'Ortega é muito pior que Somoza', diz feminista Ana Quirós
A feminista nicaraguense Ana Quirós atraiu a fúria de Daniel Ortega ao apoiar, em 1998, a denúncia de estupro apresentada pela enteada do ditador. No ano passado, ela sofreu na pele a truculência estatal por participar de manifestações contra o governo. Foi detida e escoltada por soldados armados com fuzis até a fronteira com a...
A feminista nicaraguense Ana Quirós atraiu a fúria de Daniel Ortega ao apoiar, em 1998, a denúncia de estupro apresentada pela enteada do ditador. No ano passado, ela sofreu na pele a truculência estatal por participar de manifestações contra o governo. Foi detida e escoltada por soldados armados com fuzis até a fronteira com a Costa Rica.
Formada em Medicina, com especialização em saúde pública, Ana Quirós, percorreu o caminho oposto, indo da Costa Rica para a Nicarágua, nos idos de 1970. Estava deslumbrada com os ideais da Revolução Sandinista. Com a renúncia do ditador Anastasio Somoza em 1979 e o triunfo dos revolucionários, ela escolheu a Nicarágua como sua nova casa. Quatro anos depois, fundou o Centro de Informação e Serviços na Área de Saúde (Cisas), uma ONG que avaliava políticas públicas de saúde, defendia a comunidade LGBT e combatia a violência de gênero. Ao longo dos anos, seu papel político foi crescendo. Em 1998, quando Zoilamérica Ortega Murillo, filha da vice-presidente da Nicarágua, Rosario Murillo, denunciou o padrasto, Daniel Ortega, por estuprá-la quando criança, Ana colocou-se do lado da vítima. Em meados de 2018, ela começou a participar dos protestos contra a reforma da previdência. Ao que o governo respondeu com truculência, revelando sua verve autoritária, Ana tornou-se a primeira pessoa a ser atacada pelos paramilitares. Em novembro, sua ONG foi fechada e ela foi expulsa para a Costa Rica. De San José, onde vive com ajuda da Fundação Arias, do ex-presidente Oscar Arias, ela conversou com Crusoé pelo telefone.
Como foi que a sra. chegou à Costa Rica? No sábado, 24 de novembro, oficiais bateram à porta da minha casa com uma intimação. Eu deveria comparecer à Direção Geral de Migração na segunda 26, pela manhã. Obedeci e fui para lá com minha advogada, mas não deixaram que ela entrasse comigo. No prédio, eles leram uma resolução que cancelava minha cidadania nicaraguense. Fui algemada e levada para a prisão El Chipotle, um cárcere da época de Anastasio Somoza (1925-1980). Fiquei lá entre quatro e seis horas. Tiraram fotos, pegaram minhas digitais e passaram parafina nas minhas mãos, para ver se eu tinha disparado alguma arma. Então, fui levada para uma cela com outras mulheres. Elas são o que chamamos de “autoconvocadas” ou “azul e branco”: participaram das manifestações contra o governo, mesmo sem pertencer a partido algum. Algumas estavam presas havia mais de vinte dias. Fiquei lá umas horas e me chamaram novamente, dizendo que eu seria expulsa do país.
Como eles fizeram isso? Fui algemada e colocada em um ônibus. A bordo, havia ao menos oito homens armados com fuzis AK-47 e coletes à prova de balas. Outros dois carros nos acompanharam até a fronteira. Chegando ao destino, soltaram minhas mãos e me entregaram para as autoridades da Costa Rica, que já estavam avisadas.
Por que a expulsaram? Em primeiro lugar, apoiei a denúncia apresentada por Zoilamérica Ortega Murillo, em 1998. Ela acusou seu padrasto e atual presidente Daniel Ortega de a ter violado na infância. Depois disso, tenho sido crítica a Daniel Ortega, da corrupção do governo e da sua atuação ditatorial. Denunciei os desvios de fundos da cooperação venezuelana e o abuso de poder. Acho que são essas coisas que explicam a raiva que o presidente tem contra mim. É por isso que fui a primeira pessoa ferida nos protestos do ano passado, em 18 de abril.
Como foi o ataque? Eu estava em uma manifestação contra a reforma da previdência. Um grupo de paramilitares com capacetes escuros veio de longe e foi direto contra mim. Não era possível ver seus rostos. Eles me bateram com um tronco de árvore e com um tubo. Me machucaram em dois lugares na cabeça, quebraram os dedos da minha mão direita e o meu pulso.
Zoilamérica não retirou a denúncia de abuso sexual contra Daniel Ortega na Comissão Interamericana de Direitos Humanos? O que ela fez foi retirar o caso, não a denúncia. Ela não disse em momento algum que o crime não aconteceu. O que ela fez foi desistir de seguir com o processo, porque seria muito desgastante e não estava levando a nada. Fez isso depois que Ortega venceu as eleições para presidente, em 2006. Ela sabia que a Justiça não seria feita nem dentro do país nem no plano internacional.
Fortalecer o papel das mulheres e a população LGBT incomoda o governo de Ortega? Toda atividade da sociedade civil, de qualquer área, importuna o governo. Mas o trabalho com as mulheres perturba mais ainda. Daniel Ortega e Rosario Murillo não gostam nem um pouco de feministas como eu. Também não têm simpatia por meu trabalho com a população LGBT. Eles achavam que poderiam controlar esse grupo. Mas, durante os protestos, viram que não tinham esse poder. Ao menos duas pessoas ativas da comunidade LGBT foram assassinadas na Nicarágua. Temos 22 nas prisões e muitíssimos tiveram de fugir do país. Além disso, na Cisas, nós também fizemos uma análise de políticas públicas e de orçamento que irritou muito o governo.
O que a Cisas descobriu com esse trabalho? Que esse regime é altamente corrupto. Que dizem uma coisa e fazem outra. Que as metas do programa Fome Zero ou do Plano Nacional de Saúde não foram cumpridas e que os projetos estão muito partidarizados.
Como assim partidarizados? Para ganhar algum benefício é preciso ser do partido governista (a Frente Sandinista de Libertação Nacional, FSLN). No programa Fome Zero, as pessoas ganham uma vaca, um porco, dez galinhas ou sementes. Mas quem não é do partido não tem como receber isso. No caso da política de saúde, para pedir um exame de ultrassom ou ressonância magnética, é preciso levar uma carta de aval do partido.
O governo de Ortega é machista? Totalmente. Nos últimos dois ou três anos, eles acabaram com as delegacias especiais para a mulher. Tudo foi feito silenciosamente, sem qualquer anúncio. As organizações de defesa das mulheres têm sido perseguidas desde 2007. Em várias ocasiões, ele impediu as passeatas de 8 de março, do Dia Internacional da Mulher, e de 25 de novembro, que marca a luta contra a violência de gênero. Há um machismo intrínseco nesse governo que não tolera as feministas. De nossa parte, nunca paramos de denunciar o caráter criminoso dessa ditadura.
O que aconteceu com a estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima, que foi assassinada em Manágua em julho do ano passado? Definitivamente, foi obra dos paramilitares. Foi um assassinato, algo totalmente injustificado. As investigações foram manipuladas. Eles apontaram um homem como o assassino (Person Gutiérrez Solís), mas teve mais gente envolvida. É muito suspeito que o carro em que Raynéia estava tenha desaparecido. O noivo dela também sumiu. Ele era a única testemunha que poderia contar o que aconteceu. As investigações, ao final, foram feitas pelos próprios autores do crime: a polícia e os paramilitares. É como deixar um rato tomando conta do queijo. Não há a menor chance de eles culparem a si próprios. Não acredito em nada do que eles disseram, nem creio na Justiça da Nicarágua. Nenhum juiz tem independência no país. Também não confio no Instituto de Medicina Legal, que faz as perícias. A repressão em 2018 deixou pelo menos 350 mortos. Temos 675 presos políticos, o dobro do que há na Venezuela. Nada foi investigado corretamente.
Quais são as acusações mais comuns contra os nicaraguenses que estão presos? Terrorismo, bloqueio de ruas e avenidas, assassinato. Tudo inventado.
A repressão diminuiu nas últimas semanas? Os assassinatos têm sido menos frequentes, mas as prisões arbitrárias continuam. Nove organizações de direitos humanos, incluindo a Cisas, foram fechadas no final do ano passado. Os escritórios foram invadidos e os policiais levaram documentos e computadores. Tudo sem nenhuma ordem legal. A imprensa independente é constantemente perseguida. Muita gente continua indo para México, Costa Rica e Estados Unidos. Temem pela própria vida. Só na Costa Rica, 40 mil pediram refúgio. Isso sem contar os que entraram ilegalmente ou aqueles que, como eu, têm dupla nacionalidade. Eu fui a única nicaraguense expulsa.
A sra. pensa em voltar para a Nicarágua? Se puder, voltarei. É o meu país. Vivi lá por quarenta anos. Foi uma escolha minha. Fui para lá no final dos anos 1970. Era a época da Revolução Sandinista. Queria aprender o que estava acontecendo e colaborar de alguma forma. Queria ajudar a população nicaraguense a conquistar seus direitos.
Então a sra. foi para lá pela Revolução Sandinista e agora foi expulsa pela Revolução Sandinista? Não, isso não é revolução alguma. Fui para a Nicarágua para combater uma ditadura, mas saio de lá por obra de uma ditadura muito mais violenta. Ortega é muito pior que Somoza.
Por quê? Somoza não fechou nenhuma organização civil. Não ordenou a invasão de suas sedes. Não expulsou pessoas, nem as despojou de suas nacionalidades. Somoza tinha paramilitares, mas nada que se parecesse com o que estamos vendo agora.
Como Ortega se mantém no poder? Ele se mantém pelas armas e porque tem um grupo de nicaraguenses que depende economicamente dele. Também conta com a polícia, os paramilitares e o silêncio cúmplice do Exército. A Venezuela também ajudou porque deu apoio financeiro no passado. Embora as transferências tenham caído porque Nicolás Maduro está em crise, seus aliados nicaraguenses acumularam milhões de dólares ao longo de dez ou doze anos. Com isso, eles ainda têm capital de sobra.
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Comentários (10)
Andréa
2019-02-06 00:38:05Essa é a revolução da esquerda...
Bruno
2019-02-05 23:17:54No Brasil na “época da ditadura” morreram quase 500 pessoas em 20 anos. Convenhamos, no Brasil nunca houve Ditadura de verdade, ditadura é isso que está acontecendo na Nicarágua, Venezuela e logo logo Bolívia. Escapamos por pouco.
Patrick
2019-02-05 18:41:13Esse pessoal esquerdista, como essa Ana Quirós, ou é lesado mentalmente (demoram muito para pegar no tranco, o cair a ficha) ou vive permanentemente no mundo da lua e fantasia ou é bandido e vigarista ou uma combinação de todos os atributos anteriores. Desde 1917 o mundo sabe como terminam muito mal as experiências socialistas/comunistas (URSS, China, Cambodja, Cuba etc...).
Cláudia
2019-02-05 16:36:40Sempre o mesmo modus operandi da esquerda. Destroem os países onde se instalam. Graças a Deus por aqui conseguimos evitar a tempo.
Marcos
2019-02-05 16:24:31A mesma receita lulo-castrista do Foro de São Paulo. Elite do partido comunista se eternizando no poder, depravação, destruição e inversão de valores, economia fascista, limpeza social, censura, repressão, genocídio...
Naft
2019-02-05 16:12:55Avisa o PT e a Amante, Lindinho, a gancaceira do RN, a Graziotin e H. Costa, entre outros. Peguem o Tófolli, Lewandowiski, MAM e o sapo beiçudo - e porque não o Celso de Melo. Devem ir todos juntos para a Nicarágua defender o estado de direito, as garantias constitucionais e a presunção de inocência. Fácil defender aqui no Brasil para bandidos que deveriam ou já estão na cadeia! Corja!
Daniel
2019-02-05 16:12:25Isso não é a revolução? Isso é a sublimação da revolução, é o que sempre acontece em todos os casos. Quando será que os comunistas verão que sua nefasta ideologia só trás mortes e destruição?
1984
2019-02-05 15:23:52Essa é a América Latina. Caetano Veloso é "Loco por essa América", Loco de Amores, Locos Varridos, Locos Torturadores, Locos Estupradores, Locos Ditadores , Locos Assassinos.
Márcio
2019-02-05 15:04:52Mais um caso patológico de esquerdismo puro sendo apresentado ao mundo real. Essa feminista esquerdista se f.... lascou, viveu todos esses anos a custa do dinheiro do governo.
Cicero
2019-02-05 14:57:56"A FESTA DO BODE" Livro de Vargas Llosa a respeito do Ditador Rafael Trujillo, da Republica Dominicana. Leitura recomendada, assuntos afins.