No Amapá, primeira-dama é nomeada como fiscal das contas do próprio marido

As indicações políticas e os frequentes escândalos nos tribunais de contas do país já fazem parte da crônica política brasileira. Mas uma nomeação surreal na corte do Amapá gerou perplexidade entre auditores e procuradores de contas e, agora, é analisada pela Justiça.

Com a articulação do governador Waldez Góes, do PDT, a Assembleia Legislativa do estado aprovou a indicação da primeira-dama, Marília Góes, para uma vaga de conselheira do Tribunal de Contas.

Em resumo: a mulher do chefe do Executivo terá a atribuição de fiscalizar e julgar as contas do próprio marido. Em uma ação popular, o Tribunal de Justiça do Amapá suspendeu a escolha, mas o governador e seus aliados tentam reverter a decisão para garantir a posse de Marília, que é ex-deputada estadual.

“Esse debate tem um grande reflexo na confiabilidade social da população com relação à atividade de controle. Em outras palavras, é como se a gente colocasse a raposa para cuidar do galinheiro”, resume Ismar Viana, presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil.

“Como há vínculo de parentesco, existe um impedimento legal. O cidadão vai confiar no controle feito pela mulher do governador? Será que ela vai garantir um controle independente, imparcial, autônomo das contas das secretarias de estado, das entidades da administração indireta? Cargo público não é um bônus, existem atribuições a serem desempenhadas. Essa discussão deve transcender os aspectos da mera legalidade e ingressar na legitimidade”, afirma Viana.

A escolha da primeira-dama do Amapá como conselheira levanta outra questão relevante para técnicos que atuam na fiscalização das contas públicas: as falhas no processo de escolha dos integrantes das cortes de contas. “Os parlamentos transformaram a escolha de ministros do TCU e de conselheiros dos tribunais de contas em um negócio privado”, diz o auditor gaúcho Amauri Perusso, presidente da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas.

A nomeação de Marília Góes segue suspensa graças a uma liminar do TJ Amapá. “O fato de a vaga em questão ser de indicação da Assembleia Legislativa e não de indicação do Executivo, à primeira vista, não é suficiente para afastar a necessidade de observância da vedação ao nepotismo. Sobretudo em um contexto em que existem indícios de que houve atuação do Poder Executivo para aprovação do nome da demandada”, argumentou a juíza Alaída Maria de Paula, ao conceder a liminar em uma ação popular.

Para piorar, parlamentares de oposição denunciaram supostos pagamentos e ofertas de cargos a deputados estaduais em troca da aprovação do nome de Marília.