O clube do desassossego
Bernardo Soares fala no Livro do Desassossego sobre “a glória noturna de ser grande não sendo nada”. “O que devera humilhar-me é a minha bandeira, que desfraldo; e o riso com que deveria rir de mim é um clarim com que saúdo e gero uma alvorada em que me faço”, segue o heterônimo triste de Fernando Pessoa, e eu só consigo pensar no Botafogo de Futebol e Regatas.
Os alvinegros acabam de perder a partida de estreia da Libertadores da América, em casa, para os colombianos do Junior Barranquilla, por 3×1. Já seria doloroso o bastante, depois de uma temporada traumática, em que o time deixou escapar o título brasileiro que parecia inescapável. Mas o dono do clube preparou o terreno dias antes para ampliar a humilhação.
John Textor, que comprou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Botafogo, divulgou um relatório baseado nos “principais especialistas” e em “inteligência artificial” para sustentar sua alegação de manipulação de resultados no futebol brasileiro.
O americano acusou cinco jogadores do São Paulo de apresentarem “desvios anormais em situações-chave de marcação de gols” na derrota de 5×0 para o Palmeiras em outubro de 2023. Não colou. Agora, os torcedores adversários cobram que Textor analise os próprios jogadores, para saber se estão jogando adequadamente.
“Mas não há sossego — ah, nem o haverá nunca! — no fundo do meu coração, poço velho ao fim da quinta vendida, memória de infância fechada a pó no sótão da casa alheia. Não há sossego — e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter…”, diz o ajudante de guarda-livros inventado por Pessoa, que, caso tivesse time, teria de ser botafoguense, para manter a coerência.
O Botafogo prepara a estreia do treinador Artur Jorge quase dois meses depois de demitir Tiago Nunes, em 21 de fevereiro. Na última partida em que comandou o time, contra o boliviano Aurora na fase de pré-Libertadores, Nunes fez para o treinador adversário o gesto do “chororô”, motivo de constrangimento histórico para os botafoguenses. Imaginou que estava ofendendo o oponente, mas atirou nos pés da própria torcida.
Mais um pouco do Livro do Desassossego: “Espectador irônico de mim mesmo, nunca, porém, desanimei de assistir à vida. E, desde que sei, hoje, por antecipação de cada vaga esperança que ela há-de ser desiludida, sofro o gozo especial de gozar já a desilusão com a esperança, como um amargo com doce que torna o doce doce contra o amargo. Sou um estratégico sombrio, que, tendo perdido todas as batalhas, traça já, no papel dos seus planos, gozando-lhe o esquema, os pormenores da sua retirada fatal, na véspera de cada sua nova batalha”.
Que o estratégico sombrio botafoguense se prepare para gozar a próxima desilusão, da forma como Pessoa previu com tanta precisão sem nem pretender:
“E, quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos úmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhadas, no parapeito que mancham lentamente”.
Os trapos são alvinegros.
Rodolfo Borges é jornalista
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Não vou tão longe até Pessoa. Fico-me por Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, para personificar o Botafogo
Agora além de gostar de futebol, também gosto do seu jeito de misturar Pessoa com botafoguenses. Você é necessário na minha leitura da Crusoé.