Adriano Machado/Crusoé"O governo já não tem dado mais tanta barrigada por aí"

“O ruído está sendo superado”

Às vésperas da votação da reforma da Previdência na CCJ, o presidente da comissão defende que o Planalto converse mais com os deputados e diferencie os que “têm bons objetivos” da “minoria que não tem”
11.04.19

Em um churrasco no Paraná em outubro do ano passado, logo após sua primeira eleição para deputado federal, Felipe Francischini disse a amigos e aliados: vou ser o próximo presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A maioria riu. Achava que um deputado de 27 anos de idade, e em primeiro mandato, jamais conseguiria presidir a comissão mais importante da casa. Felipe ignorou. E passou a estudar o perfil de cada um dos 52 deputados eleitos pelo seu partido, o PSL, que poderia reivindicar o comando da CCJ por ter a maior bancada. Analisou o eleitorado, a região em que cada um havia sido mais votado e a área de atuação de cada um dos correligionários. Com as informações na cabeça, passou a ligar para os colegas pedindo apoio.

Àquela altura, a deputada Bia Kicis, do PSL do Distrito Federal, propagava pelos quatro cantos que tinha o apoio de Jair Bolsonaro para assumir o posto. Isso acabou ajudando o paranaense, que conquistou apoios também fora do PSL, justamente com o discurso de que não era o candidato do Palácio do Planalto. Antes de ir para Câmara, Felipe havia cumprido um único mandato como deputado estadual pelo Paraná, entre 2015 e 2019. Até então, só ia a Brasília para visitar o pai, o delegado da Polícia Federal Fernando Francischini, que era deputado federal. Na última eleição, os dois trocaram de lugar. Fernando, que queria ficar mais no estado porque pretende disputar a Prefeitura de Curitiba em 2020, agora despacha na Assembleia Legislativa do Paraná.

Formado em direito, Felipe Francischini sempre focou sua atuação na área de segurança, a exemplo do pai. A pauta o aproximou da família do hoje presidente Jair Bolsonaro. Entre um cigarro e outro (ele fuma, em média, dois maços por dia), o presidente da CCJ falou a Crusoé na última quarta-feira. Disse que falta uma “habilidade mais aguçada” da equipe de articulação política do Planalto, cobrou ações mais coordenadas, mas observou que, de duas semanas para cá, a relação do palácio com o Congresso tem melhorado. “Pelo menos o diálogo está fluindo de maneira mais tranquila. O governo já não tem dado mais tanta barrigada por aí”, afirmou. Eis os principais trechos da conversa:

A articulação política do governo está ruim mesmo ou o que se viu na audiência com o ministro Paulo Guedes foi um acidente de percurso?
É um processo muito natural que tem acontecido, na minha visão. Bolsonaro ganhou a eleição com apenas dois partidos, o PSL e o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão. Geralmente, no Brasil, quando um presidente se elegia tinha dez, quinze partidos ao lado dele. O ato de sair da eleição e sentar na cadeira presidencial era muito fácil quando se trazia tantos partidos para dentro da base do governo, com a distribuição de ministérios, com indicações políticas. Com  Bolsonaro foi diferente: já houve uma ruptura. No caso da construção da base no Congresso, o que aconteceu? Na primeira semana, já chegou a PEC da Previdência, que é uma proposta bastante polêmica. Vários fatores ajudaram a fazer com que a articulação inicial fosse muito difícil. É claro que falta uma habilidade mais aguçada da equipe que foi montada na articulação política. Não que eles não sejam boas figuras, mas falta uma ação integral, uma coordenação maior. Mas tenho percebido que, de duas semanas para cá, tem melhorado bastante essa relação. Acho que as coisas estão se assentando um pouco no Congresso. Pelo menos o diálogo está fluindo de maneira mais tranquila. O governo já não tem dado mais tanta barrigada por aí. É preciso que se comece a distinguir quem tem bons objetivos da minoria que não tem.

Qual é o real motivo do incômodo dos parlamentares com o presidente? É falta de cargo, de emendas, de atenção?
Na experiência brasileira, o Legislativo sempre entendeu que era uma prática natural fazer indicações políticas para o Executivo. Tem governo que abre para a corrupção, tem governo que não abre. Mas sempre foi um processo natural na construção da política brasileira. Quando o presidente Bolsonaro entra e tenta fazer uma ruptura nesse sistema, querendo mudar alguns critérios, é claro que há um certo desconforto com a mudança. Só vejo que muitos parlamentares ficaram, talvez, um pouco irritados com algumas posturas, não do presidente, mas do governo como um todo, de tentar criminalizar ou tentar colocar como se essas indicações fossem sempre uma prática ilícita. Essa relação está sendo recosturada agora. Muitos parlamentares hoje nem querem indicar para cargos no governo. Querem ser atendidos pelos ministérios, para levarem seus prefeitos, governadores. Querem ter portas abertas junto ao presidente para poder levar questões de projetos de lei. Agora o governo também dá a entender que abrirá (a possibilidade de indicações), com currículo, com pessoas técnicas, obedecendo a muito critério e controle. Não será mais como antigamente, quando se loteava ministério O presidente está implementando esse processo de mudança. O discurso inicial gerou esse ruído, mas está sendo superado.

O líder do governo, Major Vitor Hugo, enfrenta resistências até mesmo dentro do PSL. Uma eventual saída dele poderia melhorar a articulação política?
Acredito que a troca não altera. No começo da nossa legislatura, havia muitas críticas ao Major Vitor Hugo. Expus isso a ele. Vejo que o desgaste criado no início é justamente decorrente desse processo natural de que falei, que é o da construção de uma base que não existia, de ruptura de um sistema de distribuição de cargos. Qualquer líder do governo teria um problema muito grande diante dessa ruptura, porque até as coisas se ajeitarem, é um processo difícil.

O bate-cabeça dentro da bancada do PSL pode atrapalhar?
O PSL era um partido que tinha um deputado federal e passou a ter 55, na conta de hoje. Geralmente, o partido do presidente, do governador ou do prefeito tem uma forte relação com o Executivo. Nesse caso, não acontece. Todos os nossos deputados são alinhados às pautas do presidente Bolsonaro. No entanto, o presidente nunca foi um dirigente partidário. Ele nunca exerceu comando formal sobre essas pessoas. Muitos deputados foram conhecer o presidente após a eleição. Concordavam com ele, defendiam, mas foram conhecer depois. No início, havia muito bate-cabeça dentro do PSL, havia muita divergência em pontos nevrálgicos. Hoje, vejo que está havendo um consenso maior, um direcionamento de ações mais efetivo que não demonstramos na sessão da leitura do parecer (da PEC da reforma da Previdência), mas acredito que isso vai ser corrigido com o tempo.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Sou favorável ao parlamentarismo. No entanto, não é uma transição fácil”
A oposição tem feito bastante barulho na CCJ. O governo terá muita dificuldade na votação da reforma da Previdência na comissão?
A oposição faz o seu papel. Se você analisar historicamente, em projetos como reforma da Previdência, como reforma tributária, a oposição sempre vem com argumentos veementes, com uma postura mais rígida, cobrando aspectos do regimento interno que às vezes nem estão no regimento. Eles querem, às vezes, sobrestar essas discussões para ensejar um debate maior. Então, encaro com muita naturalidade a oposição fazer todas esses questionamentos e até um pouco de barulho na comissão. No entanto, espero que o governo e a oposição façam um acordo para haver menos obstruções na votação. O acordo não depende de mim, e sim da liderança do governo com a liderança da oposição. Se não houver acordo, claro que as cenas de ontem (terça-feira, 9) se repetirão, com muito debate, muita discussão e, eventualmente, a suspensão da sessão por alguns minutos. Mas, se acontecer o acordo, tudo será diferente.

Há possibilidade de a proposta ser alterada já na CCJ?
A chance sempre existe. No entanto, em uma questão de ordem que respondi, deixei assentado o precedente aqui da Câmara de que não se admite destaque em proposta de emenda à Constituição, muito menos emenda supressiva. O que pode acontecer é, no parecer do relator, ele retirar alguns trechos em virtude de desconformidade com a  Constituição. Então, caso a comissão entenda que isso deve acontecer, ou o relator vai mudar seu relatório para prestigiar o entendimento, ou podem fazer outro relatório paralelo e aprovar esse relatório. É possível a modificação. Não por emenda, mas apenas via texto do relator. Não acredito que vai acontecer.

Outros temas polêmicos passarão pela CCJ, entre eles, uma proposta do senador José Serra para implementar o parlamentarismo no país. O que pensa sobre isso?
Sou favorável ao parlamentarismo. De todos os estudos que fiz, acredito que é o sistema mais adequado. Não é, porém, uma transição fácil. Qualquer discussão sobre parlamentarismo tem que ser com muito pé no chão, com muita responsabilidade. Sou favorável, desde que coloque alguns limites e nuances brasileiras dentro do parlamentarismo.

A proposta de José Serra prevê a mudança já a partir de 2022.
Acho muito cedo. Na minha visão, que pode não ser a visão da comissão, uma transição de dois ou três mandatos seria mais adequada.

Outro tema que poderá passar pela CCJ é a prisão após condenação em segunda instância. O senhor é favorável?
Sou favorável. Na nossa reunião na CCJ, inclusive, alguns deputados pediram para eu designar logo um relator. O relator antigo era o deputado Rubens Bueno. Vou avaliar essa questão. Os deputados são favoráveis, em sua maioria, à prisão após condenação em segunda instância, mas têm a certeza de que isso precisa ser feito por proposta de emenda à Constituição, e não por projeto de lei. É algo que vamos analisar depois da reforma da Previdência.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Em qualquer país que tem legislação coerente, os impostos são unificados”
Também há uma discussão na Câmara sobre criminalizar o caixa 2. Se a criminalização passar, os deputados tentarão anistiar quem recorreu a essa prática no passado?
Não vejo uma anistia como algo possível, até porque que isso já foi tentado em anos anteriores e a discussão foi retirada, por pressão da opinião pública. Sempre digo que concordo com o objetivo do ministro Sergio Moro de combatar o crime e a corrupção, mas acho que o assunto do caixa 2 tem que ser bem estudado para que não cometamos nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

O que seria cometer ilegalidade ou inconstitucionalidade?
Temos que analisar primeiramente a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre essa questão da Justiça Eleitoral e da Justiça comum. Depois, temos que analisar tudo que já foi feito no Brasil e quais seriam os reflexos disso em termos de ampla defesa, de contraditório, quanto a essas pessoas que cometem crimes na área eleitoral. É um tema sobre o qual ainda não formei uma convicção mais forte, porque acredito que tem que ser mais elucidado.

Concorda com a decisão do Supremo de transferir os processos para a Justiça Eleitoral?
A priori, fui favorável, mas não estou fechado a uma possível discussão. Há projetos que já estão tramitando na Casa. A deputada Bia Kicis (do PSL) é uma que tem trabalhado muito essa questão. E outros deputados querem, passada a Previdência, começar a discutir a revisão dessa decisão do Supremo.

A PEC da reforma tributária também deve passar pela comissão que o sr. preside. Acha que será uma discussão mais fácil?
Claro que reforma tributária nunca é um tema fácil, porque há interesses de todos os lados. Mas acredito que é um debate que o Brasil espera há décadas. O brasileiro não aguenta mais político prometer reforma tributária e não concretizar a votação dessa reforma. Minha prioridade na CCJ, passada a Previdência, com certeza será estar atento à PEC tributária, para poder designar um relator que tenha conhecimento jurídico e tributário ao mesmo tempo, a fim de avançarmos logo e mandar para a comissão especial começar a analisar. Sou favorável à unificação de impostos. Em qualquer país que tem uma legislação coerente, os impostos são unificados, não há tantos impostos como no Brasil. Hoje no Brasil quem mais paga tributo sobre sua renda é o pobre. O pobre contribui com mais de 50% do que ganha. Temos que fazer uma reforma que seja justa para todos, mas que também simplifique a vida do empresário, desburocratize e que possa, na medida do possível, reduzir a carga tributária como um todo.

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500
  1. Esse parlamentar é um Político de P maiúsculo!!! Tomara que consiga - junto com seu staff- levar adiante essa postura de renovação que o Brasil tanto precisa e de ser uma potência mundial!!!

  2. Só não entendi por que a entrevista dada à Crusoé não foi publicada na íntegra, mas somente "principais trechos da conversa".

  3. Precisamos saber que "conversa" é essa que ele quer que o Planalto tenha com os deputados. Pelo certo, o Planalto não precisaria "conversar" nada , pois é obrigação desses deputados aprovarem os projetos de interesse da Nação.

  4. Este garoto vai longe. Gostei como levou os varios assuntos com clareza. Na parte da implementacao do parlamentarismo, indiscutivelmente teria que se iniciar nos municipios (formando uma regiao de 20 mil a 40 mil habitantes), esta regiao elegeria seus parlamentares. Os parlamentares elegeriam seu prefeito. As grandes densidade demograficas teriam suas regioes de 100 mil habitantes ou mais. Se este modelo der resultado, criase as macro regioes substituindo os estados, macro com 10 milhoes habitan

  5. O recado, embora meio ensebado, é claro: não passa criminalização de caixa 2, não passa prisão em 2a. Instância, não passa retirar competência da justiça eleitoral sobre crimes conexos de caixa 2 e corrupção. Pelo menos, não no que depender desse jovem.

  6. boa entrevista. o moço apresenta um perfil muito bom. vamos prosseguir e esperamos aprovação das reformas e de um novo Brasil

  7. Muito bla-blá-blá para INFLAR um cara que herdou do pai a cadeira no Congresso e foi feito de peteca pelas coleguinhas barulhentas. Já manchou a imagem inicial de LIDER com futuro promissor... Acaba de ‘amarelar’ para o Maia e o Centrão.

  8. Não resistiu à pressão do Maia e do Centrão e voltou atrás na cronologia da votação da Reforma da Previdência, passando o tal Orçamento Impositivo (aquele que o Maia desenterrou de birra para desmoralizar o Capitão) na frente. Bem que tentou bancar o macho, mas já dobraram a espinha dele, coitado.

  9. A postura dele na CCJ é diferente do que o texto aparenta querer mostrar. Precisa de mais firmeza. E repórteres, por favor: revisem o português antes de publicar a matéria. Obrigado.

  10. Demonstrou estar bem alinhado aos bons objetivos para um Brasil melhor para todos. Pena que, aparentemente, não demonstre firmeza nas sessões da CCJ.

  11. A entrevista dele deixa uma boa impressão e prova que idade não é nada quando se quer fazer e se prepara. Tem futuro e espero que seja no Parlamento.

  12. Achou ele muito fraco...essa fileira de mulheres vermelhas estão aí na frente para atrapalhar o máximo possível, deveriam ser expulsas da sessão

  13. Esse jovem deputado é a prova mais eloquente que conhece de que, não é o fato de ser jovem, que se possa ser inteligente e capaz de dirigir uma comissão de tamanho valor como é o caso da Comissão de Constituição e Justiça. Parabéns deputado.

  14. Entrevista interessante, que consiga lidar com a oposição e tenha sucesso em seus pensamentos. Ainda é cedo para avaliar sua postura, mas parece que tem sede de fazer muita coisa.

    1. É... ele parece firme em sua posição, espero que continue assim

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