Operação Lava Dirceu
Arquiteto do mensalão e do petrolão ensaia retorno com apoio de petistas e do Centrão
Em um discurso no Senado na terça, 2, o petista José Dirceu mostrou que não mudou uma vírgula em suas ideias desde os seus tempos de líder estudantil em São Paulo, no final dos anos 1960. Treinado em Cuba, ele disse que o país precisa de uma revolução: “Nosso papel para consolidar a democracia brasileira é fazer uma revolução social no Brasil”. Dirceu afirmou que há uma guerra contra o povo palestino, defendeu as ditaduras de Cuba e da Venezuela, atacou os militares e fez loas à “classe trabalhadora”. A novidade não estava no conteúdo de sua fala, mas no seu gesto. Ao pisar no Congresso, dezenove anos depois de ser cassado, Dirceu mostra que quer voltar para a política, com apoio da esquerda e do Centrão. Estrategista, dominador e com seu próprio séquito animado, José Dirceu é o homem que pode chacoalhar a hierarquia do partido, mas com zero chance de definir um rumo para a esquerda atual.
Na sua fala, Dirceu lembrou do último dia em que ainda gozava de mandato. “Desde a madrugada de 1º de dezembro de 2005, quando a Câmara dos Deputados cassou o mandato que o povo de São Paulo tinha me dado pela terceira vez, nunca mais voltei ao Congresso Nacional”, disse ele. Naquele ano de 2005, Dirceu confidenciou a amigos sua frustração com o presidente Lula, que nunca teria agradecido pela sua ajuda valiosa. Dirceu foi o principal operador do mensalão, o esquema de compra de votos que garantiu apoio ao governo no Congresso. Mas, em vez de responsabilizar Lula, Dirceu aguentou o baque em silêncio. “Sei que vou levar uns dois anos para me recuperar politicamente, mas vou me recuperar. Tenho forças, já aguentei tranco pior. Vou aguentar mais esse. É por isso que estou calado, não adianta falar agora”, disse ele em entrevista ao jornal O Globo, na época de sua cassação.
Sem se voltar contra Lula ou contra o partido, Dirceu afastou-se da política e passou a se preocupar em ganhar dinheiro, abraçando o capitalismo de camaradas. Ele abriu a JD Assessoria e Consultoria, com suas iniciais, e tornou-se o lobista mais influente do Brasil. Entre os seus clientes estavam o magnata mexicano Carlos Slim, o empresário Eike Batista, as empresas Vale, Ambev, Odebrecht e OAS. Ele intermediou contratos no Peru, na Colômbia e em países da África. Mas o avanço do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, STF, foi progressivamente fechando as portas para ele. Dirceu ainda começou a ser hostilizado em lugares públicos. Quando finalmente foi condenado a sete anos e onze meses de prisão no mensalão por corrupção ativa, havia poucos petistas segurando sua mão. Mais tarde, suas atividades como lobista o envolveriam no escândalo do petrolão, pelo qual pegou mais dez meses de cana. Nas planilhas da Odebrecht, ele aparecia como tendo recebido 13 milhões de reais entre 2008 e 2012. Seu codinome era “Guerrilheiro”. Outras condenações se seguiram. No total, Dirceu foi preso quatro vezes entre 2013 e 2019, ficando 52 meses em regime fechado ou com tornozeleira eletrônica, segundo suas próprias contas.
É preciso apenas fazer uma ressalva aqui. Dirceu sempre contou com a solidariedade de um grupo seleto de seguidores fiéis. Entre eles está o ministro do STF Dias Toffoli. Quando comandava a Casa Civil no governo Lula, Dirceu o promoveu a subchefe de Assuntos Jurídicos de sua pasta. Em retribuição, Toffoli foi quem, em 2018, solicitou e conseguiu a libertação de Dirceu na Segunda Turma do STF, com os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Outros que integram esse grupo próximo são os escritores Fernando Morais e Paulo Coelho, além do Breno Altman, que ganhou notoriedade nos últimos meses ao espalhar antissemitismo nas redes sociais. A lista também inclui os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas.
Essa turma nunca o abandonou. Mas, há cinco anos, ele não tinha nada além dela. Quando Dirceu aguardava o momento de voltar à prisão após a confirmação de uma condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que ele foi acusado de receber 2,1 milhões de reais em propinas decorrentes de um contrato da Petrobras com uma fornecedora de tubos, seus laços sociais estavam à míngua. Sua festa de 73 anos foi esvaziada, sem a presença de expoentes petistas. Para pagar suas contas, Dirceu dependia das vendas de um livro de memórias. Nos eventos de lançamento da obra, poucos figurões apareceram.
A festa para celebrar os 78 anos, realizada no último dia 13 de março, foi o oposto. Cerca de 230 pessoas foram convidadas para o evento em uma casa no Lago Sul, em Brasília. Quinhentos compareceram. Foi o evento mais concorrido na capital federal este ano. Entre os convivas estavam políticos da época do mensalão, membros do alto escalão do atual governo e empresários dos tempos do petrolão. Passaram por lá os ministros Fernando Haddad, Alexandre Padilha, Nísia Trindade e Silvio Costa Filho, além do vice e ministro Geraldo Alckmin, o presidente da Petrobras Jean Paul Prates, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira e o diretor do Banco Central Gabriel Galípolo. Como no primeiro mandato de Lula, Dirceu provou ser capaz de fazer pontes com vários partidos: União Brasil, PSD, MDB, Avante, PP e Republicanos. Lula não compareceu.
A euforia deste ano é reflexo da mudança no espírito da época. Se há cinco anos a Lava Jato ainda botava corruptos na cadeia, hoje impera a impunidade. Entre petistas, a ideia corrente é a de que, depois de Lula, chegou o momento de José Dirceu também recuperar o seu “capital político”. Reservadamente, integrantes do PT admitem que a principal movimentação de José Dirceu ocorre dentro do próprio partido. A avaliação entre apoiadores e críticos do ex-ministro ouvidos pela Crusoé é de que o desejo de recuperar sua influência dentro da cúpula petista se intensificou.
Sem Dirceu, talvez Lula jamais tivesse chegado ao Palácio do Planalto. Ele acabou com a guerra de "tendências" que existia dentro do PT, estruturou um plano nacional para o partido e, assim, viabilizou a vitória nas eleições presidenciais de 2002. No começo do governo Lula 1, Dirceu era visto como potencial sucessor do presidente, tendo apenas Antonio Palocci a disputar espaço com ele. Então, num curto espaço de tempo, o mensalão derrubou Dirceu (juntamente com outros figurões petistas, como João Paulo Cunha, José Genoíno e Delúbio Soares), enquanto o escândalo do caseiro Francenildo abateu Palocci. “O PT passou a ser menor que o Lula, que começou a ter um controle sobre o partido que ele não tinha até então”, diz o cientista político Leonardo Barreto, colunista da Crusoé (leia nesta edição o seu artigo Há razões estruturais para a perda de popularidade de Lula?).
Quando Lula foi preso, em 2018, outra mudança aconteceu. O petista passou a confiar mais nas pessoas que se fizeram presentes quando ele esteve na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Entre os que ganharam destaque a partir daí estão Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Paulo Pimenta, Alexandre Padilha, Cristiano Zanin e Rui Costa, sem contar a primeira-dama Janja. Um retorno de José Dirceu poderia desfazer o atual equilíbrio e ameaçar essa turma da "República de Curitiba".
Dirceu está de olho principalmente na sucessão de Gleisi na presidência do PT, agendada para o ano que vem. Em janeiro, ele comentou as críticas de Gleisi ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "O outro papel do partido é sustentar o governo, apoiar o governo. Discutir, debater dentro da bancada, no ministério, dentro do partido, com o governo, tudo bem, mas quando o governo apresenta uma política o nosso papel é apoiar", disse Dirceu em um podcast do PT. Para o lugar de Gleisi, Dirceu defende o nome do prefeito de Araraquara, Edinho Silva. Segundo o ex-deputado petista, Edinho é melhor para costurar alianças com o Centrão, passo que será necessário para garantir a reeleição de Lula. Dirceu tem dito aos seus aliados que é necessário ampliar o diálogo com outros partidos no intuito de inviabilizar a "sombra do bolsonarismo". A rixa com Gleisi passa também pelo filho de Dirceu, o deputado Zeca Dirceu. Ele e a presidente petista têm travado um embate para ver quem será o candidato ao Senado no Paraná no caso de uma possível cassação de Sergio Moro, do União Brasil.
Além da disputa interna no partido, Dirceu quer brigar por votos. Integrantes do PT são entusiastas de uma candidatura do ex-ministro para uma vaga na Câmara dos Deputados, em 2026. Mas Dirceu hoje é ficha suja. As últimas condenações da Lava Jato ainda não completaram oito anos — prazo necessário para que um político possa voltar a competir, segundo a lei da Ficha Limpa. Em janeiro, a defesa do petista entrou com uma ação na Corte pedindo a anulação de todas as suas condenações na Operação Lava Jato. A defesa de Dirceu, liderada pelo advogado criminalista Roberto Podval, pede que o STF estenda ao ex-deputado os efeitos da decisão que beneficiou Lula, cuja condenação na Lava Jato foi anulada após o Supremo entender que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito. O caso está nas mãos do ministro Gilmar Mendes. “Se as condenações forem revertidas, Dirceu voltaria a ser ficha limpa. Pelo que temos acompanhado das decisões sobre a Lava Jato no STF, essa chance existe”, diz o advogado Acácio Miranda, doutor em direito constitucional.
A rejeição a Dirceu, devido ao seu vínculo com o mensalão e o petrolão, inviabilizam que ele tente um cargo majoritário, como os de prefeito ou governador, em que um único candidato vence com a maioria dos votos. Mas o petista poderia se sair bem em uma eleição proporcional, como a de deputado, pois ainda carrega muitos votos na militância de esquerda. Sua fala segura (arrogante, para muitos), seu longo passado político e o seu conhecimento de história lhe dão autoridade entre muitos petistas, que seguem a exaltá-lo como o “guerreiro do povo brasileiro”.
É uma turma carente de líderes. Dirceu os agrada principalmente porque faz planos para o futuro e promete uma “renovação da esquerda”. O partido não aparece com vantagem em nenhuma disputa nas capitais deste ano. Em São Paulo, o PT aderiu à candidatura de Guilherme Boulos, do Psol. Para vice na chapa, foi preciso chamar Marta Suplicy, que estava no MDB, mas que não adicionou um voto ao candidato. A falta de nomes relevantes levou o presidente Lula a tentar resgatar os “petistas históricos”, como Dirceu, para ter mais chance em eleições futuras.
O problema é que os antigos companheiros não se atualizaram. Dirceu discursa contra a “hegemonia dos norte-americanos” para um mundo que sabe muito bem que o problema não está na Casa Branca, mas no Kremlin. Sua promoção da democracia entra em choque com a defesa de Cuba e da Venezuela, países que os brasileiros não veem como modelos a serem seguidos. Seu sindicalismo só agrada aos próprios sindicalistas, uma vez que os trabalhadores autônomos temem que o Estado não atrapalhe suas vidas. Sua crítica aos mais ricos e ao capitalismo não combina com o empreendedorismo dos neopentecostais, que aprenderam a enriquecer sozinhos e sem ressentimento. Quando ele fala em diálogo com outros partidos ou com “as esquerdas”, é o mensalão que vem imediatamente à mente. José Dirceu também celebra uma militância que há tempos não demonstra ânimo para ir às ruas.
Não há dúvidas de que o ex-deputado tem grandes chances de chacoalhar o PT internamente. Mas, se os petistas apostam nele para sintonizar o partido com o mundo moderno e com as novas gerações, estão olhando na direção errada.
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Comentários (10)
LUIZA HELENA FERREIRA NEIVA
2024-04-10 15:10:08É estamos bem com. Essa velharia
100413CAIO02
2024-04-08 11:25:47Mesmo que, "descondenado" Zé Dirceu nunca deixará de ser um corrupto reconhecido e odiado por todas as pessoas de bem. Não há com limpar a sua imagem para as pessoas honestas!
MARCOS ANTONIO RAINHO GOMES DA COSTA
2024-04-07 20:32:25O PT SEMPRE OLHA NA DIREÇÃO ERRADA.
SÉRGIO SL
2024-04-07 19:17:55O golpe em nossa democracia está sendo tramado "por dentro", sob a batuta de nosso STF, que assumiu uma posição de protagonista e compadrio com a classe política.
Annie
2024-04-07 18:34:46Com a volta do Lules a política entrou em retrocesso da até medo..
Marcia Elizabeth Brunetti
2024-04-06 18:17:44É ler este artigo e conhecer o perfil do José Dirceu. Mas não entendo como pode ainda ele ficar apoiando o conceito do Comunismo Cubano. Ele esteve lá e sabe a verdade. Quem ganha nessas ditaduras não é o pobre o povo que tem que se calar ainda que vivendo um drama diário para conseguir comer!
ANDRÉ MIGUEL FEGYVERES
2024-04-06 17:27:17Arquiteto do mensalão e do petrolão ensaia retorno!!! Deus nos livre desse animal corrupto! Será possível que no Brasil não existam pessoas dignas e honestas para ocupar os espaços que Lula cria para acomodar os seus canalhas? O STF esta totalmente subjugado pelos petistas a maior parte foi indicada por Lula e seus adeptos. Um grande erro do nosso sistema. Precisamos de mais Antonios Bicudos, Janaínas Pascoal, Miguel Reales, Modestos Carvalhosas pois o STF está subjugado pelo PT.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2024-04-06 13:47:18A história de Dirceu é um belo exemplo do fracasso que é este país: a legislação não impõe penas duras, a justiça solta, anula e volta atrás o tempo todo, a classe política aceita reabilitar qualquer um e o eleitorado analfabeto vai eleger o seu algoz.
RUBENS GONÇALVES
2024-04-06 11:39:21O povo não tem memória. Enaltecer e acompanhar uma pessoa como esta é a prova cabal disto.
Andre Luis Dos Santos
2024-04-05 23:38:16Alguma duvida que ele vai recuperar os direitos políticos?