Pedro França - Agência Senado

Exclusivo: Governo sabia do risco de falta de oxigênio no país desde março de 2020

08.03.21 17:46

Dez meses antes do colapso na rede hospitalar de Manaus, o governo de Jair Bolsonaro já tinha conhecimento de que a pandemia do novo coronavírus poderia acarretar no desabastecimento generalizado do fornecimento de oxigênio não apenas no Amazonas, mas em todo o país.

Em março de 2020, representantes da indústria de oxigênio alertaram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que o parque fabril de gases industriais não teria capacidade de atender a demanda nacional caso a pandemia se agravasse. Os alertas foram feitos por meio de ofícios.

“Na ocorrência de aumento exponencial das demandas de gases medicinais, seria necessária a flexibilização temporária de algumas normas e alguns regulamentos, pelas autoridades sanitárias federais e locais, a fim de aumentar a capacidade de atendimento aos estabelecimentos de saúde, obviamente mantendo-se a segurança, os controles de qualidade e a rastreabilidade”, afirmou a Associação Brasileira da Indústria Química, a Abiquim, em um dos documentos encaminhados à Anvisa logo depois que os primeiros casos de Covid começaram a ser diagnosticados no Brasil.

O presidente da Agência, Antônio Barra Torres (foto), acompanhou de perto os alertas. Em nota enviada a Crusoé, a Anvisa informou que foi ela própria que procurou o setor de gás, em 26 de março do ano passado, para saber se a indústria nacional teria capacidade de suprir o aumento da demanda por oxigênio nos hospitais. A resposta foi um sinal eloquente de que o governo, já àquela altura, teve a exata dimensão do perigo do desabastecimento que estava por vir: a Abiquim afirmou que o parque fabril brasileiro não teria capacidade de promover uma ampliação de suas fábricas antes que a Covid se alastrasse pelo país.

Documentos internos da Anvisa obtidos por Crusoé trazem detalhes das tratativas com as empresas produtoras de oxigênio hospitalar. Em um dos ofícios, a indústria respondeu que “a adequação do parque fabril produtivo de gases medicinais não era uma alternativa viável para atender ao aumento da demanda, considerando que a instalação de novos parques fabris necessitaria de tempo de desenvolvimento de projeto e construção de plantas”.

Outro documento diz que o setor “informou que adequações das unidades envasadoras de gases e das unidades de líquido criogênico medicinal seriam alternativas mapeadas, permitindo o atendimento ao aumento substancial da demanda, de acordo com a realidade e estratégia de cada empresa”.

Os alertas encaminhados ao presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, pela Abidim diziam que a falta de oxigênio era uma possibilidade a ser encarada pelo país, não apenas por alguns estados específicos. Em 15 de janeiro de 2021, quando a crise na capital do Amazonas atingiu seu ápice, 31 pessoas já haviam morrido por falta de oxigênio.

No dia 4 de fevereiro deste ano, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prestou depoimento no âmbito do inquérito sigiloso do Supremo Tribunal Federal que apura se ele foi omisso no enfrentamento da pandemia em Manaus. Pazuello já mudou três vezes a versão sobre a data em que teria tomado conhecimento do colapso em Manaus, sempre listando datas do ano de 2021.

Em 18 de janeiro de 2021, quase dez meses após os primeiros alertas da Abiquim, o Ministério da Economia cobrou da Anvisa um panorama sobre a situação do abastecimento de oxigênio no país. Foi nesse contexto que os assessores de Barra Torres elaboraram os relatórios, obtidos pela reportagem, informando que o tema era tratado com a indústria desde março do ano passado (confira, a seguir, trecho de um desses documentos).

Um dos relatórios reconhece que a “Abiquim alegou que não seria possível prever um prazo específico para o atendimento do aumento da demanda, uma vez que isso dependeria das possibilidades e características de cada empresa, da logística e do aumento de volume de cada região”.

Em 8 de junho de 2020, a Diretoria Colegiada da Anvisa se reuniu e deliberou por algumas flexibilizações solicitadas pelo setor, dentre elas “produzir e distribuir gases medicinais (oxigênio) utilizando estrutura de gases industriais enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública”.

Barra Torres, presidente da Anvisa, será ouvido no Congresso Nacional no próximo dia 11 de março sobre sua atuação na pandemia.

A Abiquim afirma que foi procurada pela Anvisa em 26 de março de 2020, a fim de obter informações quanto à preparação das empresas associadas ao possível aumento da demanda de gases medicinais, especialmente de oxigênio, nas suas formas farmacêuticas “líquido criogênico” e “gás envasado“.

“A Abiquim, após ter realizado análises técnicas de forma consolidada e de caráter, prestou informações em 04 de maio de 2020 à Anvisa pontuando melhorias técnicas e logísticas, além de necessários aprimoramentos normativos ante possíveis cenários de aumentos de demanda”, informou a associação.

Já a Anvisa afirmou ainda que, dentre as medidas indicadas pela Abiquim para enfrentar o cenário de falta de oxigênio, foi destacada a necessidade de flexibilizar temporariamente algumas normas e regulamentos por parte das autoridades sanitárias. “Desde então, a Anvisa adotou diversas medidas para atender às ponderações feitas pela Abiquim, mantendo, obviamente, a segurança, os controles de qualidade e a rastreabilidade”, afirmou a agência.

Muitas dessas medidas autorizadas pela agência, no entanto, foram tomadas só após o colapso em Manaus. Com o aumento exponencial da demanda por oxigênio em janeiro, a Anvisa autorizou a fabricante White Martins a produzir oxigênio medicinal a 95,0% de teor, em vez de 99,0%, nas unidades da rede estadual de saúde, desde que atendidas as recomendações técnicas da Anvisa.

“A medida, que posteriormente estendeu-se a outras regiões, permitiu o aumento da produtividade e da eficiência da indústria de gases medicinais sem colocar em risco a assistência aos pacientes submetidos à oxigenoterapia”, relativizou a Anvisa.

Indagada por Crusoé, a agência não respondeu se os alertas feitos pela Abiquim foram levados ao conhecimento de Eduardo Pazuello ou do presidente Jair Bolsonaro.

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  1. sim o bolsonarp sabia. tudo bem ele é um idiota. e porque os governadores nao fizeram nada também. todos presidente, governadores, prefeitos imprensa tudo.um monte de mer....

  2. O general Pazzuelo ou mente, ou tem algum problema cognitivo. Nenhum gestor sério erraria uma data. Todo gestor planeja o seu dia de trabalho. Como errar a data de algo tão crucial, que foi a iminência da falta de cilindros de oxigênio em Manaus? Pazzuelo, ao que tudo indica, apostou vidas em medicamentos ineficazes. Apostou que esses medicamentos resolveria a situação de Manaus. Atendeu o Bolsonaro, que conseguiu passar de um experimento mental, para um experimento macabro, ceifando vidas.

  3. Mais uma prova cabal do genocídio promovido pelos bozistas. Quem são os seres decrépitos e pervertidos que ainda apoiam o delinquente? Quem são estas criaturas bestiais?

    1. Em que mundo você vive? Se este assunto não é importante, qual é? O cheque do Queiroz para a Micheque?

  4. Competência para flexibilizar normas de produção são da Anvisa e não de governos estaduais! Como o próprio nome define sua razao de existir,isto é l, vigilância sanitária nacional, compete-lhe notificar ao Ministério da Saude, todos os riscos à saúde dos Brasileiros de que tomar conhecimento! Cada vez mais se se sabe o quanto os órgãos competentes desenharam da pandemia!

  5. O Brasil tem um Sistema Único de Saúde com mais de 30 anos, mas recebe a Sindemia do COVID 19, como se fosse uma pandemia, notificando manualmente, índices altíssimos de diabetes, hipertensos, deprimidos e obesos. Não temos saneamento básico!!! Como receberemos a próxima? Mais pobres, mais desempregados, mais doentes, mas vacinados contra Covid19!!! Diagnósticos ruins, soluções equivocadas e uma fé inabalável na ciência da urgência e nos políticos

  6. Se a Anvisa não alertou o MS (e consequentemente o PR) pisou feio na bola. Mas isso não tira culpa nem do general nem do capitão nessa tragédia que vivemos e que tem um enorme potencial para piorar.

  7. Canalhadas da Crusoe, o estado do Amazonas tem Governador ? Manaus tem Prefeito ? Esse povo está vivo. Por que eles não se preveniram, afinal tinham dinheiro transferido da União, autorizado pelo Presidente da República, seu canalhas.

    1. Afranio, por que o presidente, sabendo que poderia faltar oxigênio, não maneirou no seu discurso contra máscaras e distanciamento? Por que o Pazuello, uma vez na vida, não enfrenta o PR? Será que ele vai agasalhar caladinho todas essas mortes?

    2. A Anvisa se reporta ao MS. Se fábricas não têm o produto não adianta dinheiro para comprar. Apresentar fatos não torna ninguém um canalha. Por favor, seja mais civilizado. Vc consegue argumentar sem ofender.

    3. Canalha é você, gado, ninguém mais responde animais como você.

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