Um Brasil em transição: a população está envelhecendo - Foto: Ciete Silvério/Gov. SP

Contratos entre gerações

Você já pensou no que o envelhecimento da população brasileira apontado pelo Censo significa para nossos filhos, nossos netos – e os netos deles?
30.11.23

O Censo demográfico, divulgado no final de julho, trouxe dados inesperados  sobre a população brasileira. Constatou-se que o país possui 203,1 milhões de habitantes, cerca de 4 milhões a menos do que o projetado.

Os brasileiros, na média, estão vivendo mais. No entanto, também há menos crianças nascendo. Feito o balanço, o crescimento populacional da última década foi o menor já registrado nos 150 anos de realização do censo.

No jargão dos estudiosos, o Brasil passa por uma transição demográfica. Está ficando mais velho. E daí? 

No final de 2022, o filósofo inglês William MacAskill lançou um livro que atraiu muita atenção: What We Owe the Future (O que devemos ao futuro). Alguns bilionários da tecnologia, como Elon Musk, puseram o volume em sua mesa de cabeceira, porque ele pede que o leitor reflita sobre como ações de hoje podem condicionar o futuro distante da humanidade – a possibilidade de ainda existirmos daqui a, digamos, 2 ou 3 milhões de anos.

Esse modo de pensar foi batizado de “longotermismo” e sua intuição fundamental é que se toda vida humana tem valor, independentemente de onde ou quando ela é vivida, estamos obrigados a levar em consideração as consequências de longo prazo de cada uma de nossas escolhas. E como o número de humanos do futuro é potencialmente muito maior que os de hoje e do passado combinados, assegurar que essas pessoas possam existir deveria ser alçado ao topo de nossas considerações morais.

O ponto de partida de MacAskill, no entanto, é muito mais básico: temos dificuldade em pensar até mesmo no futuro próximo. Até mesmo a geração seguinte costuma ser muito mal servida pelas decisões políticas do dia atual. Como escreveu o autor em um artigo para o jornal The New York Times, “as pessoas do futuro são completamente privadas de representação”.

“Elas não podem votar, fazer lobbies ou concorrer em eleições”, prossegue MacAskill, “o que faz com que os políticos tenham poucos incentivos para lhes dar atenção. Elas não podem postar nas redes sociais, escrever artigos ou fazer passeatas. Elas são as verdadeiras massas silenciosas. E embora não possamos dar poder político às pessoas do futuro, podemos ao menos levá-las em consideração.”

A transição demográfica é um motivo para que esse “longotermismo básico” seja trazido ao centro das discussões públicas brasileiras.

Calma, a reportagem não é sobre mudança climática. É sobre coisas como previdência social e mercado de trabalho.

Um dos principais desafios de um Brasil que envelhece será pagar a aposentadoria de quem conquistou o direito de descansar. Previdência pública é sempre um contrato entre gerações. Quem começa a contribuir hoje arca com uma parte dos custos da aposentadoria dos mais velhos. Em um mundo com menos jovens e adultos em idade produtiva e um número crescente de aposentados, um peso maior começa a ser transferido para os ombros dos primeiros. Qual a medida justa?

“Tivemos uma batalha difícil para reformar a previdência quatro anos atrás”, diz Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores. “Infelizmente, teremos de fazer isso de novo daqui a pouco. Para manter o sistema funcionando num mundo em que a expectativa de vida aumenta, o jovem de hoje terá de contribuir por mais tempo. E assim por diante.”

Segundo a professora Luciana Alves, do departamento de demografia da Unicamp, será necessário incluir a previdência privada na equação. “A menos que se alongue muito a presença das pessoas no mercado de trabalho, a arrecadação simples não vai dar conta”, diz ela. “O ideal é encontrarmos maneiras de incentivar e facilitar o ingresso das pessoas no sistema previdenciário complementar.”

Estender a vida produtiva dos adultos ajudaria a balancear a previdência, mas poderia trazer dificuldades para o mercado de trabalho. Isso já acontece hoje. As estatísticas do IBGE mostram que a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 é o dobro da média nacional. No segundo trimestre de 2023, ela foi de 16,6% entre essa faixa etária, contra uma taxa geral de 8%.

Uma das formas de contrabalançar esse problema é investir em educação. Trazer novos conhecimentos ao mercado de trabalho, contribuindo para o aumento de produtividade na economia, seria um meio de os jovens compensarem a sua falta de experiência – um dos motivos mais citados para que conseguir o primeiro emprego seja tão difícil.

Educação também é um contrato entre gerações. Decisões sobre o ensino de quem ainda está para nascer impactam a maneira como vão entrar no mercado de trabalho e as condições de aposentadoria de quem está apenas começando a carreira neste momento.

Por isso uma dose de “longotermismo”, mais do que saudável, é indispensável. Sem ela, o Brasil corre o risco de ver o presente se repetir indefinidamente. Se quiser, deixe a preocupação com o futuro distante para Elon Musk ou William MacAskill. Mas atente para o fato de que uma mudança significativa já está em curso no Brasil, afetando as gerações de hoje e de amanhã.

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  1. No Brasil essa sempre foi uma preocupação de quem está aposentado. E continuará sendo se não houver uma reforma concreta para a previdência.

  2. Esta equação já é um fato e posso observar facilmente no meu entorno familiar e de amigos. Os mais jovens não tem mais as mesmas oportunidades , mas o pior é falta de conhecimento deles para lidar com futuro. Aqui no Brasil continuamos numa busca pelo Diploma Universitário. Cada vez vale menos. As empresas querem seres pensantes e isso está reduzindo drasticamente.

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