Para fechar o ano: uma pequena crônica natalina
Moro em Higienópolis, um bairro de São Paulo. Quem quiser me encontrar, basta andar de noite pela região durante este período e olhar para cima. De igual forma ao holofote que projeta a silhueta de um morcego para chamar o Batman, o clarão imenso da iluminação natalina idealizada pelo síndico indicará com precisão a localização...
Moro em Higienópolis, um bairro de São Paulo. Quem quiser me encontrar, basta andar de noite pela região durante este período e olhar para cima. De igual forma ao holofote que projeta a silhueta de um morcego para chamar o Batman, o clarão imenso da iluminação natalina idealizada pelo síndico indicará com precisão a localização do meu prédio. Nenhum outro lugar do bairro, do país ou do mundo é páreo para nós. Passou por ali e viu o clarão, esteja certo, é meu prédio.
Mas não é só. Há, ainda, nessa época, os encontros de confraternização promovidos quase semanalmente. Tem a festa dos funcionários, a festa dos moradores, com as crianças, sem as crianças, a festa do Natal, do pré-Natal, do escambau, em que todos se encontram e se solidarizam.
Odeio tudo isso. Acho a iluminação cafona e as festas chatas. Não vejo razão para que meu prédio tenha as cores que a vida real de nenhum adulto tem, nem vejo razão para confraternizar com gente estranha que, por mero acaso, mora no mesmo lugar que eu. Abraçar e trocar afetos é algo reservado à minha família e, ainda assim, família stricto sensu: pais, esposa, cachorros, enteada, irmã – e já está bom demais!
Solidarizar-se passa muito longe de trocar abraços fingidos, ir a festas chatíssimas e decorar a fachada com iluminações escandalosas. Confraternizar com moradores e funcionários é algo que se faz nas sombras, na rotina, quando ninguém está vendo, nem esperando. O bom dia cortês, ao cruzar o caminho do outro pela manhã, a cerimônia no elevador, o respeito com os lugares de convivência. O resto é balela, coisa de gente adulta que não cresceu.
Durante o ano, boa parte dos moradores não olha na cara dos funcionários. Conheço uma senhora que chega a desviar o rosto quando há o risco mínimo de ter de cumprimentar alguém. O zelador é mais mal-humorado que meu cachorro em dia de banho e o vizinho, quando coloquei ao lado de minha porta uma sapateira de 50 centímetros, me notificou alegando que obstruía a passagem. Pensei comigo: só se for a passagem de formigas. Mas quando chega o Natal... ah, quanta luz, quanta festa, quanta alegria. Façam-me um favor: me deixem em paz!
Aos leitores, boas festas – sem vizinhos – e, quando meu humor voltar, torno a falar de Direito e de política, para que ele possa piorar de novo. É a vida, ao menos, a minha.
André Marsiglia é advogado, pesquisador e articulista.
andremarsiglia..com.br
@marsiglia_andre
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
SILVIO WERSON
2022-12-28 08:53:10Compreendo o ataque de saco cheio do advogado e articulista que já se vê obrigado diariamente a cumprimentar juízes e funcionários de cartório quando a vontade era de pular o balcão e sair atirando nesse povo que se acha os donos da caneta e do carimbo e portanto se concede o dtripudia nosso saco o ano todo, dezembro inclusive, até chegar o santo dia 20, início do santo mês de recesso judiciário em que você tem apenas que continuar aulando seus clientes, já que a camarilha forense está de folga.
Míriam
2022-12-25 17:13:08Amei sua crônica natalina,é me solidarizo com vc, não há nada mais ridículo e enfadonho que essas falsas confraternizações.
Alberto de Araújo
2022-12-25 10:38:32Talvez esteja com prisão de ventre, das brabas. Enfesado, cheio de feses. Mesmo que seja uma vez ao ano compartilhar gentilizas, vale a pena.Particularmente, acho o mes de dezembro o mais comprido do ano, embora tenha 31 dias, como outros.O espírito natalino do prezado jornalista é espírito de porco. A hipocrisia natalina é bem entendida. Há hipocrisias que me deixam também enfesado. O culto à pobreza dos petistas é um chute nos culhões.
JoseL
2022-12-25 08:13:16Tem gente que consegue, ou tenta, fazer a diferença. Outros como o "infeliz" cronista, se morrer, talvez nem receba um "já foi tarde"!
MARCOS ROSA
2022-12-25 08:04:44Essas datas são arquitetadas pelo comércio e indústria com o único propósito de incrementar as vendas, e o povo acredita que são atos de boa vontade. Na verdade são um saco de gatos, ano novo, carnaval, dia das mães, dos pais, dos avós, dos sogros, black friday, Natal e o escambau…
JULIANA
2022-12-25 01:29:22🤭🤭🤭🤭 Amei! Eu fujo de confraternizações como minha gata foge de banho...
Robson Correa Chaves
2022-12-24 22:54:21Excelente reflexão! É insuportável ter de lidar com essas datas festivas de dezembro. Qualquer celebração que não seja natal e ano novo é infinitamente melhor.
Welington Heringer
2022-12-24 21:29:52... Meus 2 Celulares deram prego (pau) desde ontem. ... Não ligo para nada. ... Detesto receber o que não recebo em dias normais. ... Gosto da confusão e realidade dos dias comuns.
Davidson
2022-12-24 20:20:35👏👏👏👏👏
Eduardo
2022-12-24 18:12:18Tem muita falsidade nessa época mesmo... compartilho do seu mau humor kkk