RuyGoiaba

Me dá um ministério aí

25.11.22

Olá. Como vão vocês? Comportaram-se direitinho na minha ausência? Não cantaram o hino nacional para um pneu nem nada disso? Muito bem. Meu programa de férias foi pegar Covid, depois de dois anos e oito meses de invencibilidade: não recomendo, mas agradeço aos céus e à ciência por não ser um dos quase 700 mil brasileiros que não ficaram para contar a história.

Falando em brasileiros, devo ser um dos três ou quatro que não foram convidados para algum cargo nos grupos de transição de Lula — ainda: estou aqui na expectativa de acordar um dia e, como o Gregor Samsa do Kafka, descobrir que fui transicionado. Suspeito que todos nós, para atualizar mais uma vez aquela frase do Andy Warhol, vamos fazer parte de algum grupo de transição por 15 minutos; só espero não cair no mesmo do Alexandre Frota, que alguém já chamou de “grupo de transação”. Também acho que Sua Lulidade vai tomar posse e a tal transição vai continuar: logo vem o Carnaval, depois a Semana Santa, o governo já emenda todos os feriados com a transição para o mandato seguinte (se é que haverá um Bananão no fim do túnel) e vamos que vamos.

(Entre parênteses, que sensação satisfatória Jair Bolsonaro nos proporciona quando cala a boca: nessa condição, o presidente é um poeta, como diria seu aliado Romário. O PL ainda está tentando melar a eleição com aquela auditoria fajuta das urnas, desocupados de verde e amarelo ainda estão choramingando na frente dos quartéis e/ou bloqueando estradas, mas pelo menos a gente não tem que cobrir motociata e acompanhar todas as coisas cretinas ditas nas lives ou no cercadinho como se tivessem alguma relevância. Bolsonaro já não gostava de governar mesmo; pelo menos por enquanto, parou de fazer teatrinho.)

Agora, claro, o problema vai ser Lula conseguir dar carguinho para todo mundo que está louco por um carguinho — a começar pelos petistas, que estão voltando ao pudê com aquela fome de anteontem. Não precisa nem ser diretoria de furar poço na Petrobras, que o pessoal já se estapeia. Nesta semana, por exemplo, ficamos sabendo que o Ministério dos Povos Originários proposto pelo petista durante a campanha não agrada a todo mundo: alguns indígenas querem um ministério em separado porque têm “legislação diferenciada”, disse a deputada Joênia Wapichana. O Antagonista relata que o Brasil “tem catalogados 28 povos e comunidades tradicionais. Além dos indígenas (que por si sós se dividem em 305 grupos e etnias diferentes), os quilombolas, ciganos e pescadores artesanais, povos de terreiro e quebradeiras de babaçu integram a classificação”.

O negócio é inventar logo um ministério para cada grupo: poderia haver uma Secretaria Especial das Quebradeiras de Babaçu dentro do Ministério dos Povos Originários, claro, mas o status de ministro fará qualquer pessoa se sentir mais especial e diferenciada. Puxa vida, se até um Guido Mantega foi ministro — e aliás passou anos no cargo, dando sua contribuição valiosa para afundar o Bananão —, por que não você e eu, leitor? Nesta terra abençoada, o sarrafo é baixo: nem para ser presidente é preciso passar incólume pelo mata-burro.

Enfim, coloquem aí uns 600 ministérios para atender aos interesses de cada grupo organizado — e dos desorganizados também. Como garantem os gênios economistas do PT, dinheiro não é problema: basta o governo imprimir mais. Registro aqui que já estou levantando a mão para assumir o Ministério do Vai dar Merda, o único que me permitiria ser pago pelos contribuintes para meter o pau nos poderes constituídos: mas esse, que é talvez o mais necessário de todos, acho que Lula não vai incluir nem como subsecretaria dos tais 600 ministérios.

***

ERASMO CARLOS (1941-2022)

“Sou uma Criança, Não Entendo Nada”, um dos maiores sucessos solo de Erasmo Carlos — que nos deixou na última terça-feira (22), aos 81 anos — é, no fundo, uma ideia semelhante à da letra de “Help!”, dos Beatles, com um narrador que transita da segurança da infância às múltiplas inseguranças do mundo adulto. A diferença é que, enquanto John Lennon pedia socorro, Erasmo exercia a sua sabedoria zen-tijucana: a vida é assim mesmo, passamos por ela sendo sempre essas crianças que não entendem nada, bola para a frente. “Com a alma atarantada” e tudo, o parceiro de Roberto Carlos certamente se divertiu (e nos divertiu) um bocado no longo caminho que fez. Rest in peace, Erasmo.

Zanone Fraissat/FolhapressZanone Fraissat/Folhapress O Tremendão da Jovem Guarda, também conhecido como Gigante Gentil

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