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Eleição de faz de conta
Às vésperas da eleição legislativa marcada para domingo, 6, as ruas de Caracas continuam vazias. Sem gasolina, com medo da criminalidade e da pandemia, poucos se aventuram a sair de casa. O fluxo de gente é maior no centro da capital, onde estão localizados os prédios governamentais. Nessa região, muros foram pintados com os nomes de candidatos chavistas – o dos opositores foram estrategicamente cobertos com tinta. Em algumas tendas na rua, apoiadores da ditadura trajando camisetas coloridas tentam distribuir folhetos, mas quase ninguém se aproxima. Ao fundo de uma rua, é possível ouvir um carro de som tocando músicas lançadas pelo ditador Nicolás Maduro para tecer loas ao ex-presidente Hugo Chávez. “Uh, ah, Chávez não se vá”, diz uma delas. Sem argumentos para animar os eleitores, optou-se por recorrer ao falecido ditador.
A falta de esperança e o desânimo são generalizados. As pessoas que aceitaram conversar com a reportagem de Crusoé – temendo sanções da ditadura, a maioria dos moradores de Caracas evita a imprensa – afirmaram que não iriam comparecer às urnas no dia 6. “Não farei isso porque já sabemos o resultado. Essas são as eleições mais tristes que já tivemos na nossa história e isso não é por culpa da pandemia. Não temos dinheiro para comprar comida”, diz Margarita Alzuru, que era secretária e agora trabalha como diarista, aos 59 anos.
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A recusa da oposição ocorreu após uma série de investidas da ditadura. Um a um, os sete principais partidos políticos, como Copei, Vontade Popular, Ação Democrática e Primeiro Justiça, foram impedidos de concorrer ou tiveram suas diretorias tomadas por políticos governistas. O Conselho Nacional Eleitoral, que organiza as votações, teve todos os seus membros substituídos de forma irregular pelo Tribunal Supremo de Justiça, obediente a Maduro. Segundo a Constituição, contudo, seus membros deveriam ter sido indicados pela Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. Para completar o quadro de desolação, Diosdado Cabello, líder da Assembleia Nacional Constituinte, criada para ofuscar a Assembleia legítima, ameaçou os venezuelanos que não saírem para votar no dia 6 de dezembro. “Para quem não votar, não vai ter comida. Vai ficar de quarentena sem comer”, disse Cabello, o bom camarada, durante um comício.
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Quando Maduro entrar com seus 277 deputados na Assembleia Nacional no início de janeiro, o contraste com a atual legislatura será enorme. Os membros atuais conquistaram seus espaços em 2015 durante uma eleição com comparecimento de 74%. Mesmo sem receber salários, eles resistiram à perseguição governamental, coordenaram ações com outros países e conseguiram o envio de remédios e alimentos para os venezuelanos. Em janeiro de 2019, o líder da Assembleia, Juan Guaidó, foi reconhecido como presidente interino por mais de 50 países. É verdade que Maduro manteve-se em seu posto, abusando da violência, cooptando os generais e contando com ajuda cubana. Mesmo assim, Guaidó obteve espaço para atrair atenção para a crise humanitária da Venezuela. A partir do próximo ano, será difícil que uma força consiga agrupar as vozes da oposição, sem o amparo da Assembleia Nacional. Em seus salões, chavistas e supostos dissidentes seguirão bovinamente o governo. Maduro trabalha para estar no domínio de tudo – e as eleições legislativas deste domingo, 6, são parte da estratégia.
A reportagem foi escrita com ajuda de uma correspondente na Venezuela. Por motivos de segurança, o nome da jornalista foi omitido
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