AlexandreSoares Silva

Abaixo a ditadura de 22

18.02.22

Vou ser desnecessariamente dramático e dizer que vivemos há cem anos sob a ditadura da Semana de 22.

Uma ditadura? Sim, uma ditadura. Um totalitarismo completo sobre todo o ambiente mental e cultural do Brasil. Vivemos com os rostos esmagados pelas botas da informalidade, do coloquialismo e do novidadismo mofado. Estátuas gigantescas de Oswald de Andrade, Mario de Andrade e Menotti del Picchia entristecem as praças desoladas da psique nacional, como Lênins piadistas. É a ditadura modernista-antropofágica-concretista-tropicalista, da qual cedo ou tarde precisamos nos livrar.

A Semana aconteceu de 13 a 17 de fevereiro de 1922 – exatamente cem anos atrás. Para marcar o centenário, os cadernos de cultura dos jornais têm falado diariamente da Semana, sempre em tons de elogio frenético (exceto quando o articulista é um carioca, porque daí se sente levemente enciumado).

São elogios um tanto tresloucados que têm chegado na soleira da minha porta. Para a Folha de S.Paulo, se há uma crítica importante a fazer, é só que a Semana de 22 poderia ter sido um pouco mais feminista, talvez. Fora isso, excelente!

Já O Estado de S.Paulo tem isto a dizer: “Há 100 anos, evento, que foi criticado pelos ricos, inaugurava a cultura no país”.

Meu Deus! Inaugurava a cultura no país! Que semana colossal! Fiquei tão espantado que nem tive tempo de estranhar o “criticado pelos ricos” – apesar do fato de que a semana foi financiada por gente como a família Prado, a família Thiollier, e o deputado e membro da Academia Brasileira de Letras, Alfredo Pujol. “Quem bancava o show era a fina flor da oligarquia cafeeira”, escreveu Marcos Augusto Gonçalves no livro 1922 – A Semana que Não Terminou.

Como todos os movimentos artísticos, os modernistas brasileiros começaram como uma gangue de jovens querendo bater em velhos. Bateram em Monteiro Lobato (“ah, mas ele provocou”), bateram em Coelho Neto, bateram em Carlos Gomes, bateram nos parnasianos. Eram praticamente a gangue do filme Laranja Mecânica, com Villa-Lobos no lugar de Beethoven.

Isso é normal na história da arte, pelo menos segundo os livros didáticos. Cada geração que aparece quer bater na anterior. O problema é que ninguém quis bater nos modernistas. Uma geração atrás da outra continuou venerando a Semana de 22, e falando em tons sempre carolas de renovação e revolução permanente.

Vejam, por exemplo, o tom religioso com que o elenco e a crítica falava da montagem da peça O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, por Zé Celso, tanto em 1967 quanto em 2017; como palavras como “deboche”, “irreverência”, “zombaria” são faladas com uma seriedade, com solenidade, e quase com misticismo. E é assim em praticamente toda a casta intelectual no Brasil.

Por isso, tenho uma proposta a fazer.

Assim como uma Missa Negra é uma paródia macabra de uma missa normal, proponho blasfemarmos contra a religião oficial brasileira (o modernismo- antropofagismo-concretismo-tropicalismo), fazendo uma Anti-Semana de 22. O propósito é chocar o circuito USP-MPB, e acabar com o seu domínio beato sobre o país.

Estes serão alguns dos eventos da Anti-Semana de 22:

– Assim como o evento cem anos atrás começou com a leitura de um poema de Manuel Bandeira ridicularizando os parnasianos, este começará com a leitura das polêmicas e poesias de Bruno Tolentino contra os concretistas, só para chocar quem quer que se choque com isso;

– Efígies gigantescas de Oswald e Mário de Andrade serão viradas de cabeça para baixo em praça pública, e em volta deles serão declamados poemas do parnasiano francês Leconte de Lisle;

– O livro Macunaíma será lido de trás pra frente, ocasião na qual todos perceberão estarrecidos que, lido desse jeito, o livro é um pouco menos entediante;

– Reedições e homenagens a todos os escritores e poetas vilipendiados pelos modernistas: Coelho Neto, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira etc.;

– Em 1972 o arquiteto modernista Lúcio Costa fez campanha para que vários edifícios ecléticos de influência francesa fossem demolidos. E eles foram. Nesse mesmo ano, por exemplo, o Palácio Monroe (sobre o qual Costa havia dito: “sua presença estorvante já não se justifica”) foi destruído. Pois na Anti-Semana de 22 o Palácio Monroe será reerguido em volta da tumba de Lúcio Costa. Para irritar o espírito antifrancês dos incrivelmente afrancesados modernistas, uma orquestra tocará operetas de Offenbach dentro do novo Palácio Monroe, durante as quatro noites da Anti-Semana;

– Uma orquestra se reunirá no cemitério da Consolação em São Paulo, onde Oswald de Andrade foi enterrado, e tocará durante quatro noites seguidas as aberturas das óperas de Carlos Gomes, compositor que Oswald odiava.

Mas tudo isso talvez não seja o suficiente. Consigo imaginar o circuito USP- MPB reagindo ao evento com um “Gente, que ótimo! Esse é o espírito mesmo! O Oswald teria adorado!” Então temos ainda alguns meses para quebrar a cabeça e pensar em ideias realmente chocantes para a programação da Anti-Semana de 22.

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