Gabriel Aponte/Concordia Summit"Nós não estamos avançando essas propostas como algo anti-China. Elas são pró-América"

De olho no pós-pandemia

Maurício Claver-Carone, o assessor da Casa Branca que Donald Trump quer colocar no comando do maior banco de desenvolvimento das Américas, tem duas missões: fazer frente ao avanço da China na região e reaquecer a economia depois da quarentena
04.09.20

A escolha do advogado americano Mauricio Claver-Carone por Donald Trump para disputar a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, gerou ruídos. Para a eleição, marcada para os próximos dias 12 e 13, ele já conta com o apoio do Brasil e de pelo menos outros dezesseis países da América Latina e do Caribe, incluindo o do governo interino de Juan Guaidó, na Venezuela. Alguns presidentes do continente torceram o nariz para a indicação. Argentina, México e Chile, por exemplo, resistem ao nome do advogado.

Com os apoios que já amealhou, Claver-Carone tem cerca de dois terços dos votos. A principal ressalva a seu nome é que, desde a criação do BID, em 1959, o banco tem sido presidido por latino-americanos. Aceitar um americano seria cimentar o controle da instituição pelos Estados Unidos. Em entrevista a Crusoé, de seu escritório na Casa Branca, onde trabalha hoje como assessor de Trump, o advogado rebateu as críticas. “Não estamos mais em 1959. Os Estados Unidos hoje são o segundo país com mais pessoas que falam espanhol do mundo, depois apenas do México. Todas as comunidades da América Latina estão representadas aqui. Somos um microcosmo da região”, diz ele.

Todos os anos, o BID empresta cerca de 13 bilhões de dólares para projetos na região. Claver-Carone quer elevar o montante, negociando com outras instituições financeiras. Também pretende repatriar para o continente investimentos de empresas americanas que foram destinados à China nos últimos anos. Washington tem ainda um interesse geopolítico no plano de colocar um americano no posto: conter o crescente avanço da presença chinesa na América Latina. Hoje, os chineses já são os maiores credores da região, com empréstimos que superam os concedidos pelo próprio BID e pelo Banco Mundial, por exemplo. Eis os principais trechos da entrevista:

Aqueles que não querem o sr. na presidência do BID argumentam que o banco, segundo regras implícitas, deve ser gerido por um latino-americano e não por um norte-americano. Como o sr. vê isso?
Nós apresentamos nossa candidatura seguindo regras que valem para todos. Oficialmente, sou candidato da Guiana, do Haiti, de El Salvador, do Paraguai e dos Estados Unidos. É a primeira vez na história do BID que um candidato representa cada sub-região: América do Norte, América Central, Caribe e América do Sul. Além disso, não estamos mais em 1959. Os Estados Unidos hoje são o segundo país com mais pessoas que falam espanhol do mundo, depois apenas do México. Todas as comunidades da América Latina estão representadas aqui. Somos um microcosmo da região. Eu nasci em Miami. Até certo ponto, sou um exemplo disso. Sou representativo da região. Costumo brincar que, se em 1959 os Estados Unidos tivessem apresentado um candidato para o BID, seu nome seria John Wayne ou John Smith. Mas eu sou Mauricio Claver-Carone (os pais dele emigraram de Cuba. Claver é um sobrenome espanhol e Carone tem origem italiana).

DivulgaçãoDivulgação“Isso não é uma coroação. Trata-se de um processo democrático”
Quem são os que reclamam de sua nacionalidade americana?
Principalmente alguns ex-presidentes da região. Eles estão presos ao passado. Nós, ao contrário, queremos nos desacorrentar dos preconceitos e olhar para o futuro. Entendemos que os Estados Unidos têm um compromisso histórico para dar mais relevância e força ao BID e aos vizinhos da região. Além disso, vale lembrar que isso não é uma coroação. Trata-se de um processo democrático, em que prevalece a vontade da maioria. Se alguns países estão inseguros com minha nacionalidade, eles podem votar em outro candidato ou se abster. É um direito que todos têm.

O fato de os presidentes do BID até agora terem sido latino-americanos é um problema?
Em qualquer banco privado do mundo, um diretor jamais pode ser a pessoa que recebe os empréstimos. Isso resultaria em um óbvio conflito de interesses. Com os Estados Unidos, esse risco não existe porque não se trata de um país que toma empréstimos do BID. As coalizões internacionais que dirigiram a instituição nessas seis décadas nunca permitiram que as regiões do Caribe ou da América Central tivessem um vice-presidente. Muitos países pequenos nunca tiveram diretores. E o Brasil sempre foi sub-representado. Acredito que esta é uma oportunidade preciosa para deixar o banco mais representativo. Seria um legado muito bom para o futuro.

O BID fez empréstimos equivocados no passado?
Ninguém é perfeito. Não creio que existam instituições financeiras no mundo com um histórico sem falha alguma.

Perguntei sobre empréstimos no passado porque o sr. falou em possíveis conflitos de interesses no BID.
Não digo essas coisas como uma crítica. Só quero mostrar como algumas queixas que estão sendo feitas contra mim por ex-presidentes são francamente injustas. Eu me comprometi a ficar no cargo por um período de cinco anos. Não tenho a menor dúvida que, em 2025, o próximo ocupante do posto será da América Latina.

Por que o sr. só pensa em ficar na presidência do BID por cinco anos?
Precisamos dar mais transparência à liderança. Tradicionalmente, os presidentes permanecem de 15 a 20 anos no comando. Com isso, foram apenas quatro presidentes em seis décadas. O problema é que, quando alguém fica muito tempo no cargo, pode deixar de trabalhar para os acionistas, para a junta diretora e para os governadores. Mas são eles que devem tomar as decisões, seguindo as regras do BID. Precisamos devolver o poder aos diretores e aos governadores do banco (cada país designa um governador, que pode ser o ministro da Fazenda, o presidente do banco central ou outro funcionário de alto nível). O presidente deve ser apenas uma espécie de motorista. As decisões e a agenda do banco devem ser feitas e aprovadas pelos acionistas.

ReproduçãoReprodução“Nós apresentamos nossa candidatura seguindo regras que valem para todos”
Que outras mudanças o sr. pretende implementar?
A primeira é tornar o banco financeiramente mais relevante. Precisamos de um banco que possa mobilizar mais recursos para enfrentar a crise econômica e a pandemia. A prioridade para mim é conseguir uma recuperação econômica no primeiro trimestre de 2021. Fala-se muito de planos para 2025, para 2030, mas a minha opinião é a de que precisamos olhar para 2021. Se no primeiro trimestre do próximo ano a região não estiver se recuperando, então teremos uma década perdida. Também quero tornar a administração mais eficiente. O banco tem demorado entre sete e dez meses para conceder empréstimos. Para um país grande como o Brasil, que tem outros mecanismos para arrecadar dinheiro, essa lentidão não é um obstáculo tão grande. Para um país pequeno, esperar tanto tempo pode ser devastador.

Conceitos que foram desenvolvidos e implementados no governo Trump poderão ser aplicados ao BID?
Um deles é o “América Cresce”, um programa que começou aqui na administração por meio de acordos que fizemos com uma dezena de países na região. Recentemente, assinamos um com o Brasil. O objetivo é financiar projetos de energia e infraestrutura. Queremos analisar quais são os obstáculos para obter financiamento no mercado privado. Nos Estados Unidos, instituições privadas, companhias de seguros e outras entidades investem trilhões de dólares no mercado. Essas firmas fazem isso porque conhecem com clareza quais são as condições para fazer seus investimentos. Precisamos ver como podemos facilitar investimentos em projetos de energia e infraestrutura na América Latina. O BID também poderia compartilhar esse financiamento, criando coesão com outras entidades financeiras. Isso poderia ser organizado com bancos nacionais de fomento, como o BNDES, no Brasil. Outra iniciativa é o “Regresso para as Américas”, que busca atrair empresas que investiam na região nas últimas décadas, mas acabaram mudando suas fábricas para a Ásia. Estamos vendo como podemos incentivar essa volta. De 2018 a 2019, os investimentos de empresas americanas na América Latina e no Caribe caíram 35 bilhões de dólares. Na Ásia e no Pacífico, no mesmo período, o aumento foi de 50 bilhões de dólares. Imagine o impacto que teríamos se esse dinheiro voltasse à região.

Como a China tem reagido?
Eu sou muito claro. Sabemos que nós, os Estados Unidos, somos o sócio preferido da América Latina. Nós compartilhamos princípios democráticos, valores de mercado, história. Sempre buscamos que se jogue sob certas regras, e que essas regras sejam transparentes. As empresas chinesas não competem conosco dessa maneira. Mas nós não estamos avançando essas propostas como algo anti-China. Elas são pró-América. Na política, me ensinaram que para ser mais eficiente é preciso ser a favor de algo, e não contra algo. Nós estamos oferecendo algo positivo, uma alternativa atrativa que, naturalmente, agregaria nossos vizinhos. Seria o melhor para nossa segurança econômica. Aprendemos isso na pandemia. Com o coronavírus, quase todos os países fecharam suas fronteiras. Em todo o planeta, onde as empresas tiveram mais sucesso em manter as cadeias de abastecimento funcionando foi na nossa região, no hemisfério ocidental. Isso aconteceu porque havia confiança nas relações. Por outro lado, as empresas tiveram suas piores experiências ao lidar com países distantes, como China. Com eles, houve pouca comunicação, pouca transparência e os fluxos foram suspensos sem muita explicação.

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  1. Particularmente vejo a China como um parceiro comercial mais relevante para nós, apesar da postura política. Mas parece que neste caso a paranoia americana vai ajudar nossos países. Gostei da postura e das respostas! Tem certeza de que foi o Trump mesmo que indicou.

  2. Os EUA são realmente um microcosmo da região, o governo Trump não. Trump representa a elite branca conservadora e suas políticas elitistas e racistas. Trump não dá a mínima para povos “marrons”, apenas quer deter a influência econômica da China. Too late.

  3. vejo com descofiança está nomeação, será ruim para o Brasil e os países latinos e toda a vantagem para os Estados Unidos.

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