Manuela d'ÁvilaEste é o momento em que os partidos definem quais candidaturas serão competitivas e receberão mais recursos

Cotas femininas e candidaturas laranjas

Leis criadas por um Congresso formado por famílias oligárquicas históricas servem apenas para manter os mesmos nomes na máquina pública
27.04.23

Os dados de 2022 divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, apesar de as mulheres representarem 52% da população brasileira, ocupam apenas 16% dos cargos eletivos no país. Nas últimas eleições, houve um aumento no número de candidatas: foram 33,3% do total. Mas isso não se refletiu no resultado eleitoral. Na Câmara de Deputados, apenas 91 das 513 cadeiras são ocupadas por mulheres, o que significa 17,7% — abaixo da média mundial de 26,4%. Nos estados, os números são semelhantes, com apenas 190 mulheres eleitas para cargos de deputadas estaduais e distritais (18%). Em alguns estados, como Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, a representatividade feminina ficou abaixo de 10%.

E qual foi a solução dos políticos para enfrentar esse problema? Cotas para mulheres. Desde a implementação das cotas de gênero para candidaturas políticas em 1997, o Estado brasileiro tem buscado soluções verticais para a questão. Embora a Lei nº 9.504/1997 tenha estabelecido a obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas em todos os partidos políticos, isso não garantiu que essas mulheres fossem eleitas, muitas vezes sendo utilizadas apenas como “laranjas“, para cumprir a cota mínima exigida. As laranjas concorrem apenas para cumprir a cota sem ter qualquer chance real de vitória e sem o apoio genuíno de seus partidos. É comum nos depararmos com mulheres que tiveram apenas um ou nenhum voto. Nas redes sociais, é possível constatar que elas deixaram de fazer campanha ou fizeram para outros candidatos, como para o marido ou algum homem do partido com chances mais sólidas de vitória.

Em 2018, tivemos 2530 candidaturas com zero voto. Nessa mesma eleição tivemos a situação da denúncia do esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, que levou à demissão do então ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio, em 2019. A denúncia se referia a um esquema de financiamento de candidaturas femininas que não realizaram campanhas efetivas, utilizando recursos públicos expressivos do partido. A verba pública de campanha da legenda destinou R$ 279 mil às candidatas, colocando-as entre as 20 principais receptoras de recursos do partido em todo o país. Dessas quantias, pelo menos R$ 85 mil foram direcionados a quatro empresas pertencentes a assessores, parentes ou sócios de assessores de Álvaro Antônio e sem sinal que as mulheres fizeram campanhas efetivas durante o período eleitoral.

Um outro exemplo aconteceu recentemente com o suplente de Nikolas Ferreira, que deixou a cadeira de vereador ao ser eleito o deputado federal mais votado do Brasil. César Gordin assumiu a cadeira do Nikolas na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Meses depois, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, sua chapa foi derrubada por fraude de cotas de gênero nas eleições de 2020. Casos como esses infelizmente são mais comuns que o esperado, desde as últimas eleições municipais, ao menos 74 vereadores perderam os seus mandatos por fraudes nas cotas de gênero.

Quando se criam cotas de gênero nas chapas eleitorais, as mulheres são colocadas na posição de preencher as lacunas obrigatórias, além de se sentirem desprestigiadas por muitas vezes só estarem sendo convidadas para participarem do processo por conta da obrigatoriedade da lei. A medida não coloca as candidatas onde deveriam estar: ocupando espaço competitivos e com chances reais de vitória. Isso justifica o fato de que, apesar de termos mais de 30% de candidatas, ainda estamos beirando os 15% de mulheres eleitas.

A realidade nos confirma que as leis que virão do mesmo Congresso formado por famílias oligárquicas históricas servem apenas para manter os mesmos nomes na máquina pública. Esperar soluções prontas vindas daqueles cujo único interesse é se manter no poder é ineficaz. O resultado que tivemos ao longo das medidas tomadas foi mulheres servindo de apoio para elegerem os mesmos. Pior que isso, sendo cobaias de esquemas de desvio de dinheiro público. Os políticos vão encontrar as brechas na lei sempre que possível para continuar se reelegendo, pois a preocupação não é e nunca foi eleger mulheres.

Se nós mulheres queremos de fato ocupar espaços, devemos buscar soluções,  independentemente de legislações criadas para inglês ver. E isso deve começar fora de ano eleitoral, já que é agora o momento em que os partidos definem quais candidaturas serão competitivas e receberão mais recursos e apoio. E é nesse instante que as mulheres devem se inserir, negociando com os líderes partidários seus espaços de relevância. Além disso, um papel importantíssimo das mulheres é falar sobre a falta de representatividade. Devemos usar as redes sociais, os movimentos políticos, os eventos e a imprensa ao nosso favor, informando a sociedade do tamanho da lacuna que ocupamos no espaço público. E o mais importante, devemos nos despir da inocência e parar de acreditar que o interesse dos políticos tradicionais é nos eleger, porque não é.

 

Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil e líder do Livres

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  1. Perfeito. E vale acrescentar que eles estão preparando perdão para a burla da lei que eles mesmo escreveram. Escárnio total.

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