Marina Ramos/Câmara dos DeputadosO alagoano conseguiu construir sua base na Câmara porque sempre fez forte defesa corporativa dos parlamentares

A equação da governabilidade está montada

O apoio de Lira sem dúvida garante uma situação mais tranquila para Lula na Câmara
23.06.23

O novo desenho da governabilidade — equação que permite ao governo ter suporte para materializar suas decisões — atingiu seu melhor momento na última sexta-feira (16) com o tuíte do presidente da Câmara, Arthur Lira, que anunciou, com entusiasmo, a parceria recém-formada com Lula. Na mensagem, o alagoano comemorou o momento da economia, fixou as prioridades de curto prazo e lembrou que o encontro era importante porque ambos ficarão quinze dias sem se encontrarem em razão de agendas de viagem.

A parceria, que tem ares de namoro novo, se soma à colaboração do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e à boa vontade do STF e do STJ. Essa “harmonia” foi apontada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad que, em entrevista, afirmou que só está faltando a ajuda do Banco Central. Nesta semana, uma outra peça do quebra-cabeças político que o governo monta deve ser encaixada: o TSE iniciou o julgamento que deve cassar os direitos políticos de Jair Bolsonaro, retirando sua condição de candidato.

Como o ex-presidente tem forte rejeição, mesmo alguns estratos da direita não veem essa decisão de forma negativa porque acham que ela abre caminho para um nome novo em 2026, menos pesado e com potencial de ser impulsionado pelo apoio de Bolsonaro. Por isso, para a esquerda, não basta que o TSE o inviabilize, mas é preciso neutralizar sua influência. Para tanto, o governo conta com a CPI do 8 de janeiro, que começou a ouvir depoimentos. Ela espera provar a culpa material de Bolsonaro e enterrar a acusação de que o governo foi omisso ou incompetente para lidar com a situação.

No papel, o arcabouço político do governo está desenhado. Mas, como dizem, a beleza da estratégia está na execução e há muitos entraves a serem superados.

O primeiro é a incompatibilidade ideológica da maioria da Câmara. Ainda está fresca na memória a derrota do governo no PL da Fake News, que contou com esforço de Lira para a sua aprovação. Ou seja, mesmo que a parceria se solidifique, o governo não deverá ter um rolo compressor à sua disposição, devendo selecionar bem seus temas, porque agendas com potencial de ativar as redes de eleitores conservadores e, consequentemente, pressionar deputados da centro-direita, dificilmente avançarão.

Para consolidar a base, Lira precisa ter de volta a capacidade de distribuir recursos. Quando o presidente da Câmara ainda pressionava Lula para substituir o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ele estava dizendo, do seu jeito, que precisava nomear alguém da sua influência para fazer o meio de campo entre interesses dos deputados e o Executivo. O Planalto, no entanto, preferiu não mexer no seu time e apostar na melhoria da sintonia com uma mudança de comportamento da equipe de articulação.

O terceiro problema é a condição de fragilidade de Lira. O alagoano conseguiu construir sua base na Câmara porque sempre fez forte defesa corporativa dos parlamentares. A aproximação com Lula, no entanto, seu deu em um contexto no qual denúncias de corrupção ameaçam assessores do presidente da Câmara. Essa circunstância deu ao movimento de aproximação uma forte conotação de busca de autoproteção por parte de Lira. No limite, pode-se dizer que o presidente da Câmara empenhou o apoio dos deputados para se proteger antes de tudo.

Não é possível prever como deputados encararão essa nova fase de Lira. Se ele voltar a ter controle da distribuição de recursos de poder, é possível que a fragilidade não seja um fator relevante. Mas, se houver dificuldades por parte do Executivo em cumprir acordos celebrados pelo presidente da Câmara, a questão da fragilidade pode virar uma bola de neve e sustentar degaste junto aos seus pares.

Uma coisa, no entanto, é certa. A aproximação entre Lula e Lira antecipa o debate pela sucessão deste último. Provavelmente faz parte do pacote de benefícios oferecido por Lira ao governo a eleição de alguém mais alinhado ao Planalto no início de 2025. Setores independentes do Congresso, que estiveram juntos na sua reeleição, mas sabem que perderão espaço nessa nova configuração, podem aumentar esforços para continuarem relevantes, inclusive desafiando a liderança de Lira.

O apoio de Lira sem dúvida garante uma situação mais tranquila para Lula na Câmara. No mínimo, há um controle maior da agenda e do Colégio de Líderes. Mas há muito trabalho e ajustes pela frente, além da necessidade de lembrar que desmobilizar a oposição é uma coisa e colocar uma base para rodar é outra. De todo modo, a equação de governabilidade deste governo está montada.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

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