Governador de Chubut, Argentina, Ignácio "Nacho" Torres. Reprodução/ CNNGovernador da província patagônica de Chubut, Argentina, Ignácio "Nacho" Torres. Reprodução/ CNN

Governador da Patagônia dá ultimato e inicia nova crise para Milei

23.02.24 21:50

Escondida na Patagônia, a província de Chubut é a sétima menor da Argentina, com 600.000 habitantes. Apesar das aparências, o governador, Ignacio Torres (foto), lançou um ultimato a Javier Milei e conseguiu atingir o governo nacional.

Essa é uma história de petróleo e de corporativismo dos governadores argentinos.

Em carta publicada em seu perfil no X nesta sexta-feira, 23 de fevereiro, Torres acusou o governo nacional de “reter ilegalmente” 13,5 bilhões de pesos de repasses a Chubut referentes ao mês de fevereiro.

O montante é superior a 33% do montante mensal da província.

O que ameaçou o governador de Chubut?

 

A carta divulgada por Torres afirma que “se o Ministério da Economia não entregar a Chubut os seus recursos, então Chubut não entregará o seu petróleo e seu gás”.

A província é a segunda maior produtora de petróleo do país.

Segundo os dados mais recentes do Ministério da Economia, referentes ao terceiro trimestre de 2023, Chubut respondeu por 21,5% da produção nacional.

O setor petroquímico é o terceiro mais importante das exportações argentinas.

Atrás apenas da soja e do setor automotivo, o petroquímico representou 12% das exportações do primeiro semestre de 2023, equivalente a 4 bilhões de dólares.

Não há uma data limite na carta desta sexta, mas Torres declarou à imprensa que o ultimato é para esta quarta-feira, 28 de fevereiro.

O que alega a Casa Rosada?

 

Em comunicado oficial, a Casa Rosada afirmou que a retenção dos repasses se deu no contexto de uma dívida contraída pela gestão anterior de Chubut com o governo de Alberto Fernández.

Ela se refere ao Fundo Fiduciário para Desenvolvimento Provincial — os fundos fiduciários são análogos às emendas parlamentares, no Brasil; o governo nacional repassa verba a uma entidade para administrá-lo em nome do Estado.

Milei, que está partindo em viagem aos Estados Unidos para participar de um fórum de políticos conservadores, compartilhou o comunicado oficial e acrescentou: “Desmascarando a mentira dos fiscais degenerados”.

Províncias Unidas do Sul

 

A carta divulgada por Torres estava assinada em nome das “Províncias Unidas do Sul”, em um ato que rememora às guerras civis do século 19 — os embates entre federalistas e unitários naquela época ruminam em divergências sobre o pacto federativo argentino desde então.

“As províncias são pré-existentes à Nação e merecem respeito”, diz a carta de Torres em sua primeira frase.

O documento desta sexta contava também com as assinaturas dos governadores das outras províncias da Patagônia.

Trata-se dos governadores Rolando Fiegueroa, de Neuquén; Alberto Weretilneck, de Rio Negro; Claudio Vidal, de Santa Cruz; Gustavo Melella, de Tierra del Fuego; e Sergio Ziliotto, de La Pampa.

Todos esses governadores representam forças políticas locais, com exceção de Melella e Ziliotto, que são peronistas do Partido Justicialista, controlado pelo kirchnerismo.

Torres, por sua vez, integra o PRO, partido do ex-presidente Mauricio Macri. Esse é a principal força aliada de Milei no Congresso Nacional.

Como repercutiu o ultimato para além da Patagônia?

 

Torres ganhou apoio para além da Patagônia devido ao tradicional corporativismo dos governadores argentinos.

De fato, governadores abertamente adversários do governo, como o kirchnerista Axel Kicillof, da Província de Buenos Aires, aproveitaram a oportunidade para atacar Milei.

Entretanto, Torres também conseguiu respaldo dos outros nove governadores da federação partidária Juntos por El Cambio, a qual integra o PRO e parte da oposição dialoguista a Milei.

Esses governadores publicaram uma nota de apoio conjunta.

Dentre eles, está o chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, equivalente ao DF, Jorge Macri, primo do ex-presidente argentino.

Por que os governadores importam?

 

Governadores são relevantes na política a nível nacional em qualquer democracia, claro, mas têm influência acima da média no Legislativo argentino.

No Congresso argentino, há blocos formais de legisladores que respondem diretamente a determinados Executivos provinciais.

Considerando apenas independentes e oposição dialoguista, há três blocos na Câmara, com 8 a 9 deputados cada, nessas circunstâncias.

Além disso, há dois deputados que respondem direto ao governador de Santa Cruz, uma das províncias rebeldes da Patagônia.

No Senado, existe dois blocos de 3 a 4 senadores cada. Torres, sozinho, tem a lealdade de dois desses senadores.

Cada voto conta visto a fraqueza do governo Milei no Congresso.

Os libertários tem apenas 37 deputados e 7 senadores, incluindo desafetos como a deputada Carolina Píparo, que contribuiu ao colapso do pacotão de reformas ómnibus na Câmara, no início de fevereiro.

Mesmo que pudesse contar com todos os votos dos congressistas do PRO, único aliado consistente de Milei no Congresso, a base do governo só chegaria a 79 deputados e 16 senadores.

Para ter mais da metade dos votos em cada Casa e avançar com suas reformas, o governo precisa de 129 votos na Câmara e 37 no Senado.

Leia também: 

Governo Milei retira reforma fiscal do projeto de lei ómnibus

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