Ricardo StuckertCom Xi Jinping: "A China encontrou um jeito de resolver os seus problemas"

Lula não está cometendo nenhum “erro”

O presidente e o PT, além de se alinharem às autocracias contra as democracias liberais, também se colocam contra tudo que diga respeito à autonomia da sociedade diante do governo
27.04.23

Pelo menos duas dezenas de colunistas que tentam salvar Lula e o PT de si mesmos repetem: “Lula errou nesse ponto (quer dizer, pontualmente) no caso da Ucrânia“. Não, não errou. Acertou de acordo com sua concepção.

Sim, Lula não errou em nenhuma de suas declarações sobre a Ucrânia. Acertou em todas, segundo a sua concepção. Que é exatamente a mesma concepção dos partidos populistas europeus (de direita ou de esquerda) que são pró-Putin. Ele não inventou nada. Repetiu. Poderia até assinar com eles uma declaração conjunta.

E não é só sobre a Ucrânia, mas também sobre as privatizações, sobre a autonomia do Banco Central e das agências reguladoras e sobre a contraposição entre responsabilidade fiscal e social. Sobre esses pontos, o governo Lula não está cometendo nenhum erro. É isso mesmo o que pensa a esquerda lulopetista.

Todavia, o caso da Ucrânia continua sendo o “erro” mais escandaloso porque Lula insiste em cometer os mesmos disparates, ou seja, em reafirmar suas concepções.

A declaração desastrosa mais recente (no momento em que escrevo este artigo) foi a entrevista ao jornal português Público. Respondendo ao jornalista que lhe perguntou sobre as violações dos direitos humanos na China (mencionando os campos de concentração de Xinjiang onde se pratica a tortura e a lei de segurança nacional imposta a Hong Kong), ele disse:

Todos os países do mundo têm problemas. Nós precisamos aprender a respeitar a autodeterminação dos povos. A China encontrou um jeito de resolver os seus problemas, e um jeito que permitiu que a China logo logo se transforme na primeira economia do mundo“.

É uma barbaridade do ponto de vista da democracia. É como se o progresso material justificasse a prisão, a tortura, a morte, as restrições das liberdades civis e dos direitos políticos. Ela revela o Lula nu e cru (sem a maquiagem dos passapanistas).

Mas antes, em entrevista à RTP portuguesa, Lula já havia voltado a falar:

É preciso construir uma narrativa que convença Putin e Zelensky de que a guerra não é a melhor maneira para resolver os problemas.”

Do jeito que Lula insiste em falar, parece que Zelensky optou pela guerra como modo de resolver os problemas. É falso. A Ucrânia foi invadida e está sendo massacrada pelas tropas do ditador russo. Para ela, a alternativa a resistir é desaparecer.

No tal “clube da paz“, proposto por Lula, além de EUA e União Europeia (que Lula considera, falsamente, como envolvidos na guerra), estão três regimes antidemocráticos (que seriam “neutros“): China (ditadura pró-Rússia), Índia e Turquia (ambas autocracias eleitorais, segundo a classificação do V-Dem, da Universidade de Gotemburgo). Ainda bem que – além do Lavrov, cachorro de Putin (“cachorro” no sentido de A revolução dos bichos, de George Orwell) – ninguém deu bola para esse disparate, a não ser por educação.

E antes, logo que chegou a Portugal, Lula mentiu mais uma vez. Reafirmou que os países da União Europeia que socorrem a Ucrânia entraram na guerra. Para exemplificar disse que se devolvesse as munições (do Leopard 2) recebidas da Alemanha, o Brasil entraria na guerra. É falso também. Segundo a ONU socorrer um povo agredido não é entrar em guerra.

Ora, todos sabem que não haverá paz na Ucrânia enquanto ela continuar sendo agredida. Cessar fogo, até pode ser. Para tanto, o invasor tem de se retirar do território ucraniano. O Brasil deveria estar empenhado nisso. Exigir a retirada das tropas invasoras do ditador Vladimir Putin. Para parar o atentado.

Ocorre que esta não é só a posição de Lula e sim do governo como um todo. O chanceler Mauro Vieira, presente na comitiva que foi a Portugal, afirmou em entrevista ao mesmo jornal português Público:

Nós nunca estabelecemos nenhuma condição prévia. O que queremos é que as partes se sentem e discutam possibilidades de paz“.

Ou seja, é oficial: o governo Lula não exige a retirada das tropas invasoras.

Repetindo o que já escrevi em outros artigos na Crusoé. A política externa do governo é a política externa do PT. E a política externa do PT é o PT. É nela que tudo se revela.

O que, porém, se revela?

Bem, em primeiro e último – poder-se-ia dizer, único – lugar, o que chamei de “antiliberalismo estrutural“.

A cabeça de Lula e do PT ainda funcionam na Guerra Fria. Por isso, seu namoro com as autocracias (como as que estão nos Brics, por exemplo) não é acidental e sim, digamos, “estrutural“.

O alinhamento (explícito ou in pectore) de Lula e do PT com Rússia, China, Índia, Irã (e certa simpatia dos seus militantes por Hezbollah e Hamas), Cuba, Venezuela, Nicarágua e Angola é consequência de um “antiliberalismo estrutural“. Ou seja, esse apoio preferencial às autocracias – contra as democracias liberais – não tem razões conjunturais (sobretudo econômicas) embora isso seja frequentemente usado como biombo para esconder opções políticas. É uma expressão do seu caráter político estruturalmente antiliberal.

Quer dizer, o pensamento lulopetista se estrutura (e é estruturado) pela ideia de que há uma (única) clivagem no mundo (que o define politicamente): os imperialistas e neocolonialistas, chefiados pelos Estados Unidos e representados pelos seus aliados europeus (da UE), asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan e Japão) e da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), com três exceções na América Latina imersa em populismos (Costa Rica, Chile, Uruguai) versus o países em desenvolvimento do chamado Sul Global, onde se destacam autocracias fechadas (como Cuba, China, Coreia do Norte), autocracias eleitorais (como Rússia, Índia e Irã) e democracias eleitorais parasitadas pelo populismo de esquerda (como Brasil, Bolívia, Argentina, México, Peru). Ou seja, para esse pensamento, exilado na primeira grande guerra fria, essas contraposições não são conjunturais, mas estruturais. Elas não mudam porque o mundo é (estruturalmente) assim (e só assim pode ser apreendido politicamente).

Como, de um lado, estão as democracias liberais, segundo o V-Dem (ou as democracias plenas, segundo a The Economist Intelligence Unit; ou os regimes livres do ranking da Freedom House), esse pensamento é antiliberal. Fundamentalmente, essa visão é contra a ideia (fundante da democracia liberal) de que democracia não trata propriamente da capacidade do governo de controlar (e conduzir e educar) a sociedade e sim, ao contrário, da possibilidade da sociedade de controlar o governo.

Todo o restante, todos os “erros” de Lula (e do PT), deriva daí.

Por isso que Lula e o PT, além de se alinharem às autocracias contra as democracias liberais, também se colocam contra tudo que diga respeito à autonomia da sociedade diante do governo (seja a autonomia do Banco Central e das agências reguladoras, sejam as privatizações e as normas para proteger as estatais do aparelhamento político-partidário, sejam as regras fiscais que limitam a gastança governamental etc).

Não há erro algum. Lula e o PT acertam em tudo: de acordo com essa visão.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. O destino do país repousa e oscila entre ignorantes prepotentes extremistas e despreparados, de esquerda e de direita… com a precária educação recebida, reação do povo e escolha inteligente só no dia de São Nunca!

  2. Concordo. O PT não erra porque faz exatamente o que quer. Não há ingenuidade alguma nesse tipo de opção, a despeito da incoerência.

  3. O Descondenado é e sempre foi um autocrata, ignorante, mentiroso, corrupto e incompetente. Seus comandados são a sua imagem e semelhança. Os estragos serão muitos depois que essa corja sair do poder.

  4. O que mais escandaliza é que a falta de conhecimento, estudos e ignorância de um alcoólatra é sempre endossada por gente de mais alto gabarito intelectual (diplomatas, ministros e gente de uma vida inteira de estudos e que joga o currículo na privada). E tudo, claro, para a execução de interesses escusos e inconfessáveis, sobretudo os pessoais financeiros. Essa é a face mais asquerosa da política.

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