OECD

Receita para o futuro

O ingresso do Brasil na OCDE, agora apoiado pelos EUA, embute metas alvissareiras para os brasileiros. Não travar o combate à corrupção é uma
17.01.20

Com o anúncio americano de priorizar o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o OCDE, o país deverá ter o nome sugerido na próxima reunião da entidade, em maio. Se os membros votarem a adesão de novos integrantes, o Brasil poderá finalmente ter seu passaporte carimbado para entrar no grupo dos países mais ricos do mundo.
O passo seguinte seria a OCDE realizar uma avaliação sobre se o Brasil atende ou não as 254 exigências do bloco. O país já cumpre 80 delas. De todos os candidatos a uma vaga, é o que mais colocou resoluções da entidade em prática: 31%. A Argentina, que foi indicada no ano passado, mas não foi aprovada em votação, atende 19%. Romênia e Peru, 17%.

Entre os instrumentos que estão em negociação e que o Brasil ainda precisa aderir, dois demandarão muito esforço e poderão trazer grandes ganhos. Um deles guarda relação com as transações que ocorrem dentro das empresas. Muitas das exportações e importações brasileiras se dão entre departamentos de uma mesma companhia. O cálculo dos valores movimentados e dos impostos cobrados hoje é feito de maneira simplificada. “A OCDE exige que esse processo seja feito de uma forma mais fiel, para evitar distorções”, diz André Rebelo, assessor estratégico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp. “No final, o governo terá de criar uma estrutura maior para dar conta do recado e as empresas privadas pagarão menos taxas.”

Na economia, também será necessário facilitar a compra de dólares. Travas para operações de câmbio são comuns em países que temem uma fuga maciça de capitais. Como o Brasil já acumulou mais de 300 bilhões de dólares em reservas, o receio não tem mais fundamento. Sem impedimentos, investidores estrangeiros terão mais facilidade para colocar e tirar dinheiro do país, assim como empresas brasileiras terão mais liberdade para fazer isso no exterior. “O espírito da OCDE é o de abolir ao máximo as medidas restritivas que dificultam o movimento de capitais. Muito provavelmente, alguns impostos que não estão alinhados com isso terão de ser eliminados”, diz Constanza Negri, gerente de política comercial da Confederação Nacional da Indústria, a CNI.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPara o chanceler Ernesto Araújo, apoio dos EUA  é prova da “parceria sólida” dos americanos com o Brasil
Em relação ao combate à corrupção, o Brasil poderá ter na OCDE um parceiro no exterior para evitar retrocessos. Todos os anos, a entidade publica uma análise detalhada do sistema judiciário brasileiro baseada em suas métricas internacionais. Em sua última avaliação, a OCDE demonstrou preocupação com a decisão do Supremo Tribunal Federal que estabeleceu que condenados só podem ser presos depois de esgotados todos os recursos possíveis. Foi esse veredicto que permitiu a saída de Lula da cadeia.

Desde então, tentativas de minar as investigações contra corruptos têm sido rotineiras. No ano passado, discutiu-se sobre a necessidade de autorização judicial para permitir o compartilhamento de dados financeiros do Coaf. Outro ponto perigoso era uma medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro que propunha alterar a estrutura desse órgão, permitindo indicações políticas para o seu conselho deliberativo. As duas iniciativas iam contra os padrões adotados pelo Grupo de Ação Financeira Internacional, o Gafi, criado pela OCDE para combater a lavagem de dinheiro e o terrorismo. Pelas diretrizes do Gafi, unidades de inteligência financeira como o Coaf precisam ser totalmente independentes e ter liberdade de ação.

Os críticos dessas duas manobras incluíram a OCDE em suas argumentações e tiveram sucesso. O Supremo Tribunal Federal julgou em novembro que não há necessidade de autorização judicial para permitir o compartilhamento de dados do Coaf. Em janeiro, Bolsonaro sancionou a medida provisória relativa ao Coaf, eliminando a possibilidade de indicações políticas. “Com a entrada do Brasil na OCDE, nós poderemos dar um salto gigantesco na luta contra a corrupção”, diz o advogado Marcelo Godke, professor do Insper, em São Paulo. “Toda vez que alguém inventar uma jabuticaba para dificultar as investigações ou libertar condenados, a pressão contrária não virá apenas de dentro do Brasil, mas também de fora.”

Uma ameaça que ainda precisa ser afastada é a proposta para criar o juiz das garantias, o jabuti incluído dentro do pacote legislativo para combater o crime. O projeto estabelece a figura de outro juiz para conduzir o processo, além daquele que faz o julgamento. Nos casos de corrupção, o efeito poderá ser devastador. “Ao contrário dos crimes cometidos pela emoção, os delitos de corrupção envolvem muito planejamento. Quando se detecta uma fraude, é preciso montar um enorme quebra-cabeça”, diz o advogado Rodrigo Kaysserlian, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos. “Se, para cumprir cada etapa de investigação, for preciso pedir autorização para o juiz de garantias, não será possível avançar em inúmeros aspectos.” Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli adiou por seis meses a sua implementação. Para garantir o sucesso contra a corrupção, a sociedade brasileira não pode baixar a guarda. Com a OCDE, ela ganha um aliado de peso.

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