seria uma proeza, claro, mas pouco adiantará se o governo fracassar. Independentemente do resultado do dia 22 ou de 19 de novembro, se houver segundo turno, o que deve se discutir é a capacidade, ou não, desses jovens de criar uma força política duradoura alternativa ao peronismo e ao radicalismo.
De todos os entrevistados, apenas Patricio é candidato nestas eleições ou fala sobre entrar na política. Ele concorre ao órgão responsável por administrar os recursos públicos no bairro da Recoleta, na zona norte de Buenos Aires.
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