ReproduçãoAlberto Fernández com Cristina: peronismo ficou com apenas 32% dos votos

O castigo dos hermanos

A economia, que há dois anos foi determinante para empurrar Mauricio Macri para fora da Casa Rosada, deverá fazer o mesmo com Alberto Fernández. Com inflação e pobreza em alta, os argentinos ameaçam punir as duas forças políticas que nos últimos anos dominam a cena política do país
17.09.21

O governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner obteve uma derrota histórica nas eleições primárias da Argentina, realizadas no último domingo, 12, para definir quais candidatos poderão disputar vagas no Parlamento, em novembro. Os nomes apoiados pelo oficialismo conseguiram apenas 32% dos votos, enquanto a oposição obteve 41%. Se os resultados se confirmarem no pleito de novembro, o presidente Fernández verá suas chances de se reeleger em 2023 diminuírem. No discurso para avaliar os números das primárias, ele admitiu, pela primeira vez, que “tem pela frente dois anos de governo“, ignorando a possibilidade de reeleição. Seu fracasso nas urnas não se deve à pandemia, uma vez que a vacinação avança e 41% dos argentinos já tomaram duas doses. O que explica o desempenho fraco do governo é a economia, o mesmo fator que, em 2019, inviabilizou a reeleição de Mauricio Macri. A Argentina, assim, continua sem conseguir resolver seus problemas de fundo, o que segue gerando muita instabilidade política.

Fernández e Macri, presidente entre 2015 e 2019, recorreram a estratégias diferentes para tentar solucionar os problemas do país. Nenhum deles obteve sucesso. Macri entrou na Casa Rosada após um longo período peronista — um mandato de Néstor Kirchner e dois de Cristina Kirchner —, com a intenção de eliminar o protecionismo e o intervencionismo estatal. Ele seguiu a cartilha ortodoxa para conter a inflação, que manda cortar gastos federais. A inflação, indiferente, seguiu em alta. No ano em que ele tentou a reeleição, o preço dos alimentos e bebidas subiu 60%. Em um ano, a faixa da população argentina que vive na pobreza foi de 32% para 35%. Os investimentos externos não apareceram porque a disputa entre China e Estados Unidos levou o dinheiro para longe dos mercados emergentes. Macri foi bem-sucedido em conseguir um empréstimo de 56 bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional, o FMI. Mas o montante não chegou a ser totalmente desembolsado, porque a entidade exigia o controle do déficit fiscal. No fim de seu mandato, ele passou a criticar ainda mais fortemente sua antecessora, Cristina Kirchner, na esperança de jogar toda a culpa nela e reverter o resultado nas urnas depois de uma derrota nas primárias, em 2019. Não deu certo.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner venceram no primeiro turno, com 48% dos votos, apontando o dedo para a economia. Após tomarem posse, presidente e vice retomaram o manual peronista e elevaram os gastos públicos. A pandemia reforçou esse movimento. Desde o início do governo Fernández-Cristina, a dívida pública argentina subiu 30 bilhões de dólares – está agora em 340 bilhões. O país vem imprimindo dinheiro 24 horas por dia e teve até de importar máquinas do Brasil e da Espanha para dar vazão à demanda. A emissão maior de moeda jogou para cima os preços e o custo de vida. A inflação dos últimos doze meses foi de 51%. A pobreza, como consequência, saltou para 44% da população. O ministro de Economia, Martín Guzmán, nomeado com a meta de resolver a pendência da dívida externa, conseguiu um acerto com os credores privados, mas não chegou a anunciar um acordo final com o FMI. Além disso, o PIB despencou 10% no ano passado. No final de agosto, ao falar no Congresso, Guzmán preferiu jogar a culpa em Macri, assim como Macri fizera em 2019.

ReproduçãoReproduçãoMacri: rejeição de 63% se deve à crise no final de seu governo
Ao que tudo indica, o jogo de empurra vai prejudicar os dois lados. Após o desastre nas primárias de domingo, o governo entrou em crise profunda. O clima entre Fernández e Cristina, que já andava tenso, ficou pior. Ela o está pressionando para mudar três ministros que não são do seu agrado: Guzmán, da pasta de Economia, Santiago Cafiero, chefe de gabinete, e Martín Kulfas, ministro do Desenvolvimento Produtivo. O presidente se negou a realizar as trocas. Desde quarta-feira, 15, seis ministros ligados a Cristina entregaram seus cargos, incluindo os das áreas de meio ambiente, ciência e tecnologia e segurança. Na quinta, 16, o presidente escreveu no Twitter que “a gestão governamental continuará a se desenvolver da forma que considero apropriada. Foi para isso que fui escolhido“. No mesmo dia, vazou um áudio em que uma deputada kirchnerista, Fernanda Vallejos, afirma que o presidente é um “mequetrefe que não serve para nada“, que “não tem votos nem legitimidade” e que mantém “um núcleo de inúteis” na Casa Rosada. De noite, Cristina publicou uma carta aberta, na qual afirma que é contra a política de “ajuste fiscal” adotada e criticou “funcionários do governo” por não entenderem a realidade.

Sem políticas apropriadas, a Argentina não consegue realizar o seu maior potencial, o de ser uma grande exportadora de cereais e de carnes. O campo, que poderia ajudar o país a obter divisas, sempre foi penalizado com impostos e medidas arbitrárias. Em 2018, Macri elevou os impostos sobre as exportações, reeditando uma atitude polêmica adotada por Cristina Kirchner dez anos antes. O retorno do peronismo ao poder no final de 2019 voltou a enfraquecer o setor agrário. Em meados do ano passado, o governo de Alberto Fernández anunciou a intervenção na exportadora de soja Vicentin. Os argentinos foram às ruas protestar, com faixas pedindo “respeito à propriedade privada. Em maio deste ano, o governo vetou a exportação de carne, com a justificativa de que era preciso conter os preços no mercado interno. O setor, que ensaiava uma recuperação, imediatamente cortou os investimentos.

Com a derrota do peronismo nas primárias, os argentinos especulam qual será a reação do governo para tentar reverter o placar antes das eleições legislativas de novembro. Nessas horas, o que sempre impera é o populismo. Em 2019, Macri congelou o preço dos alimentos, retirou o imposto sobre valor agregado dos produtos da cesta básica e falou em elevar o salário mínimo. Alberto Fernández e Cristina Kirchner devem tentar algo semelhante, com programas sociais, subsídios e congelamento de preços. “Quando o argentino vai ao supermercado e percebe que terá de gastar mais do que na semana anterior, isso é muito ruim para o governo. Certamente, o governo tentará botar dinheiro no bolso da população”, diz Orlando D’Adamo, do Centro de Opinião Pública da Universidade de Belgrano, em Buenos Aires. Mas a perspectiva de que o governo consiga virar totalmente o jogo é pequena, uma vez que não há muitos recursos para gastar e a emissão de mais moeda agravaria ainda mais a inflação.

ReproduçãoReproduçãoHoracio Rodríguez Larreta, o prefeito que pode virar presidente
O quadro atual parece caminhar para uma repetição do lema “que se vayan todos”, proferido pelos argentinos na crise de 2001. Naquela época turbulenta, os cidadãos pediam a saída de todos os governantes. Agora, 54% dos argentinos dizem ter uma imagem negativa de Cristina. Fernández é malvisto por  58% e Macri, por 63%. Ou seja, os dois polos estão em apuros. No final do século XX, o peronismo, juntando todas as suas facções, nunca ficou abaixo dos 40% nas eleições. Neste século, esteve sempre acima dos 48%, marca alcançada pelas várias correntes peronistas unificadas em torno da chapa Alberto e Cristina Kirchner, em 2019. “É possível que o peronismo unificado volte ao patamar dos 50% no futuro, mas talvez estejamos diante de um fenômeno de outro tipo: uma crise desse movimento como referência na política argentina. É isso o que torna o resultado de 32% das primárias tão perturbador”, diz o cientista político argentino Julio Burdman, da consultoria Observatório Eleitoral. “Minha impressão é a de que o peronismo não está conseguindo mais se mostrar capaz de organizar a sociedade e ajudar o país a sair das crises, como acontecia no passado.”

Caso o voto de castigo abra um vazio político na Argentina, como tudo indica que irá ocorrer, o espaço deverá ser preenchido por figuras alternativas. Na oposição ao atual governo federal, destacaram-se nas eleições primárias políticos ligados ao prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, que deverá se cacifar nacionalmente com o resultado. Economista, Larreta conta com uma aprovação de 48% e é rejeitado por somente 34%. “A Argentina, diferentemente do Brasil, é um país muito centralizado. Quando um prefeito faz algo em Buenos Aires, toda a nação fica sabendo. Então, quem governa a capital tem metade do caminho andado para ser o próximo presidente”, diz o consultor argentino Gustavo Córdoba. Outro que vem ganhando terreno é o também economista Javier Milei, que teve 13% dos votos na capital e deve garantir um posto na Câmara dos Deputados. Milei é um outsider. Admirador de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, ele defende redução dos impostos e do tamanho do estado. É chamado de ultraliberal porque prega o fim do Banco Central. Sua agenda social é heterogênea: é contra o aborto, mas a favor do casamento gay e da legalização das drogas. Com uma linguagem agressiva, Milei ataca ferozmente seus adversários. “Ele tem um discurso contra a elite e contra a política, que surpreendentemente conseguiu a mesma penetração tanto nos bairros ricos de Buenos Aires como nos mais pobres”, diz o analista D’Adamo. À diferença do que ocorre no Brasil, a Argentina caminha para punir os dois polos que vêm dominando a cena política local nos últimos anos. O perigo é optar por um outsider que promete mundos e fundos e, depois, se arrepender. Exemplos por perto não faltam.

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  1. Dizer que Macri seguiu a cartilha ortodoxa e cortou gastos é piada, não? Mais à frente, a reportagem confessa que não cortou gastou (ao apontar a imposição de impostos sobre exportações para tentar cobrir o déficit: ou seja, não havia cortado gastos, não equacionou o déficit e acabou criando impostos).

  2. Meu amigos , onde vocês moram! Em Marte? Tem muita coisa boa no Brasil ! Viajo pelo interior de Minas a trabalho ! Acordem! A imprensa quer destruir tudo! Por favor ! Aqui tem somente esquerdistas? , q querem quanto pior melhor. Da nojo da mídia!, só porque foi cortado o capilé?

    1. Eu moro no interior de Minas e não vi nenhuma mudança por aqui.

  3. Peronismo e Lulismo é a doença autoimune populista corruptiva, incurável. A sapacristina trocou TODOS, do chefe Gab., Economia e Segurança. O chefão da droga Monos, ameaçou " Se não libera nosso Chefe, vamos começar a matar Promotores"... Pois o Ministro de segurança que assumiu ontem, indicado pela sala, falou; " É, tenemos una sensación de inseguridad". Simples assim, la como cá , a esquerda ÷ comparsa do PCC: "Batem um papo cabuloso", lembram? Qualquer semelhança, não ÷ mera coincidencia.

    1. A presidenta manteve o M.da Economia, só pra contrariar seus aliados e provar que ela manda, até porque foi indicação dela. Tal qial Peron quando foi deposto e elegeu o poste Campora, se dizia: " É Campora no governo e Perón no poder",. Lula sonhou isso com Hadad e não à toa o Fernandez veio visitar o condenado na PF, pedir a bênção.

  4. Lamento que a Argentina viva em crise permanente! É por conta do tal "populismo" e o Brasil também não tem muito do que se gabar ...

    1. Esse aí tem medo de usar o proprio nome. E fica dizendo bobagens.

    2. Tem sim ! Seu mundo e muito pequeno! O Brasil vai bem sim! Acorda!

  5. O legal de ler uma reportagem como essa é que as informações apareceram durante a semana mas de maneira meio desorganizada, em outros meios, até por conta da velocidade que os fatos vão acontecendo. Aqui a reportagem é 'limpa' e resume bem o que aconteceu.

  6. Prometem mundos e fundos, mas são só mentiras. Não têm coragem de cortar na carne , de ir contra o parasitismo do estado. Lá como cá. Mas aqui temos a solução do impeachment. Mentiu, roubou, fora!

  7. Ótima reportagem Duda. Brasil, Argentina e a América Latina (não sei se na totalidade) estão em crise geral. Sinais de tempos de mudança.

  8. Seus bostas ! bolso.22 avisou ! Lembram ? K q falta na Argentina e um Bolsonaro q tenha coragem de governar ! Cortando interesses

  9. Que os argentinos saiam desta situação tão triste, que os assola há anos, para poderem se reerguer e que possamos desfrutar de todas as belezas daquele país e de seu povo. Amo a Argentina, fiz e deixei amigos lá, e sigo na torcida de dias melhores para eles. Vamos Argentina !

  10. Aliar se a Kischner foi uma loucura e total desmoronamento de quem pretendia ou pretende governar a Argentina Na América do Sul tem se que remover as crostas de Peron, Chávez, Evo, ditaduras e extremismos ou estaremos fadados a sermos somente celeiros de drogas para abastecer os demais continentes. Desejo que os hermanos acertem em 2023 e entendam que o voto a Milei é um erro grave como o voto a bolsonaro. Erga se Argentina!

  11. A velha América Latrina continua a mesma, nos entregamos para os populistas salvadores da pátria, dá-lhe corrupção, empreguismo, inflação mentirosa, gastos excessivos da administração pública, etc.....

    1. O Brasil não vai melhorar , se pessoas como vocês aqui não criarem vergonha na cara e reconhecerem que Bolsonaro e a última trincheira para desastre total

    2. Enquanto os brasileiros se alternarem entre Lula e Bolsonaro , dois populistas , nada vai melhorar no oaís

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