Matheus Lima/Vasco via FlickrAnota mais três pontinhos na conta do pai, porque a Barreira já virou baile

Que o Coutinho voltou, querendo demais, anota…

…mais três pontinhos na conta do pai. A Barreira vai virar baile e de uma hora para a outra todo mundo virou vascaíno
19.07.24

É irresistível. A torcida do Flamengo está cantando. A do Fluminense, a do Corinthians… “Se tem jogo do Vascão, pra Barreira logo eu vou. Vai ferver o Caldeirão, os ingressos já ‘esgotou’. Com o Pirata é tiro certo, foi o Payet quem falou”, diz a música cantada por MC Darlan e Miguel Misso, o “Blogueirinho da Colina”, de 11 anos.

A música segue assim: “Que o cria tá vindo aí, o Pedrinho já confirmou que o Coutinho voltou, querendo demais. Anota mais três pontinhos na conta do pai. A Barreira vai virar baile”. A letra é de Lucas Misso, irmão de Miguel, e a melodia é inspirada em “Se quer cair com o popô”, de MC Rodrigo do CN.

A Barreira que vai virar baile é uma favela próxima ao estádio de São Januário, onde o Vasco manda seus jogos. O Coutinho é Philippe, cria da base do alvinegro carioca que volta do exterior após passar por clubes como Liverpool e Barcelona, e Pedrinho é o ex-jogador que se tornou presidente do clube.

Pirata é o atacante argentino Pablo Vegetti, que celebra seus gols cobrindo um dos olhos, Payet é o renomado francês que sabe-se lá como veio parar no Vasco, e a música é ruim mesmo. Mas, ao mesmo tempo, nem os torcedores adversários conseguem evitá-la — e alguns flamenguistas não resistiram a passar o recibo de criar paródias para exaltar o rubro-negro (nenhuma colou).

“A música? Representa ela tudo o que existe de semi-articulado, de duvidoso, de irresponsável, de indiferente”, diz Lodovico Settembrini ao jovem Hans Castorp na mítica Montanha Mágica, de Thomas Mann.

O italiano do sanatório em Davos-Platz segue, no que pode servir de aviso para a torcida vascaína, que vê o time escapando da zona de rebaixamento no Brasileirão após os sustos do início da temporada:

“O senhor talvez me objete que ela [a música] pode ser clara. Mas também a Natureza pode ser clara; também um arroio o pode ser, e de que nos adianta isso? Não é essa a clareza verdadeira; é uma clareza sonhadora, despida de significação, uma clareza que a nada obriga nem chega a ter consequências; é perigosa porque induz a gente à complacência satisfeita…”.

Na lição de Settembrini para Castorp, está uma explicação para o poder hipnótico de “A Barreira vai virar baile”: Suponhamos que a música tome uma atitude de magnanimidade. Bem, nesse caso, ela inflamará os nossos sentimentos. No entanto, o que importa é inflamar a nossa razão. Aparentemente a música é toda movimento, e contudo suspeito nela o quietismo. Permita que eu leve a minha tese ao exemplo: tenho contra a música uma antipatia de caráter político”.

Segundo a personagem italiana, “a música é inestimável como meio supremo de produzir entusiasmo, como força que faz avançar e subir, mas só para pessoas cujos espíritos já estejam preparados para os seus efeitos”. “Porém, é indispensável que a literatura a preceda. Sozinha, a música não é capaz de levar o mundo avante. Para a sua pessoa, meu caro engenheiro, ela representa indubitavelmente um perigo. Isto verifiquei logo ao chegar, na sua fisionomia”, completa.

A música desperta o tempo; desperta a nós, para tirarmos do tempo um gozo mais refinado; desperta… e portanto é moral. A arte é moral na medida em que desperta. Mas que sucede quando ela faz o contrário? Quando entorpece, adormenta, estorva a atividade e o progresso? Também disso a música é capaz; sabe perfeitamente agir como ópio. Uma influência diabólica, meus senhores! O ópio é uma obra do Diabo, porque causa apatia, estagnação, passividade, inatividade servil… Há na música um elemento perigoso, senhores. Insisto no fato da sua natureza ambígua. Não exagero ao declarar que ela é politicamente suspeita”, decreta Settembrini.

Dito isso, o fato é que o Coutinho voltou, querendo demais. Anota mais três pontinhos na conta do pai, porque a Barreira já virou baile.

 

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. 1 - VASCO!; 2 - Setembrini cumpre seu papel no livro de mentor intelectual revolucionário de Castorp, mas ninguém que denigre a virtude da música merece minha admiração, os parágrafos citados não foram os únicos que me fizeram detesto personagem; 3- ainda que vista branco e preto, o alvinegro carioca é o Botafogo, o Vasco referimos só como cruzmaltino

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