O que Alexandre de Moraes não entendeu sobre John Stuart Mill
Ministro do STF distorceu as ideias do filósofo inglês, que é um dos principais defensores da liberdade de expressão

O ministro do STF Alexandre de Moraes (foto) citou o filósofo inglês John Stuart Mill nesta quinta, 12, durante debate no plenário sobre a regulamentação das redes sociais.
"Alguns diriam ou vem dizendo que aqueles que defendem a regulação, os princípios constitucionais, os preceitos legais, são ditadores, porque querem impor a Constituição, o respeito aos direitos fundamentais e a legislação às Big Techs", disse Moraes.
Moraes disse que Big Techs podem tudo e não precisam responder por nada.
"São ditadores, dizem, ditadores porque precisam cercear o mercado livre de ideias, idealizado por John Stuart Mill", afirmou Alexandre de Moraes. "E quem disse isso jamais leu John Stuart Mill porque, principalmente em virtude das redes sociais, você dá um Google 'Start Mill' e vem uma frasezinha lá. Então você virou culto."
Moraes então faz uma interpretação muito própria sobre os pensamentos de Stuart Mill.
"Stuart Mill jamais — jamais — defendeu a liberdade de expressão absoluta. Stuart Mill, na sua célebre obra A Liberdade, de 1859, (...), ao consagrar a liberdade de expressão como um direito essencial à vida em sociedade, jamais disse ser um direito absoluto. Lá, no século 19, já previa Stuart Mill a possibilidade excepcional de restrição a esse direito caso acarretasse o chamado 'dano injusto'", disse Moraes.
"Stuart Mill diz: a única liberdade que merece esse nome é a de buscarmos o nosso próprio bem, da nossa própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros do seu próprio bem ou impedir os seus esforços para obtê-los", segue o ministro do STF.
"A humanidade, disse Stuart Mill, ganha mais tolerando que cada um viva como lhe pareça bom do que os forçando a viver como parece bom aos demais. Segue a liberdade dentro dos mesmos limites. De combinação entre indivíduos. Liberdade para se unir para algum propósito. Não envolvendo dano aos outros. Repito: não envolvendo danos aos outros", disse Moraes, citando o filósofo inglês.
Então, o ministro traz o que — segundo ele — seria a conclusão do autor.
"Considerando que qualquer parte da conduta de alguém influencia de modo prejudicial os interesses de outros, a sociedade adquire jurisdição sobre tal conduta, e a questão de saber se essa interferência favorecerá ou não o bem-estar", disse Moraes.
O escritor, tradutor e PhD em Filosofia Dennys Xavier, colunista de Crusoé, comentou a fala do minsitro do STF.
"Alexandre de Moraes, num exercício esdrúxulo de apropriação criativa de um autor (que não tenhamos dúvida, desprezaria a sua atuação como ministro), cita John Stuart Mill sem levar em consideração elementos basilares", afirma Xavier.
Entre os elementos, Dennys cita a radical distinção entre liberdade de expressão e liberdade de fazer.
Uma coisa é a expressão de uma opinião que pode ser indigesta para outra pessoa. Outra coisa é tomar uma atitude que impeça alguém de perseguir seus objetivos na vida.
Outro elemento, segundo Dennys Xavier, é a ideia de dano como efeito materialmente verificável.
Não basta que alguém diga que foi prejudicado com a opinião de outro, é preciso provar que houve um prejuízo.
"Para o autor, ao contrário do que sugere o ministro, a liberdade de expressão encontra limite num dano de repercussão fática/objetiva, jamais em dimensão que dependa do modo como alguém 'interpreta' o que está sendo dito, como danoso ou não danoso", afirma Dennys Xavier, autor do livro Da palavra ao medo.
"Dependêssemos do modo como cada um se sente em relação ao que é dito, de duas uma: ou viveríamos condenados a uma civilização do silêncio (sempre a temer que algo possa, quem sabe, machucar alguma sensibilidade) ou teríamos instâncias estatais para determinar, segundo parâmetros subjetivos, o que potencialmente poderá machucar a alma de algum interlocutor. A opção de Alexandre de Moraes e de seus colegas, que não se cansam de promover elogios mútuos e auto-unções, está clara: querem eles determinar o que pode ser dito. Seriam eles motivo de profundo desprezo de Mill, que, a essa altura, revira em seu túmulo", diz o escritor.
Assista ao Papo Antagonista:
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Comentários (2)
Denise Pereira da Silva
2025-06-13 07:37:34A quem esses auto-iluminados por seus egos inflados pensam que enganam? Vergonha de STF, cujas sessões parecem mais clube de velhinhas que nada mais têm a fazer, a não ser debochar dos que tentam sobreviver neste país.
Clayton De Souza pontes
2025-06-12 16:41:50Infelizmente esses togados não enxergam o limite constitucional nem respeitam os demais poderes. Poderiam se candidatar ao legislativo pra fazer suas propostas