MaerskProjeto da ONG CleanUp e da Maersk retira o lixo plástico do Oceano Pacífico

O que os governos estão fazendo pelo oceano?

Os mares sustentam a sobrevivência de animais e plantas por meio da regulação do sistema climático e geram cerca de metade do oxigênio da atmosfera
15.06.23

Por muito tempo, o mito de que a Amazônia é o “pulmão do mundo” foi fortemente difundido. O motivo é justificável: direcionar a atenção da sociedade civil e das autoridades para a preservação da maior floresta tropical do mundo. Nobre, de fato. Mas a verdade é que a produção de oxigênio da Amazônia é voltada para ela própria, não tendo um impacto significativo quando pensamos no globo — e é claro que isso não exclui a sua importância.

Em paralelo, os mares são responsáveis pelo equilíbrio do planeta. Cobrem cerca de 70% da superfície da Terra e têm um papel crítico na manutenção de seus sistemas de suporte de vida, sustentando a sobrevivência de animais e plantas por meio da regulação do sistema climático e geração de cerca de metade do oxigênio da atmosfera. Isso significa que o verdadeiro pulmão do mundo é o oceano.

Não é novidade que, nos últimos anos, os holofotes da humanidade têm mirado as degradações ambientais que vêm ocorrendo ao redor do mundo, especialmente no meio político. A pressão social por políticas públicas voltadas para a preservação ambiental torna-se cada vez mais resistente, fazendo com que políticos de esquerda e de direita levantem a bandeira pelo tema, cada qual com sua própria solução. No entanto, o recurso responsável por tornar possível a nossa sobrevivência permanece fora da mira. O atual presidente, durante a sua campanha eleitoral em 2022, teve como uma de suas principais bandeiras a preservação ambiental, embora não se tenha ouvido a palavra “oceano” sair de sua boca.

É inegável que meio ambiente é um tema extremamente vasto e muitos tópicos precisam ser abordados. Mas fica o questionamento: por que não estamos ouvindo falar do oceano? Por que não se fala sobre as ilhas de plástico que alcançam tamanhos de continentes? Por que não se fala sobre termos tornado a nossa fonte de oxigênio um lugar de descarte de mais de 10 milhões de toneladas de lixo anualmente? Por que não vemos a preservação dos oceanos em planos de governo ou parlamentares levantando a bandeira e conscientizando a população?

Como exemplo da falta de atenção para o tema, o Projeto de Lei 6.969 — que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro — tramita na Câmara dos Deputados há 10 anos. Não é o objetivo deste artigo analisar o conteúdo de projetos de leis sobre o tema ou as poucas leis de anos e anos atrás ainda hoje em vigor, mas sim ilustrar sobre como as autoridades políticas cerram os olhos para a problemática. Como bem ressaltou o diretor-geral da Oceana Brasil, no ano passado, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados: “O Oceano é o bioma menos considerado em políticas públicas

Não precisa de muito para perceber que o assunto é quase que ignorado: dois termos têm sido adotados pela Marinha do Brasil na tentativa de chamar a atenção das pessoas, quais sejam, mentalidade marítima e Amazônia Azul. A mentalidade marítima, segundo a autoridade supracitada, é “a convicção ou crença, individual ou coletiva, da importância do mar para a sobrevivência e a prosperidade do país”. Já a Amazônia Azul é o espaço marítimo adjacente ao território terrestre brasileiro que comporta a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), área extremamente rica em recursos naturais. Deu-se este nome visando comparar às riquezas e à importância da floresta amazônica para o país.

Em paralelo à inércia governamental, a boa notícia é que a iniciativa privada, utilizando de tecnologia, inovação e conscientização, vem juntando esforços para mitigar a poluição dos mares. Essa realidade traz uma reflexão a respeito da necessidade de diálogo entre governo, empresas e terceiro setor. Não é momento de demonizar aqueles que produzem bens e prestam serviços, mas sim utilizar de suas ferramentas para alcançar os objetivos de redução da degradação marítima. A verdade é que precisamos do mercado para desenvolver técnicas, produtos e soluções sustentáveis.

A Maersk, uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo, desenvolveu um sistema para tirar 90% do plástico flutuante do oceano até 2040. Mais de 29 mil toneladas já foram recolhidas e destinadas a uma parceria com a ONG CleanUp, que transforma o plástico em óculos de sol. Já a Rolex, atua junto ao Coral Gardeners — projeto para salvar os recifes de corais do mundo por meio da restauração ativa de recifes utilizando inovação. O projeto cultiva e planta corais resilientes para reviver os ecossistemas de recifes. Ainda, a Microsoft se uniu à Sustainable Ocean Alliance e criou o “AI for Earth“, fornecendo suporte e treinamento para empreendedores que estão desenvolvendo soluções baseadas em IA para desafios ambientais, incluindo a proteção dos oceanos.

A partir desses exemplos, vemos que a iniciativa privada tem feito mais pelos oceanos do que a própria classe política, com resultados práticos. Afinal, os recursos dedicados aos estudos do oceano no Brasil correspondem a somente 0,03% dos gastos totais em pesquisa no país, segundo um relatório da Unesco de 2022. Isso porque temos um litoral de mais de 7 mil quilômetros de extensão e um espaço marítimo extremamente rico.

É hora de adotarmos a mentalidade marítima e reconhecer o potencial que um oceano saudável tem para o nosso país. Cobrar empresas e cobrar políticos. Preservação ambiental não é pauta de esquerda ou de direita, é de todos. E a solução são políticas públicas de resultado junto à integração efetiva dos três setores.

 

Letícia Barros é advogada e vice-presidente do LOLA Brasil

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  1. Ótimo artigo 👏🏻👏🏻👏🏻 Hoje são toneladas de lixo que habitam os oceanos. O Brasil não consegue que a maior parte da sua população tenha esgoto, água e recolhimento de lixo de forma correta…. Estamos a deriva …

  2. A iniciativa privada sempre fará mais em tudo do que os políticos, os quais só querem dinheiro e poder.

  3. Belo indício da preocupação ambiental do governo, também tocando aos oceanos, é a tentativa de acabar com o marco do saneamento.

  4. De tanto se falar de Floresta Amazônica, os governos (e nós também) acabam deixando de lado algo mais importante e preocupante. Parabéns pelo artigo !!

  5. Muito importante este artigo. Dentro dos limites, vamos tentar impulsionar o projeto que cria a politica nacional de conservacvão e uso sustentável do bioma marinho. A Oceana pode ser um bom apoio para contatar deputados.

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