Lula é recebido por Xi Jinping em PequimLula é recebido por Xi Jinping em Pequim - Foto: Ricardo Stuckert/PR

A diplomacia do ego de Lula

Ambição de protagonismo mundial do petista e acenos a China e Rússia podem prejudicar relação do Brasil pós-Bolsonaro com o Ocidente
20.04.23

As sucessivas gafes de Lula na política externa terão de ser encaradas pelo presidente em sua primeira viagem oficial à Europa — que o petista antecipou para a última quinta-feira (20), em meio à crise provocada pela queda de seu ministro-chefe do GSI, o general Gonçalves Dias. O clima é de desconfiança: o Parlamento de Portugal vetou o convite do Executivo para Lula discursar em sessão solene da Revolução dos Cravos, no dia 25 (terça). Além disso, esperam-se protestos de refugiados ucranianos e de siglas portuguesas de direita e centro-direita, como o Chega! e a Iniciativa Liberal. Até o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que tem boas relações com Lula, chegou a ser questionado se estaria arrependido de receber o colega brasileiro.

O posicionamento de Lula sobre a invasão da Rússia à Ucrânia mina a reaproximação entre o Brasil e seus mais tradicionais aliados no Ocidente, os EUA e a União Europeia. No início da semana, o petista os acusou de “contribuir para a continuidade desta guerra”, o que gerou críticas de Washington e Bruxelas. Na segunda (17), o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, foi duro: afirmou que Brasília “papagueia propaganda” da Rússia e da China, horas depois de o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, receber em Brasília o seu homólogo russo, Sergey Lavrov.

Mais que a viagem recente à China para se reunir com Xi Jinping, as atitudes de Lula que irritaram seus parceiros no Ocidente foram a recepção a Lavrov — muito à vontade, de jeans e tênis — e a viagem de Celso Amorim, assessor especial do presidente e “chanceler oficioso“, a Moscou para falar com Vladimir Putin, autocrata russo e invasor da Ucrânia. Nenhum gesto semelhante foi feito na direção de Kiev. Pelo contrário: em entrevista à GloboNews, Amorim minimizou o convite do governo ucraniano para ir visitar o palco da guerra.

“Nos últimos dias, Lula abandonou o não alinhamento”, afirma Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador da Universidade de Princeton, em referência à postura tradicional da diplomacia brasileira. “Ao sinalizar apoio à política externa de Vladimir Putin, Lula aparenta optar por um lado da disputa. Trata-se do lado que iniciou a agressão e que viola princípios basilares para a política externa brasileira, como o respeito às fronteiras, a não agressão, a proporcionalidade no uso da força etc. Ao fazer esse movimento, a posição brasileira atenta contra o ordenamento institucional do qual o próprio Brasil depende”, adverte Spektor.

A equiparação feita por Lula entre invasor e invadido na guerra da Ucrânia também compromete seu desejo de protagonismo internacional — por exemplo, insistindo na criação de um grupo de países sem envolvimento na guerra para negociar a paz. “A intenção é positiva, mas o Brasil não tem poder para influenciar em um conflito envolvendo potências nucleares, afirma o embaixador Rubens Barbosa, ex-representante do Brasil em Washington. “Por um lado, Lula testa a boa vontade do governo do presidente americano Joe Biden. Por outro, as suas palavras minam o papel de interlocutor legítimo para mediar qualquer processo de paz”, diz Matias Spektor.

Barbosa diz acreditar que Lula não mudará a posição do Brasil no conflito enquanto continuar alinhado ao Ocidente em votações na ONU: em 2022, o país apoiou resoluções de repúdio à invasão da Ucrânia no Conselho de Segurança e na Assembleia-Geral. Entretanto, no final de março, o Brasil foi o único, fora a China, a apoiar resolução da Rússia no conselho para investigar explosões nos gasodutos Nord Stream 1 e 2, que fornecem gás russo à Europa — um relatório americano vazado sugere ação de um grupo pró-Ucrânia sem ligações com Kiev.

No contexto mais amplo da diplomacia mundial, as ações do governo Lula também evidenciam, além da ambição de protagonismo do presidente, a aversão histórica da esquerda brasileira aos EUA, no polo oposto do “trumpismo” promovido pela política externa de Jair Bolsonaro. Em cerca de cem dias, o petista reposicionou o Brasil como líder da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e reergueu a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), entidades falidas associadas respectivamente a Cuba e Venezuela. O presidente também deve usar o Banco do Brics, chefiado por Dilma Rousseff, para tentar vender a imagem de bandeirante do multipolarismo.

Spektor afirma que as declarações de Lula “expressam o antiamericanismo de boa parte do círculo do presidente, a simpatia histórica pela política externa assertiva do regime Putin e a fantasia equivocada segundo a qual dizer que todos têm culpa cria as condições para que todos façam concessões na mesa de negociação”. Para ele, é uma postura que não corre o risco de dar certo.

Analistas veem ainda perigo de o Brasil ser usado por Putin e Xi para seus interesses geopolíticos. Documentos do Pentágono vazados nas últimas semanas indicam que o Kremlin aprova a ideia do grupo de países não envolvidos, acreditando que o plano “rejeitaria o paradigma ‘agressor-vítima’” e reforçaria sua narrativa sobre a invasão. Outro sinal para cautela é o interesse de Rússia e China em expandir os Brics para incluir aliados como o Irã. Lula talvez ainda acredite na ideia de união entre potências emergentes — uma ironia, visto que a China é o segundo PIB do mundo. Mas russos e chineses têm outros planos para os Brics: Moscou enxerga o bloco como meio de burlar as sanções ocidentais, e Pequim, como zona de influência para rivalizar com o G7.

“Depois de mais de 40 anos de incontestável hegemonia americana, os EUA enfrentam dificuldades de se colocar como a única potência hegemônica. Isso seguramente exige do governo Lula 3 habilidade muito maior para equacionar e se equilibrar ante as pressões das duas maiores economias mundiais”, afirma Wagner Parente, advogado tributarista e CEO da BMJ Consultores Associados.

 

Quais as consequências?

Analistas ouvidos por Crusoé apontaram possíveis consequências negativas — geopolíticas, econômicas e militares — da percepção da política externa brasileira como virada para Rússia e China e “dando as costas” aos EUA e à União Europeia. Fontes da embaixada americana e de pelo menos três europeias apontaram preocupação com a conduta do governo Lula até agora.

Para Wagner Parente, é pouco provável que o Brasil intensifique sua aproximação da posição russa: “Ao mesmo tempo em que recebe o chanceler da Rússia, Lula indica viagem para a coroação de Charles 3º, no Reino Unido”, lembra ele. Ainda assim, Parente acredita que um aprofundamento das provocações direcionadas aos EUA “poderia configurar uma quebra de confiança com os parceiros americanos. Dessa forma, as consequências poderiam ser maiores atrasos em acordos comerciais como o do Mercosul com a União Europeia e também nos tratados com o Canadá e com a EFTA [Associação Europeia de Livre-Comércio]. O acesso à OCDE [o ‘clube dos países ricos’] é um outro ponto que poderá ser colocado em suspenso”, avalia o tributarista.

Já o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em ciências militares pela Universidade Nacional de Defesa da China, considera “natural” a irritação com a afirmação de que EUA e Europa alimentam a guerra ao fornecer armas à Ucrânia, mas diz acreditar que não haverá problemas geopolíticos ou militares para o Brasil: “A forte reação retórica já transmitiu a informação de que as declarações foram muito acima do tom esperado”. Ele lembra que o Brasil é um dos 18 países considerados “grandes aliados extra-Otan” dos EUA, o que lhe concede status privilegiado nas relações de Defesa com os americanos.

Spektor, por sua vez, vê um custo “essencialmente político” nas falas e nas atitudes de Lula, concentrado na figura do petista: “Quem sofre as consequências é a imagem internacional do próprio presidente”. Lula se retratou das alfinetadas aos EUA e à União Europeia e da visita de Lavrov na terça-feira (18), apenas após o G7 emitir um comunicado alertando sobre “custos severos” para “terceiros países” que ajudarem a Rússia. É possível que o presidente tema um eventual desconvite para a próxima cúpula do grupo, que ocorre em maio no Japão — o retorno como convidado do G7, depois de 15 anos de seca, seria de fato uma conquista da política externa brasileira neste mandato. A diplomacia guiada pelo ego de Lula, porém, pode se converter em um tiro no próprio pé dele.

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  1. O Brasil é uma anão diplomático e o Lula, com seu antiamericanismo típico de socialista velho nada ajuda. Mas um ponto de encontro do bolsopetismo

  2. Ai esta terra ainda vai cumorir seu ideal ainda vai tornar-se um imenso Portugal ...... vai não pois os purtuga se deram ao respeito e o nove dedos não terá vida fácil nem morcela ou bacalhau mas "tripas à moda do Porto" a velha panelada lá no além mar e dizem uns protestins e lá num tem general babão não.

    1. Os cães ladram e a caravana passa .. provérbio árabe ..... vá lamber xuxu imbecil.

  3. O congresso deveria censurar formalmente a diplomacia do governo, que prejudica a imagem do País. Ficar calado, Lula, em certos assuntos e contestos, é uma forma de sabedoria.

  4. Os delírios etílicos do Descondenado colocam o país em má situação perante aos parceiros ocidentais. Nada que preste se poderia esperar com a corja ptralha no poder.

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