Foto: Jefferson Rudy/Agência SenadoLira e Lula: a caminho de um acerto

Lula e Lira acendem o cachimbo da paz

Ambos percebem que, não sendo possível subjugar o outro, a composição é mais racional do que a manutenção do conflito
15.06.23

O impasse entre Executivo e Legislativo está se diluindo. A reforma ministerial “a conta gotas”, começando pelo Ministério do Turismo, é uma prática do tradicional presidencialismo de coalizão, no qual o acordo de governabilidade é rediscutido permanentemente com reflexos na estrutura da Esplanada. Dessa forma, ao que tudo indica, o impasse ideológico, de um Congresso de direita e liberal de um lado, e de um Planalto de esquerda e intervencionista do outro, vai ficando em segundo plano, embora ainda seja um fator limitante da agenda.

Essa evolução dos acontecimentos denota a força do DNA distributivista do sistema político brasileiro e sua capacidade de produzir equilíbrios capazes de superar até diferenças sinceras de opinião e situações de forte desconfiança entre os atores. A questão é e será, sempre, um xadrez de alocação de cargos e controle do Orçamento, transformando a política numa disciplina essencialmente geográfica e econômica.

Aliás, essa não é a gênese do debate, isto é, quem vai controlar o Orçamento e, por tabela, o processo decisório nacional? Os últimos anos, desde a saída forçada do PT em 2016, se consolidou uma hegemonia do Legislativo com a concentração do poder nas presidências da Câmara e do Senado. Uma decisão do STF anulando essa situação, mas sem capacidade de devolver a chave do cofre para o Executivo, empatou o jogo. Numa analogia com a “guerra de trincheiras”, na qual exércitos ficam frente a frente sem, no entanto, conseguirem avançar, nem o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e nem o presidente Lula encaminharam suas agendas neste início de governo.

Na disputa de trincheiras que vigorou na 1ª Guerra, aliás, venceu quem demonstrou capacidade de sustentar por mais tempo a sua posição, não apenas no front, como também em casa (suporte político, econômico e social). Com isso em mente, em um primeiro momento, desenhou-se que o Congresso teria condições de manter o dilema por mais tempo que o Planalto, que é sempre mais sensível às flutuações das pesquisas de opinião pública e absorve mais o descontentamento de setores importantes com a economia, por exemplo.

A melhoria da conjuntura recente, no entanto, em muito amparada por gestos de boa vontade do Congresso em relação ao governo como a PEC da Transição, que liberou 145 bilhões de reais extras além do teto de gastos e a aprovação de um arcabouço fiscal que não exigirá de Lula a redução da relação dívida/PIB no exercício de todo o seu mandato , deu mais fôlego para Lula sustentar sua frente. Sem aumento da pressão social contra o Planalto, cenário com o qual Lira e seus apoiadores trabalhavam há dois meses, o governo ganhou tempo.

E tempo é o que Lira não tem mais.

Nos últimos dias, uma investigação policial contra assessores do presidente da Câmara o lembrou que ele voltará à planície mais cedo que Lula e não pode se dar ao luxo de ficar sem proteções políticas. A equação é simples: seu mandato vence em fevereiro de 2024 e o de Lula segue até 2026. Além disso, sem poder sobre a distribuição dos recursos que, mesmo estando vinculados aos deputados, têm o timing de execução controlado pelo Executivo, Lira passou a correr o risco de ser questionado dentro de casa, isto é, e perder a base de votos na Câmara sobre a qual exerce influência.

No curto prazo, passou a ser urgente para Lira voltar a demonstrar controle sobre esse processo. No médio, precisa garantir alguma força política quando deixar o comando da Câmara. Por isso, ninguém deve estranhar se Lira estiver trabalhando não para ter qualquer ministério agora (convenha-se, a pasta do Turismo, em termos orçamentários, não tem muita importância), mas para que ele próprio possa assumir alguma pasta em 2024.

Embora pareça uma rendição, esta não é a leitura correta. Ao contrário da 1ª Guerra, não há nenhum acordo de Versalhes a caminho porque esse não é um jogo de soma zero (se um ganha, necessariamente outro perde). A configuração mais provável sugere ganhos mútuos, com Lira tendo muito a oferecer, como 18 meses de ambiente controlado para votações na Câmara, uma maior cooperação com o Senado (que o governo já domina) e até o controle da própria sucessão, que pode indicar alguém mais favorável ao Planalto.

A provocação feita por Lira nesta semana, de que Lula deveria dizer logo se é ou não candidato à reeleição, mostra que há resistências ao acordo entre os ministros presidenciáveis. Em outras palavras, o presidente da Câmara pediu ao presidente da República que exerça sua liderança sobre seus assessores que, seja por falta de habilidade, seja por eles próprios quererem exercer o controle da liberação de emendas para pavimentar seus próprios projetos, têm dificultado, segundo a percepção de Lira, a celebração definitiva do armistício.

O pacote político oferecido por Lira parece uma pechincha e só não será celebrado rapidamente se Lula achar que ainda tem mais condições de enfraquecer o futuro parceiro e melhorar seus termos na negociação. De todo modo, o cachimbo da paz está pronto para ser aceso porque ambos percebem que, não sendo possível subjugar o outro, a composição é mais racional do que a manutenção do conflito.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

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  1. A classe política está moralmente doente. Deturpam os verdadeiros valores humanos. Não sobrevivem sem o opotunismo político e muito menos sem a corrupção.Os interesses políticos estão acima dos interesses do país. Uma reforma política poderia mudar esse quadro decadente.Como, se a reforma política só poder implementada pelos mesmos políticos, que se aproveitam das benesses do poder?

  2. Cachimbo da paz não liberaram o PIX e uma nação de si algoz sem rumo, sem eira e nem beira ruma célere ao caos e ao lixo mera questão de data.

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