Ninguém larga a emenda de ninguém
Eleições na presidência da Câmara e do Senado demonstram que partidos de esquerda e direita estão lado a lado quando os interesses são os mesmos
Pela primeira vez, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal caminham para terem candidatos únicos na disputa pelas presidências das duas Casas. Na primeira, Hugo Motta, líder do Republicanos, amealhou apoio tanto de partidos de esquerda como o PT, PSB e PDT quanto de direita, quanto o PL, PP e (quase certo) União Brasil. No do Senado, a Davi Alcolumbre (União) reuniu PT, PL, PP, União e PSD no mesmo barco.
A antecipação da definição das Mesas Diretoras mostra que a classe política entendeu ser melhor deixar de lado as disputas políticas e ideológicas, defendendo os valores de seus eleitores, em prol de uma paz coletiva que beneficia a todos os que detêm mandatos em Brasília.
Esse modo de encarar o trabalho no Congresso tem muito a ver com a ascensão do Centrão.
Na cartilha do Centrão, os presidentes das duas Casas devem ser poderosos e saber negociar com todos do começo ao fim do mandato. Nesse método, todos os que aderem são beneficiados, sem prejuízo de ninguém.
Um exemplo costumeiramente citado pelos parlamentares para defender a necessidade de presidentes poderosos é a eleição da Mesa Diretora da Câmara, em 2005.
A disputa terminou com a eleição de Severino Cavalcante, do PP. Mesmo sem o suporte do seu partido, ele desbancou a candidatura governista de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) após um racha interno no partido do presidente Lula.
Sem um acordo dentro do PT (além de Greenhalgh, Virgílio Guimarães também disputou o posto), o azarão Cavalcante conquistou a cadeira mais importante da Câmara.
A gestão de Cavalcante, contudo, foi marcada por escândalos – sendo o mais notório deles o mensalinho do restaurante da Câmara. O deputado foi acusado de cobrar 10 mil reais por mês de Sebastião Buani, o então dono do estabelecimento. Em setembro daquele ano, Severino foi obrigado a renunciar ao cargo e ao mandato.
Esse episódio é frequentemente usado pelos parlamentares como uma lição sobre como não se deve entregar a cadeira a alguém sem expressividade.
O momento de maior projeção do Centrão veio em 2013, com o ex-deputado Eduardo Cunha. Na época, no MDB.
Cunha viu nas idiossincrasias do governo Dilma Rousseff (PT) uma oportunidade de ressuscitar o Centrão, um grupo de parlamentares conhecido pela falta de propostas, mas com um apetite enorme por cargos, emendas e poder.
Graças a seu trânsito entre financiadores de campanha eleitoral (é importante lembrar que o Brasil ainda vivia o período do financiamento privado), Cunha ganhou a simpatia de seus colegas e se elegeu em primeiro turno.
Sua vitória foi um marco. Cunha derrotou o candidato da base governista, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que recebeu 136 votos, e acabou de uma vez por todas com uma velha prática entre os deputados que disputavam o cargo: a distribuição de dossiês atacando adversários. Foi a primeira vez que o Centrão, como um todo, reuniu-se em torno de um candidato.
Cunha, no entanto, não chegou ao final do mandato. Atingido pela Lava Jato, sucumbiu em 2016.
Mas, claro, o Centrão continuou sem Cunha. Quem garantiu a unidade do grupo na sequência foi Rodrigo Maia, que assumiu a cadeira uma semana após o Supremo Tribunal Federal ter suspendido o mandato de Cunha.
A votação de Maia foi uma das mais rápidas da história da Casa: 32 minutos. Ele foi reeleito em 2017 e em 2019, aproveitando-se de uma brecha no regimento interno da Casa.
O fim da era Maia trouxe um gosto amargo ao parlamentar: o ostracismo. Daí os parlamentares tiraram outra lição, que agora é seguida à risca por Arthur Lira: o presidente de Câmara precisa manter sua influência até o fim, garimpando espaços para ele e para os seus sucessores.
É a partir dessas premissas que Lira tem trabalhado. E, no mais genuíno espírito do Centrão, ele parte da premissa de que todos devem ganhar para ninguém perder, nem os adversários.
Ao apoiar Hugo Motta, PT e PL têm objetivos distintos, mas que convergem para a candidatura do líder do Republicanos.
O PT quer uma vaga do Tribuna de Contas da União, o TCU.
O PL almeja o comando de pelo menos cinco comissões importantes ou um assento na Mesa Diretora.
O União Brasil, ao abdicar da candidatura de Elmar Nascimento, deve comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Assim, cada um tem seu interesse contemplado, embora publicamente vivam às turras e incentivem os eleitores a perpetuar os embates.
“Se o PL não fizer qualquer tipo de aproximação com candidatos do Centro, o PL vai ficar isolado. O que isso significa? O PT vai falar com o Centro, vai fazer um bloco com mais deputados federais que o PL, eles vão escolher as comissões mais importantes e isso vai congelar qualquer iniciativa da nossa parte”, escreveu nas redes sociais o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No Senado, o jogo é semelhante. O presidente Rodrigo Pacheco (PSD) quer manter a influência para os próximos dois anos e, quem sabe, se cacifar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Por isso, Pacheco tem trabalhado intensamente pela candidatura de Alcolumbre. Mantém essa postura mesmo contra uma candidatura de sua colega de partido, Eliziane Gama, que tenta ganhar apoio de outras parlamentares, como Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Tanto PT quanto PL já endossaram a candidatura de Alcolumbre. O PT tem o aval de Lula nesse movimento. O PL, de Jair Bolsonaro.
“Nós entendemos que, neste momento, estrategicamente é importante ter um posicionamento do Partido Liberal para que haja um respeito à proporcionalidade, à ocupação das comissões permanentes que vão nos permitir trabalhar pautas importantes”, disse o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, em coletiva de imprensa.
“Tenho uma preferência pessoal por apoiar Davi Alcolumbre, em reconhecimento a tudo o que construímos e ao apoio firme que ele me ofereceu naquele momento”, disse Rodrigo Pacheco a jornalistas, sobre seu apoio à candidatura de Alcolumbre.
A história recente da política brasileira tem mostrado que a briga por espaços não beneficia os parlamentares que ficam de fora dos conchavos.
Sendo assim, eles preferem se unir, ainda que para isso seja necessário desconsiderar totalmente os motivos pelos quais os eleitores votaram neles.
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