FIFA

A hipocrisia de Infantino

O presidente da Fifa acha que europeus não podem criticar violações dos direitos humanos no Catar. Se é assim, que tal abolir o "fair play" nos jogos?
25.11.22

O presidente da Fifa, o suíço Gianni Infantino, convocou a imprensa às vésperas da Copa do Mundo com o objetivo de dar uma resposta para a crise de imagem que a sua entidade vem sofrendo desde que o mundo — bem tardiamente — se deu conta que o evento deste ano ocorre em uma ditadura que, entre várias violações aos direitos humanos, não respeita as mulheres e a comunidade LGBT. A situação ficou ainda mais crítica para a Fifa com a revelação de que milhares de trabalhadores —todos imigrantes— foram explorados em uma situação que não difere muito da escravidão. Um quadro tão sinistro que legou à Copa o saldo de milhares de operários mortos na construção dos estádios.

Sem nenhum constrangimento aparente, Infantino disse que “isso não significa que não devemos apontar o que não funciona. Aqui no Catar também, é claro, há algumas coisas que não funcionam e precisam ser abordadas. Mas essas lições de moral só de um lado são apenas hipocrisia“.

Hipocrisia” para Infantino são as críticas que o mundo tem feito ao país sede e à conivência que a Fifa tem demonstrado para com a ditadura do Catar. Tudo parecia ser uma questão entre poder ou tão beber cerveja durante os jogos. Mas, com um pouco mais de atenção, a imprensa descobriu que, desde a preparação da infraestrutura dos estádios, o Catar rompeu todas as regras de civilidade, as quais nada têm a ver com preceitos religiosos ou elementos culturais. Por mais sombrio que possa parecer, antes do chute inicial do jogo de abertura entre a seleção local e o Equador, os estádios deste mundial eram o túmulo de milhares de trabalhadores mortos durante as obras, a masmorra daqueles que foram escravizados e o templo da vergonha de quem não vê problema em defender as violações do Catar.

O presidente da Fifa disse ainda que os europeus, “pelo que têm feito há 3 mil anos pelo mundo, devem pedir desculpa nos próximos 3 mil anos antes de darem lições de moral”.

Segundo a lógica de Infantino, quem cometeu erros há três milênios perde, de maneira perpétua, o direito de criticar os regimes que cometem violações primitivas no presente. Ainda segundo esse princípio, parece, então, que deveríamos esquecer os mortos dos regimes militares na América Latina e as ameaças de Benito Mussolini aos jogadores da Itália. Ou, quem sabe, punir as seleções da Noruega e da Alemanha que realizaram protestos em favor dos trabalhadores escravizados no Catar?

Que tal falar também dos médicos cubanos que estão instalados a poucos metros dos estádios da Copa, dando expediente segundo as mais evidentes condições de escravidão? Infantino e a Fifa banalizam o mal em nome do sucesso do evento, que além de contagiar os corações e mentes de bilhões de pessoas em todos os cantos do planeta, é um negócio.

No caso de Cuba, é um grande negócio. Nos arredores dos estádios da Copa, esses cubanos trabalham tendo cerca de 90% de seus salários confiscados pelo regime, que usa a sua mão de obra como fonte de receita em  dólares. Os brasileiros conhecem bem como funciona esse modelo. O Brasil recebeu entre 2013 e 2018 mais de 15 mil médicos que foram explorados pelo regime cubano, em situação análoga à escravidão.

As “missões médicas” cubanas, nome limpinho que Cuba usa para definir a exploração de seus cidadãos, é classificada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pela União Europeia como escravidão moderna. Mas será que para Infantino e a Fifa isso também é hipocrisia?

Tento acreditar que Infantino tenha sugerido que as críticas à ditadura do Catar são válidas, mas que não podem se sobrepor ao espetáculo do futebol. Afinal, é Copa do Mundo. Então, o que nós vamos fazer com o fair play? Fair play é um conceito moral de equidade, respeito e justiça. Fair play é um valor derivado de um mundo que evoluiu civilizatoriamente e que aderiu aos valores morais mais básicos, como o respeito aos direitos humanos.

Façamos um exercício para entender o que Infantino e a Fifa defendem ser o correto sobre o Catar. Vamos viver os velhos tempos do futebol como na Copa de 1966, com o Pelé sendo caçado sem piedade, ou a de 1934, com o fascismo manipulando os jogos e ameaçando seus próprios jogadores? Que tal abolir o VAR? Melhor ainda. Talvez abolir os cartões vermelho e amarelo. Aposentar os juízes e deixar o time com mais força ou mais dinheiro levar a melhor?

Se para a Fifa de Infantino o mundo tem de esperar 3 mil anos para começar a falar de direitos humanos nos eventos esportivos, talvez seja o caso de editar o estatuto da própria entidade que, logo no artigo terceiro, fala da obrigação de  respeitar e promover os direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Um compromisso que não existe hoje. Quem sabe daqui a 3 milênios.

Hugo Achá é diretor de pesquisa da Foundation for Human Rights in Cuba

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  1. A atual mídia mundial, resolveu extirpar de seu ambiente profissional duas figuras muito importantes: o revisor e o bom senso. Por isso que os textos , em todos os níveis, emporcalha a qualidade dos conteúdos e envenena, mortalmente, o estilo e a correção da informação. Redatores medíocres, expressam, via de regra, textos de baixíssimo apuro, e mesclados com desnecessárias opiniões pessoais. O pior dos legados às gerações futuras. Tropeçar na gramática e na clareza do conteúdo é a regra.

  2. 02/12/2010: Qatar escolhido como sede. 20/11/2022: "oh, mas onde está a diversidade? Oh, mas há 'escravos' aqui!". Só agora descobriram? E mesmo assim foram para a Copa? Isso sim é hipocri$$$$ia! Quanto aos médicos: perguntem a opinião do próximo governo e do respectivo gado!

  3. Apois é negada aqui dixero ao canelau qui o Bolzo c'um tár de Malafeia iam obrigá o Pablo Vitá e o Caretano Sebozo usá burka e se lascaro né? inda vão manés? e qué protestá? vaum pá Noviorqui bestaiões.

  4. Não apenas a fifa, mas todas as federações nacionais devem responder por legitimarem a falta de segurança de trabalho, a escravidão permitida e a falta de cerveja nos estádios, que torna a torcida tão apática nos jogos.

  5. Em nome dos "negocios", alguns bem escusos, a FIFA passa pano em politicas criminosas e "respeita" culturas medievais travestidas de religião.

  6. Esse imbecil declarou que cresceu sofrendo preconceito por ser filho de imigrantes italianos na Suíça. Isso é tripudiar a desgraça alheia.

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