Divulgação"Pessoas de baixa escolaridade são as que menos compareceram às urnas"

Onde as pesquisas erraram

O estatístico Raphael Nishimura, da Universidade de Michigan, afirma que a abstenção dos lulistas e a recusa dos bolsonaristas podem ter atrapalhado as estatísticas sobre intenção de voto
14.10.22

Há doze anos vivendo nos Estados Unidos, o estatístico brasileiro Raphael Nishimura, de 37 anos, é o diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan. Nesse centro que tem como objeto de estudo vários tipos de pesquisas, Nishimura se dedica a analisar as técnicas de amostragem, em que uma quantidade limitada de entrevistas permite inferir dados para toda uma população, e o problema da não resposta, quando indivíduos se negam a participar dos levantamentos.

Desde a eleição do republicano Donald Trump, em 2016, Nishimura tem se debruçado sobre as dificuldades das empresas de pesquisas em captar os anseios do eleitorado. Após o primeiro turno no Brasil este ano, ele buscou entender onde as firmas falharam e traçou comparações com a realidade americana. Em entrevista a Crusoé, ele enumera os motivos que podem ter feito com que as pesquisas de intenção de voto tenham ficado distantes dos relatórios emitidos pelas urnas.

 

Por que as pesquisas de intenção de voto passaram tão longe do resultado oficial no primeiro turno?
A hipótese mais plausível, a meu ver, foi levantada pelo sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe. Enquanto todo mundo está olhando para os votos válidos, ele comparou os votos totais segundo o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, incluindo abstenções, brancos e nulos, com as últimas pesquisas antes do primeiro turno. Descobriu que os dados, nesse caso, não ficam muito diferentes do resultado final. O que se vê daí é que a proporção dos votos totais que Bolsonaro teve fica muito próxima daquela que as pesquisas retrataram pouco antes. Usando a mesma medida, Lavareda notou uma diminuição dos votos para o Lula nas urnas, e também para os candidatos da terceira via. A hipótese que ele levanta é que muitas pessoas declararam preferência pelo petista, mas não saíram para votar no domingo, 2.

As pesquisas não tinham como captar isso?
Os modelos aplicados no Brasil são desenhados para, a partir das amostras, fazer inferências para o eleitorado como um todo. Os pesquisadores não tentam descobrir se o entrevistado irá mesmo votar ou não. Historicamente, os institutos brasileiros não ligam para isso, porque o voto no Brasil é obrigatório. Mas, considerando os níveis de abstenção recentes, em torno de 20%, acredito que se trata de algo importante a se considerar.

Como seria possível levar em conta a abstenção?
Nos Estados Unidos, usa-se o modelo do likely voter. Eles usam diversos métodos para saber quais pessoas efetivamente irão votar, entre as que respondem as pesquisas. O Datafolha chegou a perguntar e a filtrar os respondentes com base nisso na sua última rodada antes do primeiro turno, mas provavelmente não foi uma abordagem efetiva, pois em geral as pessoas tendem a esconder que não irão votar. A Quaest está começando a aplicar um modelo para identificar esse tipo de eleitor de uma forma mais robusta.

DivulgaçãoDivulgação“Os eleitores mais radicais do Bolsonaro se recusaram a participar das pesquisas”
Essa hipótese das abstenções já foi provada?
O cientista político Jairo Nicolau e o pesquisador Fernando Meireles, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Cebrap, olharam qual era a distribuição geográfica das abstenções em eleições anteriores e para algumas variáveis geográficas que o TSE disponibiliza. Eles observaram que pessoas de baixa escolaridade são as que menos compareceram às urnas. Pelas pesquisas, também sabemos que nesse estrato social há mais eleitores de Lula. Há uma ligação indireta, portanto, que ajuda a provar essa hipótese. Mas há outra hipótese, que é um pouco conflitante com essa ideia da abstenção.

Qual?
Existe a hipótese que olha para as pessoas que se recusam a participar das pesquisas. É o que se chama de não resposta. No Brasil, por exemplo, cidadãos com renda maior tendem a se esquivar das pesquisas. Existem métodos que conseguem ajustar as estatísticas para reduzir esse problema. Para tanto, pode-se usar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad.  Acontece que esses paliativos só são eficazes se o fato de a pessoa não responder não estiver diretamente relacionado ao seu voto. No Brasil, Jair Bolsonaro e seus apoiadores têm desacreditado as pesquisas e orientado seus apoiadores a não atenderem os pedidos dos institutos. É um fenômeno parecido com o que temos nos Estados Unidos com Donald Trump.

Como os americanos lidaram com isso?
Um comitê de cientistas foi formado para estudar os resultados das eleições de 2016 e 2020. Eles queriam entender por que era tão difícil captar o voto em  Trump. Uma das conclusões, em 2016, foi que, para compensar esse problema da não resposta, os institutos deveriam ponderar os dados por escolaridade. Mas, em 2020, surgiu outra questão, porque eles acabavam falando com os republicanos moderados, que não necessariamente votam no Trump. Aqueles eleitores mais aguerridos, mais trumpistas, continuavam sem aparecer na amostra. Ao final, não há como obter informações deles. É uma situação lamentável, porque é um fenômeno que simplesmente não pode ser mensurado. Não existem bons métodos estatísticos capazes de corrigir isso.

Não há outra solução?
Alguns cientistas estão estudando os casos em que o entrevistador se apresenta como alguém fazendo um trabalho para a rede de televisão Fox News. Esse canal é muito assistido pelos eleitores de Trump e também contrata pesquisas. Ainda estão sendo feitas algumas tentativas, portanto, para abordar esse público mais recalcitrante.

E o voto envergonhado?
Nesse caso, as pessoas respondem as pesquisas, mas com o nome de outro candidato, que tem uma aceitação maior. É o que a literatura científica chama de viés de desejabilidade social. O entrevistado tenta passar uma imagem que ele acredita que o outro, o entrevistador do instituto, espera dele. Isso ocorre principalmente nas pesquisas presenciais, com alguns temas mais sensíveis. Muitos se negam a dizer que usam drogas pesadas, que realizaram um aborto ou que não irão votar, por exemplo.

DivulgaçãoDivulgação“A reputação do instituto fala por si só”
Teve voto envergonhado no Brasil?
A Quaest fez um estudo antes do primeiro turno e descobriu que, se existia mesmo voto envergonhado, ele era mais entre os que iriam optar por Lula do que por Bolsonaro. Também acho que o voto envergonhado não seria do eleitor mais simpatizante de Bolsonaro, e sim do mais moderado, que não gostaria de manifestar sua intenção. O que ocorreu mais provavelmente, a meu ver, é que os eleitores mais radicais de Bolsonaro se recusaram a participar das pesquisas, assim como aconteceu com Trump. O problema foi a não resposta. Nos Estados Unidos, também se levantou a hipótese do voto envergonhado em 2016, mas não se encontraram evidências disso.

A desatualização do Censo brasileiro atrapalhou as empresas?
Isso não é um grande problema. A maioria dos dados que os institutos utilizam para calibrar suas amostras vem da Pnad, divulgada pelo IBGE, e das estatísticas do TSE. O que pode ter tornado os resultados entre os institutos um pouco díspares é como eles lidaram com a variável de renda. Segundo a Pnad, 38% da população brasileira ganha até dois salários mínimos. Mas o Datafolha e o Ipec, usando dados próprios, montaram amostras em que cerca de 50% dos entrevistados estavam nesse estrato social. Eu peguei os números que esses dois institutos tiveram em cada uma das faixas de renda e dei a eles um peso diferente. Para o grupo que ganha até dois salários mínimos, eu dei um peso menor, como se os dois institutos tivessem considerado que eles são 38% da população. Nesse meu experimento, a distância entre Lula e Bolsonaro diminuiu, e os resultados ficaram muito parecidos com o da Quaest, que segue a Pnad.

O que o sr. acha do projeto de lei apresentado pelo deputado Ricardo Barros (PP), que pune os responsáveis por pesquisas eleitorais que ao final apresentem números divergentes dos resultados oficiais, acima da margem de erro?
Esse projeto não tem a mínima coerência. No texto, fala-se que as pesquisas são usadas pelos eleitores para decidirem os seus votos. O projeto assume, portanto, que as pessoas podem mudar de opinião após a publicação das pesquisas. Sendo assim, não faz o menor sentido esperar que o resultado do levantamento, feito pouco antes, seja idêntico ao que sai das urnas, mesmo que dentro de uma margem de erro amostral. Chega até a ser engraçado.

Alguma lei desse tipo foi ventilada nos Estados Unidos?
Nunca vi nada desse tipo por aqui. Nos Estados Unidos, não há nem sequer a obrigação de cadastrar as pesquisas, como exige o TSE do Brasil. A reputação do instituto fala por si só.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A última resposta do entrevistado foi muito importante. Por que registrar pesquisa no TRE ou TSE? Isto é totalmente inócuo. Só serve para dar um ar de credibilidade oficial que nenhuma pesquisa merece e enganar o eleitorado. Cada instituto que se vire por si mesmo e construa sua própria reputação e histórico. Registro não significa nada, pois nunca será possível qq tipo de auditoria ou fiscalização do processo. Registro só contribui para criar uma pseudoconfiança no embuste de pesquisas vendidas

    1. Deveriam proibir esta coisa do TSE registrar pesquisas. Cada um publique o que quiser. O papel da imprensa deveria ser analisar os resultados passados destas pesquisas e a partir de um número elevado de comparações entre as pesquisas e o resultado das urnas, classificar os institutos de pesquisa quanto ao seu grau de acerto histórico. Este ranking. sim, separaria o joio do trigo e apontaria os institutos sérios. O resto é balela...

  2. A legislação brasileira é mais avançada, do que a legislação norte-americana. Eles precisam aprender conosco a fazer justiça social e a garantir a segurança jurídica de seus cidadãos.

  3. voto envergonhado qdo o entrevistado diz somente ao pesquisador? isso sim é questionável. Pesquisa é amostragem e a mesma tem que retratar fielmente as características da população como renda, escolaridade, faixa etária e etc. Um exemplo simples seria o Brasil um copo de guaraná, e a amostra um "gole" que seria mais que suficiente pra saber o gosto da bebida, ou seja, pra saber o gosto não precisaria tomar o copo inteiro.

  4. Pena a entrevista não ter buscado explicações para as significativas discrepâncias observadas também para cargos de governador e senador.

  5. Não houve erros nas pesquisas . Eles sabiam o resultado real ..A votação de LULA ficou na margem de erro. Sabiam que Bolsonaro estava muito próximo de Lula quando hove a ofensiva pró voto útil a favor de LULA que sobe de 45% a 48 %... A informação correta somente o consorcio de Midia sabia FOLHA SP/ESTADÃO/GLOBO/VEJA que manipularam para enganar o eleitor de Bolson. e anti Lula.

  6. Não perguntaram mas direi ONDE ACERTARAM e desmoralizo esta entrevista lixo ... acertaram no CACHÊ altíssimo para manipular idiotas e o resultado no primeiro turno mostra claramente isto ... o Brasil pode estar indo à barbárie ao caos e não demora por exclusiva culpa de um povo ignorante e algoz de si mesmo nas urnas indevassáveis do ditador mor deste chiqueiro ... mais uma POR QUE o dr.VERBOSO declarou PUBLICAMENTE sob o riso de puxa-sacos "eleição não se ganha . se toma"? o Brasil é um lixo!

  7. Apesar de reconhecer a importância das pesquisas de opinião como auxiliar na administração pública, por exemplo, acho que elas prestam um desserviço no caso eleitoral. Gostaria de ver o comportamento dos eleitores sem uma referência. Seria o fim para os maria-vai-com-as-outras ...

  8. Há anos, ainda no tempo do voto em papel, fui pesquisada numa boca de urna pelo Ibope. A entrevistadora me deu uma réplica devidamente carimbada da cédula, pedindo q eu reproduzisse meu voto, dobrasse e depositasse numa urna tb identificada como de simulação. Sem responder nada diretamente a ela. Com isso, acaba o voto envergonhado e a não resposta, já q o entrevistado não precisa se expor.

  9. mais foi evidente a manipulação. isto se evidenciou quanto passou o Pt A falar em voto útil e o JN divulgar q 60% dos eleitores queriam o término no primeiro turno.

  10. Não vejo nenhum sentido em criminalizar institutos de pesquisa. Se o argumento é que essas pesquisas influenciam os votos, isso é menosprezo demais ao raciocínio do brasileiro. É tentar ser tutor do eleitor. O eleitor é adulto. Mas e as notícias falsas que circulam livremente pela internet também não deveriam ser proibidas? Estão tratando as pesquisas como fake news. Tudo isso é névoa sobre os enormes problemas que temos.

  11. Bom ouvir uma opinião de fora. Ajuda a esclarecer fatos e tendências que sempre julgamos como erro dos brasileiros (empresa, entrevistador e entrevistado). Temos tendência de sempre desqualificar o que é feito aqui.

  12. A Paraná foi e é criticada porque foi contratada pelo governo Bolsonaro precisamente neste ano e por um polpudo valor. Não tem credibilidade por isso.

    1. Foi uma das que mais se aproximaram do resultado final.

  13. um dos fatos mais relevantes antes do primeiro turno, foi a tentativa da FSP/ UOL partir agressivamente para desqualificar a Paraná acusando a de estar a serviço da campanha do Bolsonaro. A Datafolha e IPEC usam técnicas de construção de Pirâmides para induzir os eleitores. Toda semana passo a passo aumenta a vantagem do seu escolhido, criando a ilusão de eleição decidida. Cadeia é pouco para essa cambada.

  14. O erro está na pessoa que entrevista, pagam pouco e pegam qualquer um. Como confiar ? Ela decide a resposta do entrevistado de acordo com o que tem na cabeça. E pelo nível contratado... não tem muita coisa.

  15. Se observarmos bem, o Paraná Pesquisa foi coerente do início ao fim. No entanto, devemos reconhecer que Antonio Lavareda merece credibilidade.

  16. Entrevistador se apresentando com se fosse da Fox? Isso não seria falsidade ideológica? Onde esse cara tá com a cabeça, normalizando isso?

  17. Resumo da ópera: pesquisas falham. Já está na hora dos meios de comunicação pararem de as tratarem como a verdade absoluta. Eu não aguento mais ver aqueles gráficos no JN tratados como fatos. Por eles nem precisava ter eleição. Era só fazer uma pesquisa no dia e pronto. Ah... não acredito em teorias de conspiração ridículas como as apresentadas pelo CADE , que não tem nada a ver com o assunto. Trata-se simplesmente de falha técnica.

    1. Exato. Trata-se de incompetência e de hipervalorização da reputação passada de Datafolha e Ibope, chamados de padrão ouro, mas que, desde 2018, são os que mais erram. Basta ouvir bobagens como "oscilação dentro da margem de erro", "tendência de crescimento dentro da margem de erro", etc, pra ver que as noções mais básicas de estatística são negligenciadas

  18. O Instituto com menos discrepâncias no 1° turno foi o Paraná. E nesse segundo turno ele já está apontando empate técnico entre os candidatos a presidente, com Lula na frente dentro da margem de erro

  19. Querem justificar o injustificável….os tais institutos de pesquisa usam métodos sem rigor formal o que acaba viciando s amostragem.

  20. Sim a reputação. Coisa que não existe por aqui. Assim como a aplicação de leis. País da impunidade.Pais sem autoridades. Bananao.

Mais notícias
Assine agora
TOPO