Reprodução/ @OPEArgPresidente da Argentina, Javier Milei, discursa ao público da sacada da Casa Rosada durante a cerimônia de posse - 10/12/2023. Reprodução/ @OPEArg

O que a última medida de Milei diz sobre a economia da Argentina

13.03.24 16:52

O governo de Javier Milei, na Argentina, anunciou a liberação de importações de produtos da cesta básica, que compreende alimentos, assim como produtos higiene pessoal e limpeza.

A Casa Rosada espera que o estímulo à importação aumente a oferta no mercado nacional e baixe os preços daqueles produtos.

Segundo o anúncio, feito pelo porta-voz da presidência, Manuel Adorni, em coletiva de imprensa na terça, 12 de março, a medida serve para “ajudar na correção de preços desses produtos” e “acelerar a normalização dos preços”.

O que o governo fez para liberar as importações?

 

A liberação das importações envolve, de fato, duas medidas.

Uma delas é a suspensão, por 120 dias, da cobrança da “percepção de IVA” sobre os itens da cesta básica e, também, sobre medicamentos.

A percepção de IVA é como uma segunda parcela do imposto sobre consumo, a ser paga em até meses depois da compra.

A segunda medida para liberar as importações é que o Banco Central acelerará a liberação de dólares para pagar as importações dos produtos da cesta básica.

Ele deixará de parcelar em quatro cotas mensais e pagará os importadores em uma vez dentro de 30 dias da compra.

Tema importante durante as eleições em 2023, a falta de dólares do BC levou a atrasos de importações e desabastecimento, como, por exemplo, com a gasolina.

Por que o governo liberou as importações agora?

 

Quando Adorni fala em “acelerar a normalização dos preços”, é porque a Casa Rosada acredita que os preços dos produtos não condizem com o atual cenário de desaceleração da inflação.

Anunciada pelo Indec (o IBGE argentino) também nesta terça, 12, a inflação ao mês foi de 13,2% em fevereiro.

Assim, a inflação segue desacelerando, depois de registrar 20,6% ao mês em janeiro e o pico de 25,5%, em dezembro.

Segundo Adorni, representantes de supermercados reconheceram em reunião com o governo prévia à liberação das importações que eles reajustaram os preços de suas mercadorias com a expectativa de uma inflação maior.

“O cenário que [eles] avaliaram era catastrófico, algo que não aconteceu”, disse o porta-voz na coletiva da terça.

Os dados do Indec desta terça condizem, de certa maneira, com a declaração de Adorni.

Os itens que compõem uma cesta básica total de bens e serviços, que delimita a linha da pobreza, subiu 15,8% em fevereiro, ante uma inflação geral de 13,2%.

Hoje, uma família padrão para o Indec, que envolve pais e duas crianças pequenas, precisa de 690.900 pesos (3.450 reais) para não ser considerada pobre.

Qual é o receio do comércio?

 

Em um país acostumado há décadas, pelo menos desde os anos 1970, com políticas econômicas heterodoxas e abruptas, a apreensão do empresariado, e também dos consumidores, é a norma.

O maior receio hoje é por uma nova desvalorização do peso na cotação oficial, antes esperada para final de março e, agora, recalculada para até junho.

Em dezembro, dias após a posse, o governo Milei reduziu em 50% o valor da moeda nessa operação de câmbio, que não é acessível à maioria dos argentinos mas influencia a cadeia produtiva e, logo, os preços.

O que pode vir pela frente?

 

O ministro do Interior, Guillermo Francos, ventilou a possibilidade de estender as mesmas medidas de liberação a importações de outros setores, nominalmente o têxtil e o eletrônico.

“Celulares ou têxteis? Teremos que abrir a economia porque estamos sujeitando os argentinos a pagar preços internos que são muito caros. Todos esses itens vão ter que ser liberados, as importações devem ser permitidas”, afirmou Francos.

De fato, Milei afirmou em diversas ocasiões que pretende remover todas as restrições a importações até o meio de 2024.

Entretanto, uma liberação acelerada pode prejudicar os produtores e a indústria locais.

Na esteira do anúncio de Adorni na terça, a maior da indústria nacional, a União Industrial Argentina (UIA), emitiu um comunicado crítico à medida.

“Enquanto os produtores nacionais devem pagar nas quatro prestações mensais e com o imposto os insumos necessários à produção, os importadores de produtos acabados ficarão isentos de impostos e terão acesso total às divisas necessárias num único pagamento de 30 dias”, afirma a UIA.

Segundo a entidade, a liberação das importações anunciada na terça “afeta gravemente a competitividade das empresas que operam, produzem e empregam no país”.

 

O que a liberação das importações não diz da economia?

 

A reclamação dos produtores nacionais remete a um ponto frágil da política econômica de Milei.

A Casa Rosada tem sustentado sua política econômica em superávits fiscais, ou seja, em nunca gastar mais do que arrecada.

E, de fato, conseguiu o feito em janeiro, mas de uma maneira insustentável ao longo prazo.

Os maiores cortes de despesas dependem do avanço da inflação, como o não reajuste de aposentadorias, e do fim de repasses às províncias.

Assim, a Casa Rosada perde apoio popular e político para poder implementar as reformas estruturais que precisa para liberalizar a economia e aumentar a competitividade local.

Levantamento apresentado pelo jornalista argentino Carlos Pagni na segunda, 11, véspera do anúncio da liberação das importações, mostra que o comércio local na Argentina está em queda vertiginosa desde outubro.

Isso levou o governo a perder 11% de sua arrecadação via impostos ligados à atividade econômica local em janeiro, comparado ao mesmo mês em 2023.

Foi de 4 trilhões a 3,5 trilhões de pesos, ajustados pela inflação.

No mesmo período, duplicou-se a arrecadação ligada às restrições às importações, como o imposto PAIS, indo de 700 bilhões a 1,6 trilhões de pesos.

Por ironia, o governo está ficando cada vez mais dependente de algo que quer, e precisa, acabar.

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  1. Os argentinos esperam um milagre de Milei, mas milagres não existem. Ou apoiam seu presidente nas medidas mais duras ou terão a esquerda mentirosa e corrupta de volta.

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