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O cinema e a concorrência da internet

Filmes do grego Yorgos Lanthimos são um TikTok de segunda mão

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Josias Teófilo
4 minutos de leitura 20.09.2024 01:00 comentários 0
Emma Stone em "Tipos de Gentileza": dancinha de Tik Tok - Foto: Reprodução/Youtube

Primeiro veio a televisão a concorrer com o cinema. Na década de 1950, os grandes estúdios entraram em crise, a televisão começou a atrair cada vez mais o público, que podia assistir aos programas no conforto do lar. 

Naquele contexto, a solução foi inovar tecnologicamente. Foi inventado, por exemplo, o Cinerama (que combinava três telas de cinema, filmadas por três câmeras, produzindo uma imagem panorâmica). Nas décadas seguintes, os grandes estúdios apostaram em cineastas jovens, com uma linguagem mais autoral – nascia assim a prestigiada Nova Hollywood. 

Mas a televisão não parou de evoluir, inclusive no formato do cinema: tornou-se um pouco mais panorâmica, no formato hoje padrão no cinema, 16:9. A qualidade do que é feito para a televisão cresceu muito no começo deste século e séries como Sopranos, The Wire, Breaking Bad (essas três feitas em película 35mm), Mad Men e outras, elevaram o padrão artístico. 

Hoje não é exagero dizer que as séries têm tomado a dianteira e inventado modas que depois são copiadas nos filmes – o que inverteu a ordem natural das coisas.

Mas aí o negócio se complicou ainda mais: veio a concorrência da internet e toda a sua dinâmica diferente, muito mais rápida, com excesso de cortes, que tornou obsoleta até mesmo a televisão.

Nunca esqueço do vídeo de William Bonner no Jornal Nacional pedindo para as pessoas filmarem com seus celulares na horizontal e não na vertical – o que facilitaria a difusão dos vídeos na televisão. Suponho que o pedido não teve efeito, as pessoas continuaram filmando na vertical – até porque o destinatário final são outros celulares, e não a TV. 

Com a febre do Tik Tok e Reels, as pessoas – especialmente os mais jovens – ficaram viciados em vídeos curtos, com muitos cortes, legendados e com efeito emocional imediato.

Nesse contexto, a linguagem cinematográfica tornou-se obsoleta? 

Noto que os filmes têm tentado emular a linguagem dos vídeos curtos da internet. Foi essa impressão que tive ao ver trailers de obras recentes, como A Substância, de Coralie Fargeat, e os últimos dois filmes de Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas e Tipos de Gentileza): os cortes frenéticos, a necessidade de produzir um efeito emocional imediato em cada plano, as estranhezas programadas, as tiradas que parecem memes. No filme Tipos de Gentileza tem até uma dancinha de Emma Stone que parece feita no Tik Tok. 

Existe outra tendência, essa mais à direita, de chamar de documentários o que na verdade são infoprodutos. Feitos com imagens baixadas da internet, geralmente sem licenciamento, e lançados na própria internet, esses produtos têm linguagem sensacionalista e tratam de temas atuais. A produtora Brasil Paralelo se especializou em fazer esse tipo de produto. Nesse caso é a internet emulando o cinema e não ao contrário. 

O fato é que a internet tem concorrido com o cinema e o cinema precisa lidar com isso de alguma forma. Emular a linguagem da internet não é um caminho, o cinema não pode ser um Tik Tok de segunda mão – como são os filmes de Yorgos Lanthimos.

O caminho, a meu ver, é o cinema se aprofundar no que ele tem de específico. Para isso, é importante agregar valor aos filmes, voltando a filmar em película, com trilhas originais gravadas por instrumentos de verdade, bons roteiros, filmes bem decupados e lançados no cinema. 

Josias Teófilo é cineasta, escritor e jornalista

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

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