Foto: Elvis Boaventura/Wikimedia CommonsAs Torres Gêmeas da capital pernambucana: assombrações dignas de livro de Gilberto Freyre

Assombrações da modernidade

As Torres Gêmeas do Recife mostram como a concentração habitacional multiplica problemas na proporção do tamanho dos condomínios
28.07.23

No Brasil, a modernidade e a pós-modernidade têm em comum a contínua concentração habitacional e urbana. A concentração populacional em unidades habitacionais teve um boom desde a popularização da arquitetura moderna, e essa tendência não parou de crescer — diferentemente de outros países, que repensaram a existência de grandes conjuntos habitacionais, inclusive os demolindo. Até hoje vemos conjuntos habitacionais de grandes proporções sendo construídos nas cidades brasileiras, ignorando os problemas administrativos que surgem com tanta gente morando conjuntamente.

Há um caso que ilustra bem esse processo. Entre 2005 e 2009, foram construídos no Recife os edifícios Píer Maurício de Nassau e Píer Duarte Coelho (foto), chamados de Torres Gêmeas, no histórico bairro de São José, antes pontuado por torres de igrejas, com 42 andares cada um.

A construção desses prédios atrapalha a vista dos bairros históricos adjacentes e destoa do conjunto urbano local. Mas o problema não é só para o entorno — é também para os próprios moradores.

O que chama a atenção nesse caso específico é como os problemas que surgiram nas Torres Gêmeas do Recife vieram a público e se tornaram emblemáticos.

O último caso foi de Xando Maranhão, empresário, morador de uma das torres, que promoveu festas com prostitutas de luxo madrugada adentro, até o meio-dia do dia seguinte, com músicas de conteúdo sexual em volume alto. As reclamações dos vizinhos vieram a público, e uma série de boatos começou a circular — por exemplo, o de que ele teria pago dez vezes a multa aplicada pelo condomínio para fazer outras festas, o que foi desmentido.

Em 2020, aconteceu uma tragédia de repercussão nacional num dos prédios: no dia 2 de julho, Mirtes, uma empregada doméstica, levou consigo o filho ao trabalho, mas teve que sair com o cachorro da patroa para passear. O filho, sentindo falta da mãe, quis descer para encontrá-la, e a patroa simplesmente o deixou entrar no elevador desacompanhado. O menino chegou ao nono andar do prédio e tentou sair, caindo de lá de cima e morrendo.

Em 2015, o empresário Rômulo Maciel Filho, morador de uma das torres, foi alvo de uma operação da Polícia Federal. Quando notou a chegada da polícia, jogou de cima do apartamento maços de dinheiro. A chuva de notas ficou famosa.

Em 2013, descobriu-se que moravam nas torres integrantes de uma quadrilha de contrabando composta por chineses. Eles atuavam para monopolizar a venda de produtos contrabandeados no centro do Recife — a quadrilha chegou a esfaquear uma pessoa. Nos prédios moravam também chineses mantidos em condição análoga à escravidão. Estes, inclusive, causavam incômodo no condomínio por fritar peixe nas dependências comuns, o que foi motivo de muitas reclamações.

Parece um lugar amaldiçoado — como aqueles descritos no livro Assombrações do Recife Velho, de Gilberto Freyre —, mas trata-se apenas do resultado da concentração habitacional, em que os problemas vão se multiplicando na proporção do tamanho do condomínio.

Em breve, o adensamento de áreas nobres da cidade de São Paulo voltará a ser debatido. Bairros como Butantã, Alto de Pinheiros e Moema poderão ter autorização para construir prédios altos. Os bairros dos Jardins, cujo traçado e vegetação são tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, poderão ter retirada do tombamento a obrigação de ter uma família por lote, o que abriria a possibilidade de construção de condomínios residenciais.

Seria bom olhar com calma os resultados do adensamento e ver as reais consequências das escolhas feitas no passado — por vezes recente — que tornaram os problemas brasileiros inadministráveis.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

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  1. Imagina morar na enorme quantidade de torres com 40 e até mais de 80 andares em Balneário Camboriú onde a cada pouco lançam conjuntos maiores, tornando mais críticos os problemas viários, de abastecimento de água e energia e o pior, o esgotamento sanitário!

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